quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

O que a mídia pensa – Editoriais

Travessia – Editorial | Folha de S. Paulo

Testada diante de um presidente hostil, arquitetura democrática saiu-se bem

Euforia, revolta, depressão, cruzada anticorrupção, impeachment, surpresa nas urnas. Desde o final da primeira década deste século, o Brasil navega mares agitados.

Na conclusão dessa travessia terá se consolidado, provavelmente, outra normalidade no modo como as forças da sociedade partilham e acessam o poder de Estado —mas não uma nova institucionalidade.

Tem sido notável a resistência da arquitetura constitucional aos múltiplos choques, o que foi realçado em 2019. Pela primeira vez ela teve testada a sua integridade diante de um presidente hostil aos valores democráticos do pacto de 1988 —e saiu-se bem.

Cabeceios antissistema do Planalto acabaram em recuo ou derrota. O uso da Presidência para fins pessoais só andou onde é maior a alçada do Executivo, como no Ibama, ainda assim em forte atrito com a burocracia, órgãos de controle e setores da sociedade.

Bravatas autoritárias da ala alucinada do governismo foram amplamente rechaçadas e levaram a um processo no conselho de ética da Câmara. O desplante do presidente Jair Bolsonaro de cogitar o filho como embaixador morreu diante da firmeza do Senado.

O medo do impeachment parece acossar o mandatário, contribuindo para as constantes reviravoltas em suas intenções e medidas, o que não deixa de ser uma prova da ubiquidade dos mecanismos de prevenção dos abusos de poder.

Outra hipótese reforçada pelo desempenho da política em 2019 foi a aguda carência de apoio —no Congresso e na sociedade— à agenda neoconservadora acalentada pelo bolsonarismo desde a campanha. O Legislativo enterrou itens mais salientes, como a licença para policiais matarem em serviço.

O fel da intolerância escorre por ramificações em que o Executivo não tem de negociar com parlamentares e está menos exposto a controle externo, como cultura, assistência social e Itamaraty, onde se imprime uma linha estrambótica de política externa.

O maior estrago é induzir atitudes incivilizadas em cidadãos e agentes do Estado. Quando o poder questiona e flexibiliza normas, esvazia agências, indulta policiais criminosos e desdenha minorias, está incentivando a brutalidade.

Apesar de esses pontos merecerem grande atenção e crítica, a fotografia mais geral do primeiro quarto do mandato de Jair Bolsonaro evidenciou um governo relativamente fraco e impopular, na comparação com os seus antecessores.

Parte da fraqueza decorre de fatores históricos, pois o superpoder que a Carta de início conferiu à Presidência da República vêm sendo desbastado há décadas.

O governo, no entanto, responde ele mesmo pela maior parcela da sua esqualidez relativa. A começar do chefe de Estado, assombra a quantidade de quadros de baixo nível técnico e político alçados a posições de alto impacto.

A área econômica desponta como exceção nas habilidades técnicas, mas não nas políticas. A má articulação e a fanfarronice afetam também esse setor. A reforma da Previdência e o avanço na do saneamento básico se deveram mais ao esforço do Congresso.

Também concorre para a pouca força relativa do governo a sua vocação minoritária. A eleição de Bolsonaro foi um acidente produzido na encruzilhada do repúdio às forças partidárias que lideravam a disputa pelo poder nacional.

Esse veto elevou à Presidência um político periférico, especializado em atender ao corporativismo de policiais e militares e a denominações evangélicas. No palácio, Bolsonaro tinha a opção de tentar ampliar o consenso sobre sua gestão, mas não o fez.

Continuou mergulhado nas pautas miúdas, privilegiando os nichos da sua clientela de deputado. Nem sequer no PSL logrou garantir apoio mínimo. Abandonou a legenda para fundar o que por ora não passa de mais um empreendimento familiar.

Naufragou a sua teoria política das bancadas temáticas, pela qual pretendia substituir a costura de maiorias estáveis no Congresso. Nenhum presidente em seu primeiro ano de mandato teve tantas iniciativas legislativas frustradas.

A aceleração da atividade econômica surge agora como o maior, se não for o único, elemento para salvar o mandato da mediocridade.

Que venha o crescimento, com bons empregos e queda de desigualdades. Mas que ninguém no governo se iluda com tomá-lo de pretexto para aventuras autoritárias.

Eleição não pode parar o País – Editorial | O Estado de S. Paulo

Num ambiente bastante polarizado, o Brasil conseguiu rara convergência política para aprovar uma satisfatória reforma da Previdência em 2019. Foi uma façanha e tanto, considerando não apenas o clima de forte ressentimento que contamina partidos, movimentos e até famílias, mas principalmente o fato de que, em qualquer lugar do mundo, modificações no sistema de aposentadorias costumam gerar ruidosos e, frequentemente, violentos protestos.

