quinta-feira, 10 de maio de 2018

Trump amplia riscos globais ao romper acordo com Irã: Editorial | Valor Econômico

As ações do presidente Donald Trump deixam claro que os maiores riscos econômicos e políticos para a ordem mundial vêm da Casa Branca. Um estimulo fiscal a uma economia em pleno emprego está antecipando o cronograma do Fed para os juros e o dólar forte daí decorrente já derrubou a Argentina e provoca fortes desvalorizações em moedas de vários países. A guerra comercial com a China está apenas no início, mas Brasil e outros parceiros dos EUA foram atingidos com tarifas. Anteontem, Trump retirou os EUA do acordo feito com o Irã, que também tem como signatários o Reino Unido, França, Rússia, Alemanha e China, criando novo foco de instabilidade no explosivo Oriente Médio, além de jogar para cima o preço do petróleo, com chances de empurrar para cima também a inflação americana.

O governo Trump só tem disparado ultimatos a seus aliados, enquanto desdenha apelos sensatos vindos deles. Seus toscos métodos antidiplomáticos tornaram-se uma marca registrada e em algum momento produzirão grandes reveses. O fim do acordo do Irã envolve sérios riscos. Não há um único motivo para que os EUA se retirem agora do acordo, que, como atestam aliados e a minuciosa averiguação da Agência Internacional de Energia Atômica, vem sendo cumprido à risca pelo Irã. A guerra comercial idealizada na Casa Branca é uma resposta errada ao problema do déficit comercial americano, mas os EUA ganham alguma coisa com isso. É difícil vislumbrar qualquer benefício na atitude em relação ao Irã.

A política externa americana agora está sendo guiada por pessoas como John Bolton, que tinha propostas para lidar com os programas nucleares da Coreia do Norte e do Irã - ataques militares preventivos. Na ausência deles, os EUA pedem coisas impossíveis de serem atendidas pelo Irã, com condições difíceis de serem cumpridas também por seus aliados europeus.

Aliado de Israel, que têm armas nucleares, Trump quer reduzir a influência política e militar do Irã no Oriente Médio, enquanto deixa livres para fazer o mesmo a Arábia Saudita, berço da Al-Qaeda e do Exército Islâmico, a Rússia e a Turquia. Ao restabelecer sanções ao Irã, os EUA querem que as empresas europeias rompam contratos feitos durante a vigência do acordo, e deram prazo de 180 dias para que elas façam isso. Alemanha, França e demais signatários só podem dar garantias de continuidade do acordo com o Irã se impedirem sanções a bancos e empresas europeias que tenham relações comerciais com os iranianos. Para isso, terão de enfrentar Trump.

Os efeitos nocivos da atitude americana são muitos. Se o acordo naufragar pelo temor das retaliações americanas, os moderados que se alinham em torno do presidente Hassan Rouhani perderão argumentos e poder para os extremistas do regime dos aiatolás. A retomada do programa nuclear poderá desencadear reação armada israelense, isoladamente ou em parceria com os EUA. Com grande influência no Iraque, Síria e Líbano, onde Hezbollah e aliados ganharam as eleições legislativas, o Irã recrudesceria ações contra Israel e Arábia Saudita, com a qual já luta por procuração no Iêmen.

Além de entrar em choque com aliados europeus, na pior das hipóteses os EUA conseguirão impedir que o Irã venda de 200 a 300 mil barris diários e, na melhor, como em 2011, 1,4 milhão (FT, ontem). Com o colapso da produção venezuelana e a redução controlada da produção da Opep, será o suficiente para manter elevadas as cotações do petróleo - ontem o Brent e chegou a US$ 77 o barril.

A política de conflitos em série de Trump avançou no campo comercial, depois que uma delegação de alto nível dos EUA apresentou condições equivalentes a uma rendição à China para livrá-la de barreiras tarifárias elevadas. A China não pode nem vai aceitá-las e encabeça uma reação nos organismos multilaterais, que os EUA inspiraram e que agora renegam. Um manifesto de 41 países contra o protecionismo e os debates ásperos no âmbito da OMC anteontem entre representantes de EUA e China mostram o que pode ser um preâmbulo de uma ação concertada para barrar as vontades imperiais malucas de Trump. Os Estados Unidos estão acelerando a consolidação de um poder multipolar. Se Trump insistir em seu caminho, poderá até ser capaz de unir todos contra si.

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