‘Um homem pequeno para estar onde está’ foi a
expressão usada por Luiz Henrique Mandetta no depoimento à CPI da Covid. O
ex-ministro da Saúde se referia ao ex-colega da Economia, Paulo Guedes, que o
acusou de “pegar R$ 5 bilhões” e não comprar vacinas quando elas ainda nem
existiam. Mandetta falou só de Guedes, mas bem poderia ter usado o aposto para
outros personagens.
No
momento em que Mandetta se apresentava à CPI, homens de confiança do presidente
da República trabalhavam nos bastidores para ajudar outro ex-ministro da Saúde,
Eduardo Pazuello, a escapar do próprio depoimento. Estavam alarmados com o que
viram no treinamento aplicado a ele no final de semana. O general que, no
poder, se acostumou a dar entrevistas coletivas em que só falava o que queria e
não respondia a pergunta nenhuma tremeu diante da simulação de um pelotão
agressivo de senadores ávidos por um embate.
Acuado, o mesmo Pazuello que dias antes circulava sem máscara num shopping center de Manaus, despreocupado com a pandemia, escondeu-se atrás do Exército. Coube a um general assinar um ofício avisando à CPI que ele não compareceria, por ter tido contato com coronéis contaminados com o coronavírus.
O ex-ministro da Saúde não apresentou atestado médico, nem lhe ocorreu fazer um teste para eliminar a hipótese de contaminação e se liberar para prestar esclarecimentos à CPI o mais rapidamente possível. Mas ganhou duas semanas para tomar coragem e responder às perguntas dos senadores.
No dia seguinte, diante de plateia amiga no Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro adotou postura combativa. Disse que estava pronto para garantir por decreto “o direito de ir e vir”, contra medidas de isolamento social determinadas por governadores. Em mais uma de tantas indiretas contra o Supremo Tribunal Federal, disse que, se baixar o tal decreto, “não será contestado por nenhum tribunal, porque ele será cumprido”.
No
mesmo tom ameaçador de sempre, chamou de canalha “aquele que é contra o
tratamento precoce e não apresenta alternativa” e criticou o pedido da CPI para
que informasse onde esteve nos finais de semana em que circulou pelos arredores
de Brasília sem máscara e sem tomar cuidados preventivos contra a disseminação
do coronavírus. “Não interessa onde eu estava. Respeito a CPI, estive no meio
do povo, tenho que dar exemplo”, afirmou o presidente, exaltado. “Vou continuar
andando em comunidades em Brasília.”
Não
parecia o mesmo Bolsonaro que, há duas semanas, telefonou ao governador de
Alagoas, Renan Filho, pedindo para ajudá-lo no diálogo com seu pai, o relator
da CPI, Renan Calheiros. Ou que, em visita fora da agenda, perguntou ao
antecessor José Sarney: “O Renan é mesmo muito amigo do Lula?”. Embora se
tratasse de uma pergunta inútil — ou alguém acredita que Sarney responderia que
“sim, são muito amigos, falam sempre ao telefone, tocam de ouvido”? —, foi uma
indagação reveladora dos contornos que o espírito combativo do capitão assume
nos bastidores.
Na
CPI, em público, o que se viu foram senadores recitando perguntas já enviadas
prontas pelo governo ou por médicos pró-cloroquina, enquanto os ex-ministros
Mandetta e Nelson Teich demonstravam claramente que houve, sim, uma concertação
do Palácio do Planalto contra o isolamento social, pela adoção do tratamento
precoce como política pública e de confronto às recomendações preconizadas pela
ciência.
“A
verdade, ela vai triunfar!”, proclamou em defesa do tratamento precoce o
senador Eduardo Girão, que é empresário e ex-presidente de clube de futebol,
mas fala como se entendesse de assuntos médicos. E que se proclama
independente, mas atua como integrante da tropa de choque de Bolsonaro.
Sim,
todos queremos que a verdade triunfe. É muito cedo, porém, para dizer que é
isso o que acontecerá. Difícil, também, prever se a CPI da Covid resultará
mesmo em punição aos responsáveis pelos fracassos e desídias que custaram
milhares de vidas nesta pandemia. Mais arriscado ainda seria antever se haverá
vontade política para produzir um impeachment.
Mas já é possível adaptar ao momento atual um velho ditado popular — aquele que diz que é quando a maré baixa que se vê quem está sem roupa. A CPI da Covid ainda está começando, mas uma coisa ela já conseguiu. Agora que a maré baixou bastante, a gente constata que os homens pequenos são ainda menores do que conseguíamos ver.
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