- Folha de S. Paulo
Novo chanceler demonstrou pragmatismo no passado
Lançado há pouco nos Estados Unidos, o livro "Fear" (medo) sobre os dois primeiros anos do governo Donald Trump mostra a ação do "deep state", a burocracia enraizada e profissional em atuação na Casa Branca, na lapidação da agenda presidencial. São superegos que impedem a materialização dos impulsos irrefletidos do presidente em política externa e na defesa.
O presidente eleito Jair Bolsonaro até agora só tem seguidores no Twitter, gente que curte tudo o que diz. No Planalto, alguns freios serão necessários. Chamem os adultos à sala.
Indicado para chefiar o Itamaraty, o embaixador Ernesto Araújo é um profissional culto, alguém que recheia com filé a retórica ossuda de Bolsonaro. Não significa que o resultado seja palatável.
Admirador de Trump, o diplomata, em vários de seus artigos recentes (posts em blog, bem ao espírito do tempo), ataca a imprensa, o Partido Democrata americano, acordos climáticos, o multilateralismo.
Dez anos atrás, em estudo sobre o Mercosul, de 352 páginas, o embaixador dizia que o "princípio da negociação em conjunto é um dos pilares centrais do Mercosul e deve ser firmemente mantido, sob pena de comprometimento das bases da política externa brasileira". Pragmático.
Escolhido, o diplomata abriu uma conta no Twitter. Ganhou em 24 horas 38 mil seguidores e passou a seguir seis pessoas: o clã Bolsonaro, o general Hamilton Mourão e um bacharel em relações internacionais. Foi advertido pelo comediante Danilo Gentili de que ali é "só baixaria".
Nas redes sociais de Bolsonaro, um versículo do profeta Zacarias aparece como fundamento para a transferência anunciada da embaixada brasileira em Tel Aviv para Jerusalém: "O Senhor te repreenda, ó Satanás, sim, o Senhor, que escolheu Jerusalém, te repreenda".
Se a inspiração é dos cultos, desconsiderando os interesses nacionais, o "deep state" do Itamaraty terá uma missão. Que possa contar com o novo chanceler —o pragmático, não o tuiteiro recém-convertido.
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