O bloqueio ou fechamento de todas as atividades econômicas, conhecido em inglês como “lockdown”, vem sendo defendido como solução para a explosão de casos de Covid-19 no Brasil. Cientistas de renome têm falado num lockdown nacional como única resposta razoável para a escalada de mortes provocadas pelo novo coronavírus. Não se trata, contudo, de decisão simples nem óbvia.
Não
há como contestar a eficácia do lockdown e das medidas de restrição de contatos
para deter a transmissão do vírus. Estudos do início da pandemia, quando
diversos países implementaram quarentenas rigorosas, avaliaram que elas haviam
evitado 140 milhões de infecções até junho e salvado pelo menos 3 milhões de
vidas até maio. Quanto mais cedo houvesse sido implementado o lockdown, mais
vidas eram salvas.
Do ponto de vista científico, portanto, não há dúvida de que um lockdown nacional de algumas semanas teria um efeito dramático no contágio. Foi o que aconteceu no Reino Unido. O bloqueio total decretado em 4 de janeiro resultou em queda brusca nas mortes que vinham subindo. Em Portugal, a quarentena rígida adotada no final de janeiro fez as mortes despencarem de 303 para 42, na média de sete dias. Na Nova Zelândia, bastou um único caso de transmissão comunitária para Auckland entrar em lockdown por sete dias no final de fevereiro.
O
mero fato de adotar uma medida drástica como o lockdown nacional poderia ser
pedagógico para a parcela da população brasileira que parece ignorar os mortos
que se empilham, estimulada pelo próprio presidente Jair Bolsonaro. Mas é
preciso agir com sabedoria. Não apenas porque uma quarentena dessa envergadura
traria um custo econômico inevitável no curto prazo. Mas porque as condições
locais da pandemia não são idênticas num país de dimensões continentais como o
Brasil — e um lockdown nacional só faria sentido se fossem.
Com
exceções pontuais, nenhuma cidade brasileira chegou a implantar um bloqueio
para valer. Nossas quarentenas sempre foram brandas, fato verificável nos
indicadores que medem a circulação. Se houvesse uma medida de caráter nacional,
seriam inevitáveis protestos dos setores afetados (a revolta dos caminhoneiros
em São Paulo parece apenas um aperitivo). É, por fim, difícil acreditar que uma
medida dessas seria exequível sem envolvimento do governo federal, do Exército
e das forças de segurança, boa parte delas aliadas ao negacionismo
irresponsável de Bolsonaro.
O
que deveria existir são diretrizes nacionais coordenadas pelo governo federal,
com indicadores (como leitos de UTI, casos e mortes) acompanhados de modo
rigoroso e disciplinado. Nessas diretrizes, não se devem descartar medidas
extremas como o lockdown. Mas o mais sensato é adotá-las em caráter local. Os
próprios secretários estaduais de Saúde, na carta aberta exigindo mais
restrições, recomendam lockdowns só nas regiões em que a situação estiver
crítica.
O
importante é que medidas duras sejam tomadas antes do colapso dos sistemas de
saúde, de modo a evitá-lo. O efeito de um bloqueio total quando a contaminação
já está correndo solta, como agora, é menor. Por tudo isso, nunca se deve
descartar o lockdown, nem negar sua eficácia. Mas adotá-lo no país todo, além
de inexequível, não seria razoável.
Mudar a lei para armar Guarda Municipal seria uma insensatez – Opinião / O Globo
A Câmara de Vereadores do Rio tem suas assombrações. De tempos em tempos, elas retornam à Casa. Uma delas é a proposta para armar a Guarda Municipal. A ideia, já rechaçada em 2017 durante o governo Crivella, mais uma vez volta à cena, embrulhada no pacote de medidas apresentado pelo prefeito Eduardo Paes num almoço com vereadores no Palácio da Cidade, no último dia 26.
Na
defesa do projeto, Paes citou estudo técnico da Fundação Getulio Vargas que
aponta queda nas taxas de homicídio nas cidades que armaram suas Guardas. O
secretário de Ordem Pública, Brenno Carnevale, diz que a medida seria essencial
para coibir a atuação de milícias.
