quinta-feira, 10 de maio de 2018

Maria Cristina Fernandes: O encontro dos eleitores de Lula e Joaquim

- Valor Econômico

Até outubro, duelo será entre alienação e resistência

Foi a ausência desesperada por uma alternativa eleitoral que contemplasse o discurso anticorrupção e o combate à desigualdade que inflou o balão de Joaquim Barbosa. O ex-ministro nunca disse sim ou não. Foi sem nunca ter sido. Despistou jornalistas e pré-candidatos em busca de imagens para seus panfletos eletrônicos. Nem equipe deixou que fosse contratada para evitar que os gastos do partido o comprometessem irremediavelmente com uma campanha. A perspectiva de ser alçado, em breve, ao topo da disputa, o amarraria ainda mais. A decisão é fruto deste momento.

As razões são outro capítulo. Os personagens não lhe eram estranhos. Alguns chegavam a lhe lembrar colegas do seu tempo na alta magistratura. Todos os acontecimentos da política nacional da redemocratização pareciam, de uma forma ou de outra, ter passado por eles. Ao contrário do Supremo, no entanto, não teria como virar o enredo com um voto. Precisaria de muitos. Não teria como mudar a política sem nela mergulhar. Seria obrigado a consertar o motor com o carro andando. Ou, ainda mais difícil, subir ao palco do espetáculo cuja censura fez sua fama.

O alcance que sua candidatura tomara agrava os sintomas da desistência. Em 2014 cruzou a fronteira para fugir do assédio do candidato depois flagrado na esparrela de um grampo telefônico. Desta vez, caminha para traçar a mesma rota. Seu eleitor parece partilhar do desencanto, mas é obrigado, pela ausência de alternativas, e pela lei, a votar.

Todos os candidatos já se preparam para tentar fisgar o voto de Barbosa. Jair Bolsonaro quer pegar o eleitor que só pensa em por bandidos cadeia. Ciro Gomes vai atrás daquele que via no ex-ministro uma alternativa entre PT e PSDB. Marina Silva mira o voto anti-sistema. Fernando Haddad, o anti-desigualdade. Até Geraldo Alckmin acha que pode lhe sobrar alguma coisa. Nenhum deles, porém, parece mais aparelhado para captar o voto do ex-ministro do que a alienação eleitoral.

A esta altura do campeonato, todas as outras campanhas presidenciais registravam um engajamento eleitoral maior do que a deste ano. Em 2014, foi na mancha eleitoral das grandes cidades que aconteceu o maior crescimento de votos em branco e nulos. Como o ex-ministro era, até agora, o candidato dos mais escolarizados, ricos e urbanizados, a alienação neste eleitorado, pela inércia do desencanto de 2014, só tende a crescer.

O eleitor mais pobre, de mais baixa instrução e morador de pequenas cidades ou zonas rurais só esteve alienado enquanto a eleição era de papel. Excluía-se por incapacidade, não por desejo. A partir de 2002, com a urna eletrônica, não errou mais. O preferido deste eleitorado é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Se Joaquim Barbosa era o candidato anti-sistema, Lula é aquele que dele foi excluído. Sua ausência da disputa pode promover um desencanto, nos grotões e na periferia das grandes cidades, parecido com aquele que ameaça o eleitor do ex-ministro. Um não votava por desconhecimento. O outro deixou de votar, possivelmente, porque sabe demais. Em outubro, por razões diametralmente opostas, mas igualmente fortes, o eleitor de ambos ruma para se esbarrar na encruzilhada da democracia.

Jairo Nicolau já mostrou que a alienação crescente nas eleições legislativas produziu um Congresso das máquinas partidárias, religiosas e corporativas. São essas máquinas que têm o poder de atrair aquele que chega na semana da eleição sem um candidato para deputado federal, para não falar do estadual. Até agora, de cada dez parlamentares, sete se recandidatavam e, destes, apenas um quarto, em média, tem sido reeleita. A renovação, de cerca de 40% da Câmara, está aquém do patamar (60%) dos anos 1990.

O fundo partidário conseguiu o que parecia impossível, piorar as perspectivas. Produziu aquilo que Joaquim Barbosa chama de sistema político aferrolhado. Quem entrou não sai. Quem está fora não consegue entrar. As estimativas iniciais indicam a recandidatura de nove em cada dez parlamentares. Some-se aí o encurtamento do tempo de campanha e tem-se a equação perfeita para uma renovação partidária ainda menor.

A saída de Joaquim Barbosa da disputa eleitoral tende a aproximar o perfil das duas disputas, majoritária e legislativa, tanto no crescimento da alienação eleitoral quanto no peso das máquinas. Jair Bolsonaro e Marina Silva, candidatos que permanecem na liderança, têm frágeis estruturas partidárias. Com o início oficial da disputa enfrentarão o rolo compressor das tradicionais estruturas de campanha e do horário eleitoral gratuito. O dono de uma das mais profissional máquina partidária do Congresso Nacional aposta que a disputa se afunilará entre Geraldo Alckmin e Ciro Gomes, este último com viés de alta.

Joaquim Barbosa despediu-se pessimista com um Brasil refém, por um lado, das máquinas partidárias, e por outro, dos casuísmos do grupo do poder capaz de se apegar até à caserna para não largá-lo. Mas ao eleitor não resta alternativa a não ser se agarrar a 7 de outubro. Não será a grande mudança que um dia passou pelas cogitações do ex-ministro, mas a mudança possível dentro das regras que aí estão. Fora disso é golpe.

Pesquisa do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia com 2,5 mil entrevistas domiciliares em 179 municípios brasileiros, revelada neste Valor por Ricardo Mendonça, mostrou que o presidente Michel Temer perdeu a chamada guerra de narrativas sobre a ilegitimidade dos meios pelos quais chegou ao poder.

Foi no impeachment que se iniciou a trajetória da qual o país hoje é refém. Pior do que nossa democracia, porém, é sua ausência. Um eleitorado com 13 milhões de desempregados espreme-se na porta de saída. Numa conjuntura em que muitos já perderam ou estão para perder tudo o que ganharam nos últimos anos, a distância entre o desencanto e a esperança se estreita. É o duelo entre a resistência e a alienação que se desenrolará até outubro.

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