Contribuintes,
dizia Maurício de Nassau em seu testamento político, são como carneiros, que se
tosquiados até a dor se convertem em terríveis alimárias
Não
há nenhuma dúvida quanto à necessidade de reforma tributária,
no Brasil,
por várias razões, como a natureza intrinsecamente imperfeita de todos os
sistemas tributários, as mudanças, cada vez mais rápidas e relevantes, nas
circunstâncias econômicas e sociais, as controvérsias conceituais em razão de
instabilidades na interpretação administrativa e na jurisprudência, a
voracidade da burocracia tributária, etc.
Essa
necessidade, todavia, não é exclusiva do Brasil. Alcança todos os países, não
necessariamente ao mesmo tempo, nem com a mesma agenda de questões a
solucionar.
Propostas
de reforma tributária devem, precipuamente, delimitar seu objeto e eleger a
forma de execução, dispensando chavões, dogmatismos, ilações insubsistentes,
pretensões de recepcionar acriticamente experiências estrangeiras, estudos e
pareceres encomendados por interesses privados. Além disso, devem ser
precedidas de estudos, que exponham de forma clara os problemas que pretende
enfrentar, as possíveis soluções e suas repercussões, a serem submetidas a
debate aberto e transparente.
É como se fez no Brasil, em 1953, quando da elaboração do anteprojeto do Código Tributário Nacional.
Instituiu-se
então uma comissão presidida pelo próprio ministro da Fazenda, Osvaldo Aranha, e integrada por
qualificados tributaristas e servidores públicos, tendo como relator Rubens
Gomes de Souza.
Durante
nove meses, a Comissão fez inúmeras reuniões, produziu relatórios levados ao
conhecimento público, examinou mais de mil sugestões, daí resultando um projeto
de lei encaminhado para apreciação e aprovação pelo Congresso Nacional.
De
igual modo, em 1965, foi constituída uma comissão para elaborar o anteprojeto
de reforma da discriminação constitucional de rendas, presidida por Simões
Lopes, presidente da Fundação Getúlio
Vargas, e integrada por Rubens Gomes de Sousa, na condição
de relator, e, entre outros, por Gerson Augusto da Silva, Gilberto de Ulhôa
Canto e Mário Henrique Simonsen.
Essa
Comissão, tomando por base estudos que remontam a 1963, elaborou o anteprojeto
da Emenda Constitucional n.º 18, de 1965, que foi certamente a melhor reforma
da tributação do consumo no Brasil.
Fica
patente, em ambos os casos, que os projetos foram concebidos por especialistas,
porém com efetiva participação do Estado, em nome da preservação do interesse
público e da imparcialidade.
A Espanha, em abril passado, adotou
providência análoga, ao instituir comissão, integrada por tributaristas,
economistas e servidores da Fazenda Pública, para analisar o sistema tributário
espanhol e, até fevereiro de 2022, propor medidas visando a torná-lo mais
eficiente no plano arrecadatório e mais eficaz no combate à pobreza, e, por
fim, ajustá-lo ao contexto do século 21, especialmente no que concerne à
atenção com a sustentabilidade e a economia digital.
Fatos
recentes atestam que iniciativas tributárias movidas por mero voluntarismo,
mesmo que lastreadas em teses razoáveis, podem resultar em custosas
frustrações, em virtude da reação dos contribuintes.
Na França, em 2018, a elevação dos
tributos incidentes sobre os combustíveis de origem fóssil gerou o movimento
dos coletes amarelos (gilets jaunes, em francês), que promoveu uma trágica
rebelião popular, com pessoas mortas, feridas e detidas, além de barricadas,
saques e danos à propriedade pública.
No
início desta semana, o governo colombiano se viu obrigado a retirar proposta de
reforma tributária que, entre outras medidas, previa tributar, com uma alíquota
uniforme de 19%, bens e serviços consumidos pela classe média e pelos pobres. A
proposta provocou uma revolta, com 19 mortos e 700 feridos.
Esses
fatos constituem um alerta para propostas de reforma tributária, no Brasil, que
subestimam reações aos impactos da tributação sobre os preços, especialmente em
tempos de pandemia.
Os
contribuintes, dizia Maurício de Nassau em
seu testamento político, são como carneiros, que se, entretanto, tosquiados até
a dor se convertem em terríveis alimárias.
*Consultor Tributário, foi Secretário da Receita Federal (1995-2002)
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