O
projeto, de autoria do vereador e ex-guarda municipal Jones Moura (PSD), é um
velho conhecido na Câmara. Em junho de 2017, a Casa rejeitou por ampla margem
(26 votos a 7) emenda que permitiria armar a Guarda. Em 2019 e 2020, a proposta
voltou à pauta, mas as discussões não prosperaram. A lei federal 13.022
autoriza que guardas municipais andem armados. O STF também deu aval ao porte
nesses casos. Mas, no Rio, a Lei Orgânica proíbe uso de armas letais pela
Guarda.
O
autor do projeto argumenta que noutros municípios, como São Paulo, o uso de
armas de fogo pela Guarda não contribuiu para o aumento no número de
homicídios. Alega ainda que não há conflito com a PM, já que os guardas atuam
mais em praças, parques ou jardins e raramente se envolvem em confrontos.
O
projeto mais uma vez deve encontrar resistência na Câmara. Como mostrou
reportagem do GLOBO, a proposta não conta com pareceres favoráveis nem da
bancada que apoia o governo. Como se trata de emenda à Lei Orgânica, precisa
ser aprovada por 34 vereadores, que representam dois terços da Casa.
A
violência endêmica na cidade costuma ser um forte argumento para que se arme a
Guarda. Tanto quanto para que não se arme. É verdade que, em certos municípios,
guardas armados podem contribuir para o aumento da segurança. Mas é preciso
considerar as peculiaridades do Rio. Nenhuma outra cidade do país registra
tantos tiroteios e tem tantas vítimas de balas perdidas, em geral crianças e
adolescentes. Acrescentar pólvora a esse cenário seria uma insensatez.
O
que se pretende com isso? Aumentar a saraivada de tiros a esmo que não poupam
inocentes? Estender dos morros para parques e praças o bangue-bangue que, dia
sim outro também, aterroriza o Rio?
Os
vereadores que analisarão o projeto devem refletir se o Rio realmente precisa
de mais armas, por mais bem-intencionada que seja a proposta. A cidade
necessita, isso sim, de leitos de UTI, de saneamento, de aulas presenciais, de
um transporte que não provoque aglomerações. E, sobretudo, de vacinas, para
interromper a escalada de mortes por Covid-19 na capital com a maior taxa
de mortalidade do país. Que tal mudar o foco da discussão?
Tibieza parlamentar – Opinião / Folha de S. Paulo
Congresso
precisa se pôr à altura da gravidade da crise piorada por Bolsonaro
Às
derrocadas sanitária e econômica no Brasil, cortesia do virulento coquetel que
mistura o Sars-CoV-2, Jair Bolsonaro e um cenário externo inquietante, soma-se
a tibieza de atores institucionais vitais para o enfrentamento do ensaio de
hecatombe vigente.
Sobressai,
em particular, a atuação pífia do Congresso, cujo conjunto parece mais
interessado em aproveitar-se de modo subalterno de cargos, verbas e
oportunidades de legislar em interesse próprio.
Desde
que o centrão ganhou o controle da Câmara, com seu prócer Arthur Lira (PP-AL) à
frente, a energia da Casa tem sido despendida de forma notável em iniciativas
distantes da carnificina de quase 2.000 mortos diários e próxima das
conveniências dos deputados.
Com
isso se viram a PEC da impunidade, o avanço da discussão acerca da revisão da
Lei de Improbidade Administrativa e uma nova tentativa de embaralhar o jogo já
confuso da lei eleitoral —para pior, com ideias como o distritão e o fim de
barreiras recentes contra a proliferação de partidos.
Lira
até percebeu o vexame e tentou remediar a situação. Chamou governadores, em
colegiado no qual residem os últimos focos de resistência ao desgoverno de
Bolsonaro com alguma capacidade reativa, para discutir a pandemia.
Foram
prometidas emendas parlamentares para a saúde e acompanhamento da questão dos
insumos de vacinação. Pouco, e tarde.
O momento
demanda, no mínimo, um plano robusto de fiscalização das políticas do
Ministério da Saúde, com supervisão da execução orçamentária e oitivas de suas
erráticas autoridades.
