- O Globo
Liga e Movimento 5 Estrelas dizem estar próximos de formar governo
-ROMA- Deixar a zona do euro, dar fim às sanções comerciais à Rússia e pedir o cancelamento da dívida italiana de € 250 bilhões são algumas das medidas previstas no esboço do plano de governo italiano redigido pela Liga e pelo Movimento Cinco Estrelas (M5E) divulgado pelo site “Huffington Post” — uma bomba-relógio que pode abalar a relação da Itália com a União Europeia (UE). Os partidos responsáveis pelo documento de 39 páginas e 22 pontos alegaram ontem que “o programa vazado é uma versão antiga que foi amplamente modificada no decorrer de reuniões recentes”. A data que consta no registro, no entanto, é de três dias atrás.
REAPROXIMAÇÃO COM A RÚSSIA
Após dois meses e meio de impasse político, o partido de extrema-direita e o movimento antiestablishment estão prestes a formar um governo, segundo anúncio feito ontem. No esboço vazado, ficam claras as intenções da futura coalizão de estreitar os laços com a Rússia ao pedir a retirada das sanções comerciais impostas ao país e a reabilitação imediata de Moscou como “interlocutor estratégico” em Síria, Líbia e Iêmen. “A abertura para a Rússia não é tida como uma ameaça, mas uma parceria econômica”, descreve o plano.
Também está entre as medidas previstas a criação de um órgão paralelo ao Conselho de Ministros para resolver divergências na cooperação das duas forças políticas opostas no poder. O “Comitê da Reconciliação” poderia, além de lidar com questões internas, tomar decisões externas, passando por cima das regras institucionais. Quanto à manobra para sair da zona do euro, os partidos declararam após o vazamento que “decidiram não questionar a moeda única”.
A reportagem do “Huffington Post” menciona ainda que o pré-projeto de governo sugere uma renegociação das contribuições orçamentárias da Itália à UE; o desmantelamento da Reforma da Previdência de 2011, que aumentou o tempo de contribuição; e uma manobra nas políticas de imigração. Neste último ponto, ao menos, os dois partidos concordam no documento tratar-se de uma questão “insustentável” e que “está na hora de dar preferência aos italianos”, sinalizando políticas mais rígidas.
— Nós recebemos e mantivemos muitos (imigrantes), agora é a hora da legalidade, segurança e repatriação — declarou Matteo Salvini, líder da Liga.
Embora não dê detalhes, o documento propõe reformular a papelada de acolhida e asilo, e que os imigrantes irregulares fiquem sujeitos à deportação.
Na seção sobre as finanças públicas, o texto inclui um pedido ao Banco Central Europeu (BCE) para perdoar a dívida de € 250 bilhões da Itália — a segunda maior da zona do euro. A manobra, se levada adiante, seria proibida pelo presidente do BCE, Mario Draghi.
O porta-voz econômico da Liga, Claudio Borghi, disse ontem à agência Reuters que tal pedido de cancelamento de dívida “nunca apareceu em qualquer esboço” e que a verdadeira proposta é, de acordo com o Pacto de Estabilidade da UE, que a dívida não seja contada na relação do PIB dos países.
Borghi compõe o grupo misto dos dois partidos que, por defenderem políticas opostas, enfrenta problemas para chegar a um acordo sobre a formação do novo governo. Mas Luigi de Maio, do M5E, e Matteo Salvini, da Liga, prometeram que apresentariam um plano ao presidente Sergio Mattarella ainda ontem. O chefe de Estado sempre ressaltou a importância de mentar o país alinhado à UE.
O esboço do projeto de aliança causou uma avalanche de reações na imprensa italiana, com jornalistas e especialistas criticando, sobretudo, sua “ingenuidade”. “Destruir a Itália para prejudicar a Europa”, comentou o jornal “La Repubblica”, que se posiciona mais à esquerda no espectro político. Já para Lorenzo Codogno, ex-economista-chefe do Tesouro italiano e à frente da consultoria LC Macro Advisors, as medidas descritas revelam “a inexperiência e a defasagem das duas legendas”.
‘FT’: ‘INVASÃO DOS BÁRBAROS’
Os mercados financeiros também reagiram mal. A Bolsa de Milão fechou o dia perdendo 2,32%. Em um vídeo divulgado no Facebook, Salvini rejeitou os “insultos” da imprensa e, em particular, do “Financial Times” que criticou o acordo entre as duas legendas como uma invasão dos “bárbaros modernos” a Roma. Segundo o jornal, a Itália está prestes a formar “o menos convencional, mais inexperiente governo a comandar uma democracia europeia desde o Tratado de Roma em 1957”.
— É melhor ser bárbaro do que servo, ou escravo! Melhor ser bárbaro do que vender a própria dignidade, o futuro, as empresas e até as fronteiras da Itália. Os italianos antes de tudo! — rebateu Salvini.
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