- O Globo
Diplomacia comercial exige visão estratégica e pragmatismo. No clima, o risco é não ouvir a ciência. Nos dois casos há perdas econômicas
Não adiantará ter mantido separados os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente se a pessoa indicada representar uma visão idêntica à do ruralismo. Há um temor entre climatologistas de que se repita no MMA o que houve no Itamaraty. A mistura pode ser explosiva. Se o Brasil sair do Acordo de Paris, reduzir ainda mais a ação dos órgãos de controle e tiver uma política que estimule o desmatamento, o agronegócio brasileiro enfrentará barreiras comerciais aos seus produtos.
O temor entre cientistas, no governo ou fora dele, é que, depois de um chanceler que nega a mudança climática, possa ser nomeado para o Ministério do Meio Ambiente alguém com essa mesma visão. O nome que mais inspira preocupação é o do pesquisador da Embrapa Evaristo de Miranda. Ele é conhecido na área por apresentar estudos como se fossem científicos, mas com metodologia e dados questionáveis. Certa vez, divulgou um estudo sobre o impacto das APPs na agropecuária brasileira. Foi rebatido por um trabalho coordenado pelo climatologista Antonio Nobre, feito pelo Instituto de Pesquisas Espaciais e Instituto de Pesquisas da Amazônia, em que se comprovou que Evaristo de Miranda havia exagerado em 309% esse impacto das APPs. Ele não é controverso pelo que acredita, mas pela maneira como usa suas bases de dados para confirmar sua teoria.
O que parece, ao grupo que prepara o governo Bolsonaro, a vitória da ideologia de direita, consagrada nas eleições, pode ser, na verdade, o risco de problemas comerciais no futuro. Uma parte do agronegócio brasileiro sabe das ameaças, tanto que o setor se dividiu diante da proposta de acabar com o Ministério do Meio Ambiente e entregar o assunto para o Ministério da Agricultura. Mas os nomes que circulam, e não apenas o de Evaristo, mostram que se quer fazer a mesma coisa, de outra forma. O Ministério existiria mas seria submetido às teses do ruralismo mais atrasado.
No caso do Itamaraty, os custos do caminho já escolhido por Bolsonaro podem ser imensos. A ideologia já fez muito mal à política externa em tempo recente. O ministro Celso Amorim, no governo Lula, a despeito de sua carreira brilhante, submeteu os diplomatas ao absurdo da leitura dirigida. O então vice-chanceler Samuel Pinheiro Guimarães escalava os livros que tinham que ser lidos por todos os diplomatas. Essa doutrinação extemporânea acabou em 2007 quando o então ex-embaixador nos Estados Unidos Roberto Abdenur deu uma entrevista contra o que definiu como “uma coisa vexatória”. O ex-ministro Celso Lafer chamou de “lavagem cerebral”. Esse é um dos problemas que ocorrem quando se quer impor uma ideologia — naquele caso, a de esquerda — ao corpo diplomático. O pior prejuízo foi a decisão de desperdiçar em postos burocráticos alguns dos mais brilhantes diplomatas brasileiros que, supostamente, não se enquadravam na “ideologia”. O custo financeiro, pago pelo país, foram os calotes nos empréstimos concedidos a países sem condição de pagar.
O embaixador Ernesto Araújo tem posições das quais não se pode dizer que representem uma corrente no MRE. Ele é idiossincrático. Araújo é definido por um embaixador como “um Steve Bannon sem o maquiavelismo do ex-assessor de Trump, mas com um ingrediente místico”. O novo ministro tem o direito de pensar o que quiser, mas o problema é que quando vira política de Estado isso muda de figura. Suas posições contra a integração nas cadeias globais de produção vão no sentido oposto ao que o futuro ministro da Fazenda anunciou que fará. Paulo Guedes quer aumentar a abertura comercial para integrar o Brasil, ainda que tarde, à economia global.
Seguir os Estados Unidos cegamente tem vários riscos. Ontem, o presidente americano recuou em parte da guerra comercial com a China. Ou seja, se o Brasil embarcar na visão antiChina — que compra 23% de tudo o que exportamos — tem o risco de ficar falando sozinho, porque Trump muda de ideia frequentemente sobre tudo. No comércio internacional, Brasil e Estados Unidos são às vezes competidores. Na soja, por exemplo. Quando Trump aumenta o subsídio aos seus produtores, prejudica o nosso produto. Diplomacia comercial exige visão estratégica e pragmatismo. Na questão climática, a ideologia produzirá perdas econômicas concretas. E é esse o cenário que está ficando mais provável na formação do governo.
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