Do
outro lado do Congresso, no Senado, o cenário não é muito melhor. Ao menos foi
votada a PEC emergencial que autoriza o gasto com o auxílio aos mais afetados
pela pandemia, mas a disposição geral dos parlamentares é bovina.
O
novo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), autor de um meritório projeto que
descentraliza a compra de vacinas, concedeu entrevistas nas quais
pregou uma política de apaziguamento em relação a Bolsonaro.
Um
dos caminhos sugeridos é a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) destinada a apurar a conduta do governo na pandemia, que, de fato, vai
além da mera inépcia. Entretanto o Congresso dispõe de meios mais objetivos e
menos espalhafatosos de escrutinar políticas públicas, desde que o Executivo
não sonegue esclarecimentos à sociedade.
A
hora exige altivez e senso de responsabilidade, não menos porque são eleitores
desses parlamentares que estão morrendo enquanto o presidente da República
questiona o “mimimi” de quem se aflige com a tragédia em curso.
Viés de alta – Opinião / Folha de S. Paulo
Políticas
desastradas desvalorizam o real e tornam provável elevação dos juros
Ao
que tudo indica, o Banco Central será obrigado a subir em breve sua taxa de
juros, hoje na mínima histórica de 2% ao ano. Trata-se de resultado da
imprevidência do governo de Jair Bolsonaro, que se mostra incapaz de lidar com
os desafios da economia e da saúde.
Nos
últimos meses, o país foi atingido por dois choques simultâneos que
comprometeram as perspectivas de retomada econômica e trouxeram enorme
insegurança. O primeiro é o agravamento da pandemia, consequência da conduta
negacionista do Planalto.
A
recaída recessiva que decorre do fechamento de muitas atividades tornou
inevitável o retorno do auxílio emergencial. Como não houve planejamento
adequado, com cortes em outas áreas para pagar o benefício necessário,
aumentaram as incertezas sobre a trajetória das contas públicas.
O
risco de descontrole, como sempre, leva à alta do dólar e dos juros de longo
prazo, ambos fatores negativos para a confiança de famílias e empresas. Também
ficam magnificados os problemas de repasse interno dos maiores custos de
produtos importados ou referenciados no mercado internacional, caso de
alimentos, matérias-primas industriais e combustíveis.
Por
ora não houve um salto no abismo da irresponsabilidade orçamentária, com a
manutenção pelo Senado das necessárias contrapartidas ao pagamento do auxílio
emergencial. Cumpre lembrar que o próprio governo alimentou pretensões
populistas ao tentar abrir mais espaço para gastos.
É
nesse contexto que o país passa pelo segundo choque, desta vez externo, que é o
aumento dos preços em dólar das matérias-primas conforme o resto do mundo
retome o crescimento neste ano.
A
elevação das cotações das commodities de fato foi notável desde o início de
2021, acumulando cerca de 20% em apenas dois meses. Com o real desvalorizado,
tudo se transforma em inflação —ainda quando há intervenções desastradas como
se viu na Petrobras.
É
um círculo vicioso que resulta num quadro difícil para o Banco Central. Mesmo
com a economia deprimida, não há mais folga na trajetória da inflação, que
ameaça novamente superar as metas (3,75% neste ano e 3,5% em 2022).
É
trágico que o país se veja na iminência de encarecer o custo do dinheiro em
momento tão adverso. Há que fazer todo o possível, enquanto é tempo, para
minimizar a intensidade desse movimento.
É hora de reindustrializar – Opinião / O Estado de S. Paulo
A
maior parte da indústria de transformação perdeu peso nas exportações,
sustentadas há anos pela agropecuária e pela mineração
Boas notícias para começar: a produção industrial cresceu 0,4% em janeiro, aumentou 42,3% em nove meses consecutivos de alta e superou com folga a perda de 27,1% acumulada no primeiro grande impacto econômico da pandemia. O volume produzido em janeiro foi 2% superior ao de um ano antes. Os números foram positivos em duas das quatro grandes categorias de produtos, com avanço mensal de 4,5% na fabricação de bens de capital (principalmente máquinas e equipamentos) e de bens de consumo semiduráveis e não duráveis, onde se enquadram alimentos, perfumaria, calçados e produtos de limpeza. A indústria automobilística, uma das mais afetadas pela crise, também continuou em recuperação. O número de veículos, carrocerias e reboques produzidos foi 4,8% maior que o de janeiro de 2020.