Aqui no Brasil, houve uma oposição pouco significativa à reforma da Previdência, limitada na prática às corporações que foram diretamente afetadas com o fim de privilégios. A reforma afinal passou sem sobressaltos substanciais, e sua mera aprovação está sendo fundamental para restabelecer a confiança dos agentes econômicos e dos investidores no equilíbrio das contas públicas. Ao que consta, as agências internacionais de classificação de risco já estariam dispostas a elevar o rating brasileiro, rebaixado depois do desastre da recessão e das contas maquiadas nos governos lulopetistas.

O ano de 2019 encerra-se, portanto, sob atmosfera razoavelmente otimista. Contudo, a tarefa de recuperação do País e de criação das condições necessárias para estimular seu crescimento está muito longe de terminar. É preciso dar continuidade às reformas, em especial a tributária e a administrativa, sem falar das mudanças no pacto federativo. Será um grave erro deixar-se inebriar pelo relativo sucesso reformista de 2019 e considerar que há margem para suspender esse trabalho em razão da mobilização política com vista às eleições municipais de 2020.

Já há no governo quem tenha jogado a toalha e preveja que a reforma tributária, por exemplo, deverá ficar somente para 2021 – nem a comissão mista destinada a discutir o tema foi instalada ainda. A perspectiva, portanto, é de que, por causa das eleições, as reformas, que até agora têm encontrado ambiente favorável no Congresso, fiquem em banho-maria ou enfrentem resistência maior.

Ora, o País realiza eleições a cada dois anos, e não é possível que, de dois em dois anos, em nome da satisfação de interesses eleitorais, os parlamentares renunciem à sua tarefa precípua, que é aprovar as leis e as mudanças estruturais de que o País necessita.

Tem sido comum ouvir deputados e senadores argumentarem que “ano eleitoral” é um período em que não se pode discutir e votar temas espinhosos no Congresso, pois isso pode melindrar eleitores em suas bases. Ou seja, a legislatura eleita para trabalhar quatro anos opera, na prática, só na metade desse tempo; na outra metade, dedica-se a fazer campanha eleitoral.

Seria ingênuo esperar que os políticos não se preocupassem com as eleições, pois vivem de votos. Afinal, é a essência da democracia representativa. No caso das eleições municipais deste ano, os parlamentares federais esperam que a eventual vitória de seus aliados em disputas por prefeituras ajude a consolidar suas bases, na tentativa de obter apoio à reeleição em 2022. Tudo isso faz parte do jogo.

No entanto, um político que deixa de fazer seu trabalho por receio de perder votos corre o risco de não ganhar voto nenhum e de perder os que já tem. É mais inteligente o parlamentar que mostra serviço, apoiando as reformas de que o País tanto necessita, e que transforma esse apoio em capital eleitoral, do que o deputado ou senador que se omite diante de temas espinhosos. No primeiro caso, o político demonstra consciência de que é preciso trabalhar pelo bem do País a todo momento, mesmo em “ano eleitoral”, e o eleitor certamente haverá de reconhecer seu valor; já no segundo caso, o que se tem é mero oportunismo, que nada acrescenta ao País e que, ao contrário, colabora decisivamente para o abastardamento da política – com a consequente descrença na atividade parlamentar como meio de expressão genuinamente democrática.

Eleições, portanto, não podem parar o País. Por mais que as campanhas naturalmente mobilizem a atenção de partidos e seus candidatos, é preciso dar continuidade às pautas legislativas de interesse nacional, pois foi para isso que os eleitores escolheram seus representantes.

Nova agenda no meio ambiente é caminho para atrair investimentos – Editorial | O Globo

Mudança de rumo no conflito com ambientalistas serviria para ajudar na retomada do crescimento

O governo Bolsonaro tem o temerário estilo de tentar fazer na marra aquilo que foi prometido a seus eleitores, não importa se a lei é desrespeitada. Ou mesmo que não seja, mas contrarie o bom senso. A área do meio ambiente tem sido varrida por uma série de atos desmedidos, sob o comando do ministro Ricardo Salles. Entre eles destaca-se a desmontagem do sistema de vigilância e repressão para conter o desmatamento, principalmente na Amazônia, a maior floresta tropical do mundo.

Pressões sobre o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), responsável pelo monitoramento da região por satélites, e a redução da capacidade operacional do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) são parte dessa política de desmonte. E que certamente causará problemas para as exportações do agronegócio brasileiro, barradas em retaliação aos danos causados no meio ambiente por uma exploração irresponsável dos recursos naturais sob a vista grossa do governo Bolsonaro. Concorrentes do país neste mercado devem acompanhar esses erros esperançosos em herdar clientes do Brasil. Avisos não têm faltado ao Planalto.

