Em pouco mais de um mês o Federal Reserve americano mudou tanto sua orientação a ponto de deixar em aberto que o aperto monetário iniciado em 2015 pode ter chegado ao fim. Em sua reunião de dezembro, o comunicado do banco havia repetido o mantra sobre a necessidade de "alguns aumentos graduais adicionais", que agora deram lugar à "paciência" na determinações dos futuros ajustes e à dependência exclusiva da marcha dos indicadores econômicos futuros.
Fugindo da praxe habitual, o Fed deixou de indicar o balanço de riscos para o cenário que ainda considera principal, de expansão econômica sustentável, mercado de trabalho vigoroso e inflação perto da meta de 2%. O comunicado após a reunião apenas indica que o Fed continua acreditando que esse é o cenário "mais provável".
A consumação da guinada do Federal Reserve foi mais longe do que os mercados esperavam, à luz da orientação passada recente. Mais intrigante ainda foi o fato de que ela tenha sido feita sem que haja evidências sólidas de que a economia americana está se retraindo e que essa é uma tendência inelutável. Ao contrário, o início do comunicado relaciona o crescimento "sólido" da economia, ganhos fortes no mercado de trabalho e no consumo, além de moderação dos investimentos das empresas diante de seu ritmo forte do começo de 2018. Mais importante, aponta que as expectativas de inflação de longo prazo não se moveram, embora tenham arrefecido no curto prazo.
Na lacônica justificativa para a perspectiva da "paciência" em relação aos juros, porém, o Fed enfatiza a situação da economia global e a moderação das "pressões inflacionárias". Em entrevista após a reunião, o presidente do banco, Jerome Powell, deixou claro que algumas das preocupações que moveram o Fed para sua nova posição foram o desaquecimento da economia chinesa e europeia, os riscos crescentes de uma saída sem acordo do Reino Unido da União Europeia e as tensões comerciais provocadas pela atitude agressiva do presidente Donald Trump em relação à China, além da recém terminada paralisação do governo americano.
Condições externas desfavoráveis raramente têm peso determinante nas decisões do Fed, salvo em situações excepcionais, e as que foram apontadas já estavam no radar do banco quando decidiu aumentar a taxa de juros em dezembro. É quase certo que a economia americana vai se desacelerar, passado o estímulo do pacote tributário de Trump e isso será acentuado pela menor expansão econômica global que está a caminho. Os EUA estão prestes a completar um ciclo de 10 anos de crescimento, mais próximos, portanto, de uma mudança de sinal.
Os indicadores sugerem discretamente uma performance mais modesta da economia americana, ainda distante da recessão, como registram os índices dos gerentes de compras para a indústria e o serviços de dezembro. O mercado de trabalho criou 312 mil vagas em dezembro e as previsões para os números de janeiro, que saem hoje, apostam em 165 mil. O Fed agora parece ter considerado mais seriamente o comportamento da inflação. Excluídos alimentos e energia, ela mal se mantém nos 2%, mesmo após o pico do crescimento e do aumento (moderado) dos salários. Se com todas as condições favoráveis os preços não ganharam grande ímpeto, na parte descendente do ciclo é que não o farão - essa é uma interpretação possível do arrazoado de Powell para a pausa, que pode ser definitiva, na política monetária.
O Fed eliminou também dúvidas de parte dos investidores, que viam um aperto de liquidez exagerado na diminuição do balanço do banco central - US$ 288 bilhões na posição de 24 de outubro, último dado disponível. Em comunicado, o BC afirma que "está preparado para ajustar qualquer dos detalhes" da normalização do balanço de acordo com as condições econômicas e financeiras. Mais enfática foi a afirmação de que, para completar a normalização do balanço, está pronto para alterar sua composição se "as condições econômicas futuras justificarem uma política monetária mais acomodativa do que a que poderia ser obtida com a redução dos juros".
Os mercados comemoraram o que consideram o início de uma longa trégua, que seria benéfica ao Brasil, que está a caminho de reformas estruturais e que precisa de paz no front externo. Ao revelar posições muito distintas em pouco tempo, é possível que o Fed tenha se equivocado. O banco deixou tudo em aberto. Como disse Powell, "só saberemos em retrospectiva" se o ciclo de aperto terminou.
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