A
reação, no entanto, continuou perdendo impulso. É preciso dar atenção a isso,
mas é necessário buscar algo mais que retomada. É urgente pensar em algo mais
ambicioso, um roteiro de reindustrialização.
A
reação inicial, depois do tombo de 27,1%, foi vigorosa, com avanços de 8,7% em
maio e 9,6% em junho. Depois, foi ficando mais lenta, mês a mês. A evolução do
consumo, por enquanto conhecida até dezembro, também foi menos vigorosa nos
meses finais de 2020. Isso é atribuível, em parte, à redução do auxílio emergencial
a partir de setembro. Além disso, as condições de emprego permaneceram ruins.
A
atividade industrial, embora em recuperação, refletiu a insegurança e a maior
cautela dos consumidores nessa fase. As dificuldades de milhões de famílias são
evidenciadas pelos saques da poupança em janeiro e em fevereiro. O dinheiro
armazenado, com muita prudência, durante boa parte de 2020, é agora necessário
para despesas inadiáveis. Não há como negar a urgência de uma retomada, embora
parcial, do auxílio financeiro às famílias necessitadas.
Não
se trata apenas de solidariedade. Sem reforço do consumo, toda a recuperação
econômica poderá ser prejudicada. Isso inclui, naturalmente, a criação de
empregos. O Brasil fechou 2020 com desocupação de 13,4 milhões de pessoas (13,5%
da população ativa) e 31,2 milhões de pessoas subutilizadas (desempregadas,
subocupadas por insuficiência de horas ou apenas integradas na força de
trabalho potencial).
É
preciso levar em conta esses dados para avaliar as condições da recuperação
industrial. Além de ter perdido impulso no segundo semestre de 2020, a retomada
tem sido desigual. Em janeiro, houve resultados negativos em 14 ramos de
atividade industrial, pouco mais de metade dos 26 cobertos pela pesquisa do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Um
ramo ficou estável e os demais cresceram. Nada igual a isso foi observado nos
oito meses anteriores de recuperação do setor industrial.
No
confronto com janeiro de 2020 o quadro ficou um pouco melhor. Além do aumento
geral de 2%, houve maior número de ramos com resultados positivos: 18 dos 26.
Além disso, a produção de 57,9% dos 805 produtos pesquisados foi maior que a de
um ano antes, embora janeiro deste ano tenha tido 20 dias úteis, dois a menos
que os da base de comparação.
A
reação da indústria depois do tombo de março-abril deve ser só o começo de um
longo retorno a um período de maior dinamismo. Com o resultado de janeiro, a
produção industrial ainda foi 12,9% menor que a de maio de 2011, pico da atual
série histórica mantida pelo IBGE. Com algumas oscilações, a tendência geral da
indústria foi de declínio, ao longo desse período. Além da produção em queda,
houve perda de participação no conjunto da economia brasileira e declínio de
competitividade, exceto em poucos segmentos. A maior parte da indústria de
transformação perdeu peso na composição das exportações, sustentadas há anos
pela agropecuária e pela mineração.
Se
ainda se encontrar, em Brasília, algum espaço para a definição de estratégias
de crescimento e para algo parecido com planejamento, uma das prioridades
deverá ser um programa de reindustrialização. Mas nada, no currículo do atual
governo, autoriza essa expectativa.
A emancipação das estatais – Opinião / O Estado de S. Paulo
Documento
da OCDE alerta para os riscos do uso político das empresas estatais
O que as intervenções desastrosas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na Petrobrás e as delinquências do Petrolão protagonizadas pelo PT e outros partidos têm em comum? Ambas expõem a relação promíscua entre políticos, o Estado e as estatais. Nesse contexto, não poderia ser mais oportuno o estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre a Governança Corporativa das Estatais no Brasil.
