- O Globo
Na
noite de 30 de agosto de 1883, o padre italiano Giovanni Bosco sonhou que fazia
uma viagem pela América do Sul. Entre os paralelos 15 e 20, ele vislumbrou uma
“enseada bastante longa e larga, que partia de um ponto onde se formava um
lago”. Uma voz divina assoprava em seu ouvido: “Quando vierem a escavar as
minas escondidas no meio destes montes, aparecerá a terra prometida, de onde
jorrará leite e mel. Será uma riqueza inconcebível”.
Dom
Bosco morreu em 1888, virou santo em 1934 e inspirou os fundadores de Brasília
em 1960. A cidade foi erguida entre as coordenadas geográficas do sonho e à
beira de um lago artificial, o Paranoá. O sacerdote se tornou onipresente no
Planalto Central: batiza igreja, colégio, farmácia e pizzaria. Agora seu santo
nome também está associado aos negócios da família presidencial.
Flávio Bolsonaro virou morador do Setor de Mansões Dom Bosco, uma das áreas mais valorizadas da capital. O senador comprou uma casa de 1.100 m² de área construída, com quatro suítes, oito vagas de garagem, piso de mármore e piscina aquecida. Com salário líquido de R$ 24 mil, ele arrematou o imóvel por R$ 6 milhões.
A
mansão é o mais novo símbolo do enriquecimento dos Bolsonaro na política.
Quando disputou sua primeira eleição, em 2002, o primeiro-filho declarava como
único bem um Gol 1.0. Cinco mandatos depois, ele pilota um Volvo XC e acaba de
adquirir seu 20º imóvel em 16 anos.
A
casa também simboliza a crença da família na impunidade. Em novembro, o
Ministério Público do Rio denunciou o senador por peculato, lavagem de dinheiro
e organização criminosa. Ele fechou o negócio dois meses depois, às vésperas de
o Superior Tribunal de Justiça julgar seus recursos contra a investigação.
Seguindo
a tradição da família, a transação está encoberta por mistérios. O Zero Um
registrou a compra do imóvel na cidade-satélite de Brazlândia, a 58 quilômetros
da mansão. O cartório atropelou a Lei de Registro Público e tarjou a escritura
pública para ocultar seus dados patrimoniais. O Banco de Brasília (BRB), ligado
ao governo do Distrito Federal, financiou parte da operação com juros abaixo do
mercado.
Irritado
com a descoberta da mansão, Flávio atacou a imprensa e negou irregularidades.
Ele disse ter comprado o imóvel com o valor da venda de um apartamento e de uma
franquia da Kopenhagen, apontada pelo MP como fachada para lavar dinheiro. “Tá
tudo redondinho, dentro da lei e sem problema nenhum”, afirmou, em vídeo
divulgado nas redes sociais.
Eleito
com a promessa de combater a corrupção, o presidente ainda não falou sobre a
casa milionária. Há poucos dias, ele abandonou uma entrevista para não
responder sobre as manobras do herdeiro no STJ.
Depois de 138 anos, os Bolsonaro dão novo significado à profecia de Dom Bosco. Ao se instalar entre os paralelos 15 e 20, o clã passou a ostentar uma riqueza inconcebível. A diferença está no detalhe: em vez de leite e mel, a mina do primeiro-filho faz jorrar chocolate.
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