- Valor Econômico
Com a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado, a equação política das reformas ficará mais clara
E assim se passou o primeiro mês do governo Bolsonaro. Muita coisa aconteceu nesses 31 dias, mas pouco em relação à economia, a não ser o fantástico desempenho dos ativos brasileiros, com destaque para a bolsa, que, em dólares, subiu 15% no último mês.
A falta de notícias sobre economia parece ser o resultado de uma estratégia da equipe econômica calcada em três pilares principais. Primeiro, demonstrando uma notável disciplina, quase ninguém falou com a imprensa, e, quem falou, disse pouco sobre as medidas que se pretende adotar. Segundo, no pouco que se falou, houve um discurso muito enfático em defesa de metas ambiciosas de ajuste fiscal e, principalmente, de liberalização econômica, com abertura comercial, privatização, reforma tributária e, em geral, uma melhora do ambiente de negócios no país. Terceiro, quase nada foi dito sobre como se pretende atingir essas metas, assim como não se citaram metas intermediárias, mas apenas para o conjunto dos quatro anos de mandato.
Não por outra razão, portanto, a participação semana passada do presidente Jair Bolsonaro e do ministro da Economia, Paulo Guedes, no Fórum Econômico Mundial, em Davos, gerou tanto interesse. Se esperava que os dois detalhassem como vão viabilizar as ambiciosas metas de liberalização e ajuste. Mas essa expectativa se mostrou infundada. O que se viu foi a repetição da estratégia descrita acima.
Bolsonaro fez um discurso especialmente curto, em que, sobre economia, basicamente repetiu a promessa de equilibrar as contas públicas, diminuir a carga tributária, abrir a economia, privatizar e melhorar o ambiente de negócios. A meta neste último quesito é ambiciosa: colocar o Brasil "no ranking dos 50 melhores países para se fazer negócios". No Doing Business, do Banco Mundial, o Brasil ocupa hoje a 109ª posição, sendo o Chile (56ª) e o México (54ª) os países latino americanos mais bem colocados. Há, portanto, um longo caminho a percorrer.
O presidente também não disse como vai conciliar contas públicas ajustadas com menor carga tributária. Presume-se que reduzindo o gasto público, mas ele não disse como. Ele só falou de reforma da previdência, um passo essencial, na fase das perguntas, mas não detalhou o seu conteúdo.
O ministro da Economia teve uma agenda mais intensa, citou mais números, mas também não fugiu do figurino acima. O menu de reformas foi parecido ao citado por Bolsonaro: ajuste fiscal, redução e simplificação da carga tributária, abertura, privatização, contração do balanço dos bancos públicos etc.
Em termos de números, Paulo Guedes prometeu zerar o déficit público primário este ano, com a reforma da previdência cobrindo metade do déficit e receitas com concessões de petróleo e privatizações a outra metade. Disse ainda que pretende reduzir o imposto sobre as empresas (IR e CSLL) de 34% para 15%, que a equipe econômica pode cortar cerca de US$ 10 bilhões em subsídios e que a reforma da Previdência, que promete ser maior que a de Temer e incluir os militares já na primeira fase, vai ser enviada para o Congresso em até 60 dias.
Enquanto Guedes apresentava essas metas em Davos, o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, divulgava 35 metas também ambiciosas, mas pouco detalhadas, para os 100 primeiros dias do governo. A lista é diversificada, incluindo, nos temas econômicos, intensificar a integração à economia internacional, diminuir as tarifas do Mercosul, reduzir a máquina administrativa, melhorar o ambiente de negócios do turismo, dar independência ao Banco Central e privatizar o setor de transportes. Em relação à privatização, também esta semana o Secretário Especial de Desestatização e Desinvestimento, Salim Mattar, citou a meta de chegar a 2020 com apenas quatro estatais federais - Petrobras, Banco do Brasil, CEF e BNDES - e todas elas bem menores do que atualmente.
Qual a lógica por trás dessa estratégia? Em relação ao perfil geral das reformas, não há dúvida: o novo governo sempre defendeu uma política econômica liberal, com disciplina fiscal, que, na minha visão, é o que o Brasil precisa hoje. Por sua vez, segundo Guedes, elencar grandes metas ambiciosas é como fazem as empresas privadas e o governo estaria apenas seguindo esse modelo. Na minha leitura, é também uma forma de o Brasil se diferenciar da Argentina, que com Macri seguiu políticas de ajuste muito gradualistas, que acabaram desembocando na crise do ano passado.
A razão para não detalhar as propostas é mais interessante. Guedes justifica isso como uma forma de concentrar o apoio político na reforma da Previdência: "Por que se envolver em pequenas batalhas se temos uma grande batalha adiante"? Argumento semelhante, aliás, ao do ministro Lorenzoni, ao se recusar a detalhar a reforma da Previdência: "Se eu descer aos detalhes da proposta, eu obviamente entregaria a estratégia, a tática e a lógica".
Difícil julgar se essa estratégia vai funcionar. Os investidores parecem acreditar que sim, mas isso não é certo. Com a eleição, hoje, dos presidentes da Câmara e do Senado, a equação política das reformas começará a ficar mais clara e, para a frente, passaremos a conhecer mais detalhes das propostas. Faz sentido ir com calma, mas não demais: o primeiro mês da lua de mel do governo com a opinião pública também já ficou para trás.
*Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV e professor do IE/UFRJ.
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