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Folha de S. Paulo
Os
atributos do Itamaraty estão longe de dar conta do necessário para reconstruir
a imagem do país
Em
29 de março passado, a insanidade finalmente deixou o Ministério das Relações
Exteriores de braços dados com
aquele que a alçara a princípio norteador da atuação internacional do
país. A diplomacia brasileira parece ter encontrado a normalidade sob comando
de um titular
discreto e treinado nas boas práticas do ofício. Pelo menos tem as
suas digitais o discurso do presidente na Cúpula de Líderes pelo Clima. Foi o
seu primeiro pronunciamento para o mundo que não agrediu a língua ou a lógica,
embora encharcado de compromissos mais que duvidosos.
Os atributos do Itamaraty, porém, estão longe de dar conta do necessário para reconstruir
a imagem do país e a sua política externa. O prestígio que o Brasil conquistara
lá atrás sucumbiu sob o peso do descalabro ambiental e da tragédia sanitária
—ambos promovidos por um desgoverno que, de um lado, flerta com o ilícito
devastador do patrimônio amazônico e ameaça as populações originárias; e, de
outro, desorganiza a política de saúde e estimula comportamentos que só fazem
agravar a pandemia.
Talvez as evidências mais claras de seus efeitos estejam nas falas dos
eurodeputados, de esquerda e de direita, na recente sessão do Parlamento
Europeu dedicada à crise da Covid-19 na América Latina. Desde os tempos da
ditadura militar não se ouviam críticas tão implacáveis a Brasília—evidenciando
que a reconstrução da imagem nacional dependerá mais do que de discursos e da
boa praxe diplomática.
Políticas
externas consequentes espelham, de uma forma ou de outra, os projetos que
norteiam os objetivos nacionais e as políticas que lhes dão vida: o que se quer
para o país dentro e além de suas fronteiras.
A
ideia de uma nação democrática, menos pobre e iníqua, apta, enfim, a obter
benefícios de suas trocas com o mundo vertebrou a diplomacia tanto dos governos
do PSDB como do PT. A de Fernando Henrique, mais otimista em relação aos ganhos
a extrair da globalização; a de Lula, mais inclinada aos arranjos entre países
emergentes. Ambas dispostas a explorar estratégias multilaterais para
fortalecer o protagonismo internacional do país e abrir oportunidades de
crescimento interno.
O morador da “casa de vidro” não tem —nem nunca teve— projeto ou políticas que
mereçam esses nomes. Seu alvo sempre foi destruir o que se logrou sob a
democracia da Constituição de 1988; atiçar os ódios de que se nutrem os seus
seguidores fiéis; disseminar preconceitos e crendices —e, naturalmente,
beneficiar sua família e seus asseclas. Nada que sirva para dar lastro a uma
política externa coerente, que dirá governar.
*Professora
titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap
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