Esta nova política de descuido com o meio ambiente não atinge apenas a Amazônia. Documentos obtidos pelo GLOBO atestam que o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, contrariou dois pareceres de técnicos do instituto e permitiu o desmatamento de uma área de Mata Atlântica, outro bioma ameaçado — só restam intactos 12,4% da floresta nativa —, no Paraná. Bim atendeu a um recurso da Tibagi Energia a fim de erguer um canteiro de obras às margens do rio Tibagi, para a construção de uma hidrelétrica. O Ibama-PR havia acatado o diagnóstico técnico, mas Bim, numa penada, permitiu o desmatamento, por sinal executado mesmo antes de o presidente do Ibama formalizar sua decisão.

Bolsonaro deve achar que contrariou um bolsão de ambientalistas do PT aparelhados no Paraná. Mas o inventário de ataques do seu governo a políticas ambientalistas aconselha cautela antes de uma conclusão.

Encerrado o primeiro ano no Planalto, o presidente, num saudável balanço do seu trabalho e da equipe, precisaria se convencer de que seu método de governar por conflitos, muito visível no meio ambiente, prejudica a imagem do país e, por decorrência, retarda a atração de investimentos pesados.

Faz o papel de oposição a si mesmo, no momento em que a economia sinaliza que deverá decolar.

O ano que pode interromper o ciclo de más notícias – Editorial | O Globo

Pela primeira vez desde a grande recessão de 2015/16, há indicadores mais firmes de uma recuperação

A economia ensaiou uma reação no início de 2017. Parecia que, como em crises anteriores, o PIB bateria no chão e subiria em ritmo firme. Mas não aconteceu. No biênio 2015/16, o Brasil mergulhou na mais funda recessão de que se tem notícia no pós-guerra, de mais de 7%.

Devido às barbeiragens fiscais cometidas por Dilma Rousseff. Seja como chefe da Casa Civil do segundo governo Lula, quando inspirou um desastroso “pé no acelerador”, seja como presidente, quando insistiu no erro. Até sofrer impeachment em 2016, ao atropelar a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Se a economia brasileira costumava se recuperar em pouco tempo das crises causadas por insolvências externas, puxada por exportações estimuladas por maxidesvalorizações cambiais — causa também de choques de inflação —, desta vez a insolvência foi interna, do Tesouro. A desvalorização do real de nada valeria. Seja como for, seguiu-se um período de virtual estagnação, com elevações minúsculas do PIB na faixa de 1%, fase que parece estar sendo superada agora. Esta é a boa notícia para 2020: o crescimento está acelerando. Mesmo os movimentos débeis nos subterrâneos da economia vêm conseguindo criar empregos. Boa parte informais, de baixos salários, mas capazes de aumentar a massa salarial.

No segundo trimestre, por exemplo, ela cresceu 2,4% sobre o mesmo período do ano anterior, segundo cálculos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Este é um fator fundamental para a recuperação da economia, porque o Estado não pode repetir o seu clássico papel de indutor do crescimento por meio da elevação dos gastos. Pois ele quebrou do ponto de vista técnico. A demanda terá de continuar a ser impulsionada pelo poder de compra das famílias e pelos investimentos, internos e externos.

O último relatório Focus de 2019, feito pelo Banco Central, a partir da mediana das expectativas de analistas do mercado coletadas no dia 27, sexta-feira, confirma um cenário otimista para 2020: crescimento de 2,30% — 2,22% há quatro semanas — e uma inflação sob controle, em 3,6%, abaixo da meta, que é de 4%.

As boas perspectivas vêm sendo acompanhadas por indicadores positivos: também ajudadas pela liberação do FGTS, as vendas no Natal foram fortes — em São Paulo, crescimento no varejo foi de 6,6%, o maior desde 2010, de acordo com a Associação Comercial, e, no Rio, 7%, na mesma faixa. Além disso, no mês anterior, novembro, o número de empregos formais criados foi o maior também desde 2010 (99 mil).

De acordo com o IBGE, no trimestre de setembro a novembro a taxa de desemprego caiu de 11,6% para 11,2% — em relação aos três meses anteriores. Coerente com este quadro geral. Mas ainda há 11,9 milhões de desempregados. Falta muito para a economia se reequilibrar e não ser apenas uma retomada cíclica. Para novos avanços, é certo, precisa-se retomar as reformas. O impulso dado pelas mudanças na Previdência tem prazo para acabar.

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