O
Brasil tem sido, pro nosso cinema, uma terra sempre em transe. Nossa história é
contada como se não existisse, cheia de equívocos e erros grosseiros
Meu
coração quase parou quando li, no Estadão de 27 de fevereiro, o título da
matéria: “Livro conta como o ex-censor Roberto Farias dirigiu um filme
censurado em plena ditadura”. O filme censurado em plena ditadura todos nós
conhecemos. Era “Pra frente, Brasil”, de 1982, com Reginaldo Farias como um
homem comum que, no ambiente político da época, se torna vítima de bárbara
tortura. Um filme premiado no rigoroso Festival de Berlim e consagrado no nosso
Gramado. Deu o que falar. Mas e o “ex-censor”?
O
Brasil tem sido, pro nosso cinema, uma terra sempre em transe. Nossa história é
contada como se não existisse, cheia de equívocos e erros grosseiros. Por
exemplo, esse. Roberto Farias nunca trabalhou no Departamento de Censura de
Diversões Públicas, como está no jornal. Desde sempre, ele só trabalhou e se
empregou na atividade cinematográfica. E jamais praticou qualquer tipo de
censura a filmes, mesmo quando teve poder para isso.
De 1974 a 1979, Roberto foi presidente da Embrafilme, empresa de economia mista que ele transformou numa das companhias de produção e distribuição de filmes mais bem-sucedidas da América Latina, disputando o mercado pau-a-pau com as majors americanas. Ele foi nomeado para o cargo pelo governo Ernesto Geisel. O seu era um dos nomes indicados por sindicatos e associações de cineastas que produziram, a pedido do governo, uma lista de três candidatos. Os ministros João Paulo dos Reis Velloso, do Planejamento, e Ney Braga, da Educação e Cultura, foram os intermediários da operação política, sob o argumento, trazido por eles, de que a abertura democrática anunciada por Geisel devia começar pela cultura. O cinema brasileiro nunca teve, a seu lado, um ministro que nos desse tanta condição de trabalho quanto Reis Velloso.
Roberto
Farias fez da Embrafilme um instrumento agregador e modernizador do cinema
brasileiro. Para isso, contou com Riva Farias, seu irmão produtor, e com Gustavo
Dahl, um dos maiores pensadores do cinema em nossa geração, a quem chamou para
cuidar da distribuidora, fator de diferenciação e progresso reconhecido em todo
o mundo. O comportamento politico de Roberto e sua turma foi sempre impecável.
Muitas vezes, filmes da Embrafilme já finalizados para lançamento sofriam
embaraços e perseguição no Ministério da Justiça e na Polícia Federal, onde
estava a Censura. Mas na própria Embrafilme, jamais. Ninguém nunca teve sua
produção emperrada na empresa por escolhas políticas ou artísticas.
Naquele
momento de tanta repressão, tanta ausência de civismo, tanta crueldade com o
opositor por governos que se instalavam arbitrariamente, o cinema brasileiro
viveu dias de raro crescimento, graças a regras estabelecidas e obedecidas por
todas as partes. Hoje temos um governo eleito pelo voto popular que, em matéria
de cultura, só pensa em acabar com a existência do cinema brasileiro.
Roberto Farias foi um grande cineasta brasileiro, um Mestre que experimentou de tudo que é gênero e será sempre lembrado por filmes como “Cidade ameaçada”, “O assalto ao trem pagador”, a série de musicais com Roberto Carlos e, naturalmente, “Pra frente, Brasil”. Roberto também não pode ser esquecido pelo que fez da Embrafilme, um dos momentos mais grandiosamente democráticos do que foi e ainda poderá ser o cinema brasileiro.
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