Ribeiro
diz que leis podem mudar tributação de renda
Ofuscado
pelo tumulto gerado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, o relatório do
deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) sobre a reforma tributária merece ser
amplamente discutido pelo Congresso e pela sociedade. O texto mostra uma
evolução importante em relação às PECs originais (45 e 110), porém, nasce com
algumas lacunas que também precisam ser debatidas, entre elas não atacar a
questão da baixa tributação sobre renda e patrimônio.
O
substitutivo apenas tangencia o assunto ao reforçar na Constituição o princípio
da progressividade fiscal, garantindo sua aplicação no imposto sobre heranças e
doações (ITCMD) e no IPVA.
Ao Valor Ribeiro diz que não se trata de omissão. Como as duas PECs originais são centradas na tributação de consumo, seu relatório teve foco nisso, justifica. “Até porque muita coisa de renda pode ser por lei, infraconstitucional. Eu me referi à renda e patrimônio, reforcei o caráter de progressividade. Nós registramos isso e deixamos aberto para os parlamentares fazerem essa contribuição e, se todos entenderem que é devido, não serei eu que vou dizer que não é. Pelo contrário.”
O
relator vai receber nos próximos dias sugestões para seu texto, que, pelo
calendário da comissão, pode ter uma nova versão contemplando as contribuições
no próximo dia 11.
A
despeito de Lira ter anunciado a extinção das comissões, o relator mantém o tom
diplomático e diz acreditar que seu texto conseguirá ser bem-sucedido no
Congresso. “Eu vejo possibilidade de avançar. Os presidentes das duas casas,
Rodrigo Pacheco [Senado] e Arthur Lira, disseram que a reforma tributária era
prioridade. Reforma tributária é o que eu defendo. Ajustes tributários são
outra coisa, não se tem impacto na economia como na reforma”, disse, em crítica
indireta à tese de fatiamento do governo. “Eu defendo reforma ampla e confio na
liderança dos presidentes para que esse tema possa avançar.”
Ribeiro
destaca no relatório a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) em duas
fases, iniciando-se com a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) do governo
federal por dois anos e no terceiro ano incorporando o ICMS e o ISS. Esse desenho,
admite, foi feito para atender a equipe econômica.
Ele
disse ter recebido muitos retornos positivos. “Acho que é importante a mudança
estrutural na tributação do consumo. Isso vai de fato transformar o país. Hoje
acho que temos um texto para ser debatido. Temos uma legislação única que
tributa o consumo e não mais bens e serviços de forma diferenciada”, afirmou.
Ex-secretário
da Receita Federal, o professor da FGV Marcos Cintra elogiou o relatório, mesmo
não sendo simpático à tese de um IVA nacional. Para ele, o texto corrigiu
problemas de “falta de realismo” na PEC 45. “Ele manteve o que tinha de bom na
PEC 45, crédito financeiro, tributação no destino, unificação administrativa, e
tirou o que era irrealista, como a universalidade, ao abrir exceções para o
Simples, Zona Franca de Manaus, autorizar regimes especiais e permitir
alíquotas menores para setores como saúde e educação.”
Cintra,
porém, elogia a decisão de Lira e avalia que, com extinção das comissões, a PEC
45 está morta e abriu-se espaço para a CBS e o Imposto de Renda avançarem na
Câmara, pois não há necessidade de quórum constitucional. Além disso, avalia, o
relatório de Ribeiro pode tramitar sem problemas no Senado e avançar no
Congresso, se conseguir apoio.
Para
o advogado Luiz Gustavo Bichara, sócio de escritório do mesmo nome, o
substitutivo, “embora bem feito, parece ter acolhido pouquíssimas manifestações
dos setores empresariais”. Ele cita que não foram acatadas algumas sugestões
relativas à compensação de créditos tributários acumulados no passado e critica
regra de que os novos créditos do IBS só existirão após a comprovação do
pagamento do tributo na etapa anterior (fornecedor). “Eu diria que aqueles que
pagam a conta não foram muito ouvidos. E isso é particularmente grave num momento
em que a recuperação econômica nem começou ainda.”
Há
muitos aspectos de mérito ainda a se analisar do texto. Porém, não podemos
escapar da tentativa de entender o embate político que Lira trouxe para a luz
do dia. O chefe da Câmara anunciou que a comissão mista estava extinta ainda
durante a leitura do texto. Para além da descortesia política, o mais grave foi
que ele adicionou incerteza sobre o destino de uma reforma absolutamente
necessária e sobre a qual já repousa justificado ceticismo, diante de décadas
de fracassos.
Seus
aliados apontam que a intenção de Lira seria acelerar o processo reformista.
Isso porque o tema agora foi para o plenário, o que daria a ele maior controle
sobre seus próximos passos. Se isso for verdade, ganha força a tese de reforma
fatiada sem mudanças imediatas na Constituição e que priorize a CBS e as
mudanças no Imposto de Renda, como ainda defendem o governo e o próprio Lira.
Uma
das questões importantes é saber se as ações mais recentes do parlamentar não
deixam rastro de mágoa e contrariedade que inviabilizaria essa alternativa. Na
terça mesmo ficou claro que sua decisão não foi bem recebida por boa parte dos
seus pares.
O
presidente do Senado se posicionou pela continuidade da comissão e
parlamentares dela também reagiram, lembrando que a discussão no colegiado era
parte de um acordo. Ontem, os secretários estaduais de Fazenda emitiram nota
contra a extinção da comissão mista e defenderam a continuidade dos trabalhos.
A decisão de Lira, segundo a nota, foi desrespeitosa.
Cientista
político e sócio da Hold Assessoria Legislativa, André Cesar avalia que o
presidente da Câmara agiu movido por interesse em retomar o protagonismo
perdido com a CPI da Pandemia, por rivalidade política com o grupo do seu
antecessor, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), e pelo sonho de aparecer para o
mercado financeiro como grande artífice da reforma. Para ele, a atitude deixa
sequelas que dificultam o avanço dessa reforma. “Ele não combinou com os russos
e a coisa ficou mal construída”, disse, apontando risco de o Senado engavetar a
reforma fatiada.
A dúvida que persiste é se a série histórica de fracassos da reforma tributária prevalecerá ou se, como na Previdência, a inércia será quebrada. Nessa disputa, construir pontes ajuda muito mais do que movimentos bruscos e imprevisíveis.
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