Senador
descumpriu uma norma, explicitada por Neves em 1963: “É norma ética consabida
que o governante não compra nem vende nada”
Flávio
Bolsonaro comprou uma casa de R$ 5,9 milhões, com R$ 3,1 milhões financiados
pelo Banco de Brasília, cujo maior acionista é o governo do Distrito Federal.
Com uma renda familiar declarada de R$ 37 mil mensais brutos, deverá aguentar
uma mensalidade de R$ 18 mil. Poderá viver sem pedir auxílio emergencial.
O
doutor ganhou fama de empreendedor com uma casa de chocolates da Kopenhagen e,
em 16 anos, fez 20 transações imobiliárias, muitas delas quitando parte dos
pagamentos em dinheiro vivo. Filho do capitão Jair Bolsonaro, elegeu-se
deputado estadual no Rio em 2002, aos 21 anos, e senador em 2018.
Flávio
Bolsonaro descumpriu uma norma, explicitada por Tancredo Neves em 1963:
“É norma ética consabida que o governante não
compra nem vende nada.”
Era
pura sabedoria. Lula deu-se mal porque usufruiu o sítio de Atibaia e discutiu a
compra de um apartamento no Guarujá. Juscelino Kubitschek foi muito mais longe,
adquirindo um apartamento na avenida Vieira Souto.
Na
“nova política” dos Bolsonaro, faltam os pilares da cultura histórica de
Tancredo. Nela, abunda aquilo que o presidente americano Joe Biden acaba de
chamar de “pensamento de Neandertal”. Rachadinhas podem ser coisas da Idade da
Pedra.
A repórter Malu Gaspar mostrou que na “nova política” acontecem também golpes da modernidade, como a utilização de informações vindas do coração do governo para se ganhar um dinheirinho fácil no mundo do papelório.
Às
17h15m de quinta-feira, dia 18 de fevereiro, terminou uma reunião no Palácio do
Planalto. Delas participaram o presidente Bolsonaro e, por ordem alfabética, os
ministros Augusto Heleno, Bento Albuquerque, Braga Netto, Luiz Eduardo Ramos,
Paulo Guedes e Tarcísio Freitas. Nela, o capitão manifestou seu desconforto com
o presidente da Petrobras.
Às
17h35m, uma mão invisível do mercado operou uma aposta de R$ 2,6 milhões na
baixa nas ações da Petrobras. Passados nove minutos, outra, de R$ 1,4 milhão.
Nunca haviam acontecido operações desse tamanho em tão pouco tempo. Às 19h (85
minutos depois da primeira aposta), Bolsonaro anunciou que “alguma coisa”
aconteceria na Petrobras.
Malu
Gaspar mostrou que até as 17h15m, quando terminou a reunião do Planalto,
aconteceram 41 transações, com algo mais de 2 mil apostas. Depois que a reunião
terminou, em apenas 39 minutos, foram negociadas 2,5 milhões de apostas.
Quem
conhece o mercado estima que o dono, ou os donos, da mão invisível embolsaram
algo como R$ 18 milhões com a queda do valor da ação da Petrobras no dia
seguinte.
À
primeira vista, os órgãos de controle do governo poderão desvendar essa salada
de números. Contudo, durante o governo Bolsonaro, o Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE) soltou um edital prevendo a compra de R$ 3
bilhões de equipamentos para a rede pública de ensino.
A
Controladoria-Geral da União (CGU), órgão de controle do governo, sentiu cheiro
de queimado. Afora os indícios de direcionamento, 355 colégios receberiam mais
de um laptop por aluno, 46 ganhariam mais de dois, e um deles, em Itabirito
(MG), teria direito a 30 mil, 118 para cada aluno.
A
CGU funcionou. O edital foi suspenso e logo depois cancelado, mas até hoje
ninguém explicou como e por quem foi produzido o jabuti. Nem em pizza deu, deu
em nada.
