- Folha de S. Paulo
Precisamos aprimorar a Lei Rouanet, não acabar com ela
Como dar dinheiro público para artistas enquanto há gente morrendo nas filas dos hospitais? O argumento, frequentemente utilizado por aqueles que querem ver o fim da Lei Rouanet e outras formas de financiamento à cultura, é capcioso.
Ele é forte demais. Afinal, por melhores que sejam os serviços de saúde de um país, sempre haverá restrições de oferta, isto é, pessoas tentarão conseguir um tratamento e não terão sucesso. Se levássemos a ferro e fogo a ideia de que a vida tem prioridade absoluta, o Estado estaria impedido de realizar qualquer gasto que não em saúde até que todos os pacientes tivessem sido atendidos.
E, obviamente, o país não funcionaria. A própria rede hospitalar só se torna operacional se houver investimentos em infraestrutura, segurança, educação etc. O Estado é complexo demais para ser administrado por intuições.
O que faz mais sentido é estabelecer quanto cada rubrica receberá e cuidar para que o dinheiro seja aplicado da melhor forma possível, tendo em vista princípios norteadores da administração pública como eficiência e impessoalidade.
Nesse quesito, o saldo da Lei Rouanet é híbrido. Ao delegar a escolha dos projetos que serão financiados para agentes privados (vamos fingir aqui que estatais não sejam influenciadas por políticos), ela evita o risco do dirigismo governamental. Para ver como isso é importante, basta imaginar os espetáculos que Bolsonaro financiaria se tivesse livre escolha.
Receio, porém, que a Rouanet peque na questão da eficiência. Ela não apenas permitiu que se articulasse um esquema clientelista de despachantes da cultura como ainda exige pouca contrapartida dos empresários. Em alguns casos, podem abater do imposto devido até 100% do montante doado.
A menos que optemos por viver num mundo sem museus e grandes orquestras, o que não recomendo, precisamos aprimorar a Lei Rouanet, não acabar com ela.
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