Criadas
as condições para a tempestade perfeita
Na
noite de 17 de março de 2019, em sua primeira viagem aos Estados Unidos como
presidente da República, Jair Bolsonaro ofereceu um jantar na embaixada do
Brasil em Washington para oito expoentes da direita americana, e mais o
autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, guru dos seus filhos e dele também.
Bolsonaro
apresentou-se aos seus convidados como o brasileiro ungido pela “vontade de
Deus” para estancar a suposta caminhada do Brasil para “o socialismo, o
comunismo”. Reiterou o lema bíblico de sua campanha eleitoral: “Conheças a
verdade e a verdade te libertará”, do capítulo 8 do Evangelho de São João.
E,
em seguida, antecipou o que pretendia fazer ao longo do seu primeiro mandato,
porque desde já, embora não tenha dito isso na ocasião, já pensava no segundo:
“Nós temos de desconstruir muita coisa, de desfazer muita coisa para depois
começarmos a fazer”. Destruir “o sistema” era seu principal objetivo, diria
mais tarde.
Dois anos e três meses depois, o sistema continua de pé. Bolsonaro a ele aderiu com medo de combatê-lo e de ser derrubado. Concentrou sua força destruidora em setores com menor capacidade de resistência – saúde, meio ambiente, educação, cultura, direitos humanos e relações exteriores.
A
pandemia da Covid veio em boa hora para ele. Serviu para que demonstrasse sua
compulsão pela morte. O caos que toma conta do país onde morreram 10 mil
pessoas nos últimos sete dias e quase 265 mil de um ano para cá, tende a se
agravar nas próximas semanas com o apocalipse sanitário mais do que anunciado.
Sem
a chegada de mais doses de vacinas não haverá como impedi-lo. Acontece que
furou a previsão oficial de novas doses. Nos últimos três dias, o Ministério da
Saúde diminuiu em quase 35% o número de doses de vacina disponíveis em março.
Em três dias, a estimativa inicial de 46 milhões de doses caiu para 30 milhões.
Até
este sábado, dia 6, pouco mais de 8.130.000 de pessoas receberam a primeira
dose da vacina. Isso equivale a 3,84% da população. A segunda dose foi aplicada
em 2.686.500 pessoas – ou seja: apenas 1,27% da população. Má vontade com o
Brasil dos fabricantes das 11 vacinas em circulação no mundo?
Não.
Falta de interesse do governo brasileiro em comprá-las a tempo. Um ministro da
Saúde foi demitido em meio a pandemia, e outro preferiu pedir demissão por
discordar da orientação de Bolsonaro de conceder passe livre ao vírus. Uma vez
que o vírus infectasse 70% das pessoas, acabaria derrotado.
Esse
é o entendimento de Bolsonaro desde o início, e por isso ele sabotou e sabota a
compra e a aplicação de vacinas. A história está repleta de exemplos de
governantes autoritários com compulsão pela morte, o que os tornava
indiferentes à sorte alheia – Hitler, Stalin, Mussolini, Mao Tsé-Tung, Pol Pot,
ditador do Cambodja.
Em
mais um encontro com seus devotos nos jardins do Palácio da Alvorada, depois de
despachar para Israel uma comitiva do governo atrás de um spray contra a Covid
sequer ainda bem testado por lá, Bolsonaro declarou como se fizesse uma grande
e generosa concessão:
–
O que é a vacina? Não é um vírus morto? Eu já tive o vírus vivo. Estou
imunizado. Lá na frente, depois que todo mundo tomar, se eu resolver tomar,
porque no que depender de mim é voluntário, então tomarei.
A vacina deve ser tomada mesmo por quem já contraiu o vírus – Bolsonaro sabe. Como sabe que estão criadas as condições para uma tempestade perfeita que poderá desabar a qualquer momento. Espera salvar-se politicamente, pouco importa o número dos que venham a ser sepultados. Covas também estão em falta.
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