Recordar
é viver
Em
1969, um comando da Vanguarda Armada Revolucionária roubou um cofre guardado na
casa da namorada do ex-governador paulista Adhemar de Barros. Quando o
arrombaram, encontraram cerca de US$ 2,5 milhões de dólares (algo como US$ 18
milhões de hoje). Parte do ervanário ainda estava com as cintas de papel de um
banco suíço.
A
poderosa máquina da ditadura identificou quinze pessoas envolvidas no assalto.
Quatro foram mortos e sete foram presos nos meses seguintes. Um deles morreu
sob tortura num quartel. Sua autópsia, feita no Hospital Central do Exército,
apontou dez costelas quebradas e pelo menos 53 marcas de pancadas.
Imenso
foi o esforço para se descobrir o que foi feito com o dinheiro. Nula foi a
curiosidade para saber como ele foi parar no cofre. Adhemar era conhecido por
ter uma “caixinha” e apreciava o slogan “rouba, mas faz”.
Com
a ajuda de um amigo militar, a dona da casa sustentou que o cofre estava vazio.
Nem em pizza o cofre do Adhemar deu. Deu em nada.
A
ditadura negava que torturasse presos e orgulhava-se de ter uma Comissão Geral
de Investigações para caçar corruptos. À época, era presidida por generais.
Tarcísio
está noutra
Tarcísio
Freitas, ministro da Infraestrutura, só convive com as moscas de padaria. Não é
candidato a nada e não quer ser. Até porque já decidiu: quando sair do governo,
irá para a iniciativa privada.
Guedes
e Maritza Izaguirre
Outro
dia, o ministro Paulo Guedes disparou uma urucubaca:
“Para
virar a Argentina, seis meses; para virar Venezuela, um ano e meio.”
Misturou
cloroquina com cloro de piscina. A Argentina teve projetos liberais mal
conduzidos e fracassados. Na Venezuela, isso nunca aconteceu. O projeto de
demagogia miliciana de Hugo Chávez era político.
Em
1999, quando o coronel Chávez assumiu, o tal de “mercado” torceu para que a
manutenção de Maritza Izaguirre no Ministério da Fazenda garantisse alguma
racionalidade. Um ano depois, Izaguirre foi substituída e voltou para o Banco
Interamericano de Desenvolvimento.
Chávez
chegou prometendo “mercado até onde for possível e Estado apenas onde for
necessário”. Era lorota.
Sonham
acordados
Quando
o governador João Doria anunciou que em janeiro começaria a vacinação em São
Paulo, o secretário executivo do Ministério da Saúde, coronel da reserva Élcio
Franco (aquele que usa brochinho de crânio atravessado por uma faca), disse o
seguinte:
—
Senhor João Doria, não brinque com a esperança de milhares de brasileiros, não
venda sonhos que não possa cumprir, prometendo uma imunização com um produto
que sequer possui registro nem autorização para uso emergencial.
No
dia 17 de janeiro, foi vacinada no Hospital das Clínicas a enfermeira Mônica
Calazans.
Jogo
jogado
Na
quinta-feira, a repórter Paula Ferreira mostrou que Franco encaminhou ao Senado
uma planilha informando que neste mês o ministério distribuirá 38 milhões de
vacinas.
No
dia 17 de fevereiro, o general Eduardo Pazuello anunciou que entregaria 46
milhões de imunizantes. Onze dias depois, a previsão baixou para 39,1 milhões.
Em
duas semanas, evaporaram-se 7,9 milhões de vacinas.
O
doutor deveria entrar na sala do general Pazuello admitindo:
—
Chefe, estamos brincando com a esperança de milhares de brasileiros, vendendo
sonhos que não podemos cumprir.
(O Ministério da Saúde levou em conta 8 milhões de doses de um laboratório que ainda não deu entrada ao pedido de autorização da Anvisa, mas deixa pra lá.)
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