O
relatório oferece um detalhado diagnóstico sobre os mecanismos de governança e
os processos de privatização no País. No lançamento do documento os
pesquisadores, sem citar nomes, alertaram especialmente para os riscos do uso
político das estatais e a necessidade de garantir a autonomia de seus conselheiros
e gestores.
Não
custa lembrar que, desde 2016, está em vigência a Lei das Estatais, que reduziu
consideravelmente a discricionariedade do mundo político. Mas, seja por
eventuais reformas na lei, seja por dispositivos infralegais, é possível e necessário
aprimorar os mecanismos para que as estatais cumpram sua missão com integridade
e eficiência.
“O
papel das entidades públicas em relação às estatais e os objetivos de
desempenho para o setor em geral não são atualmente claros no Brasil”, adverte
o estudo da OCDE. Isso oblitera aprimoramentos na gestão ou a priorização de
quais empresas deveriam ser privatizadas. Um passo importante seria reduzir a
dispersão do poder de decisão.
A
supervisão das 46 estatais com controle direto da União se encontra hoje
pulverizada entre 12 Ministérios. Para garantir a unidade executiva e, ao mesmo
tempo, a atenção à multiplicidade de interesses públicos, poder-se-ia
concentrar as responsabilidades pelas estatais em uma unidade especializada no
Ministério da Economia e, ao mesmo tempo, aumentar o número de ministros
membros da Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de
Administração de Participações Societárias da União. A Comissão ficaria
responsável por estabelecer os objetivos das empresas e nomear os membros dos
conselhos fiscais.
A
ausência de um mecanismo público para estabelecer os objetivos das estatais é
uma fonte persistente de oportunidades para intervenções políticas. As estatais
não deveriam ter margem para perseguir políticas públicas que não sejam
claramente especificadas pelo Estado. Metas claras e transparentes fortalecem a
responsabilidade de todas as partes envolvidas.
Para
garantir que essa responsabilidade seja atendida, é fundamental a elaboração e
divulgação de um relatório agregado, com os resultados financeiros e não
financeiros das estatais. Segundo a OCDE, isso comporta três benefícios:
permite ao público avaliar o desempenho das estatais; subsidia gestores
públicos e lideranças políticas na tomada de medidas corretivas em relação às
estatais de baixa performance; e oferece às autoridades a oportunidade de
monitorar regularmente o desempenho de cada estatal.
O
poder público, alertou o economista sênior da OCDE, Hans Christiansen, não deve
usar estatais para obter vantagens indevidas para outros investidores – muito
menos para grupos corporativos, como os caminhoneiros. A chave para blindar as
estatais de interferências, enfatizou Christiansen, é o fortalecimento dos
conselhos de administração.
Os
conselhos poderiam utilizar firmas especializadas de headhunting para formar um
pool de candidatos, com base num processo transparente e competitivo. Mesmo que
as escolhas continuassem sob responsabilidade das lideranças políticas, elas
ficariam restritas a essa lista prévia.
Numa
justificativa mal-ajambrada de sua grotesca intromissão da Petrobrás, Bolsonaro
disse que as estatais precisam ter “visão social”. Mas empresas estatais são
empresas, e não há melhor maneira de cumprir sua função social do que com uma
gestão eficiente, que gere empregos e bons produtos para o consumidor. Para
tanto, elas precisam de quadros qualificados em condições de atuar tecnicamente
de acordo com as condições de mercado, independentemente dos interesses
eleitorais e corporativistas dos governantes de turno.
O Google no Cade – Opinião / O Estado de S. Paulo
Mídia
profissional requer remuneração pelo conteúdo veiculado nas plataformas
digitais
A Associação Nacional de Jornais (ANJ) solicitou ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) uma ampliação da investigação contra o Google, instaurada em 2019, visando à remuneração dos veículos de mídia. A iniciativa vem na esteira da repercussão mundial de uma lei aprovada na Austrália que obriga as empresas digitais a negociar com veículos de mídia o licenciamento de notícias em suas plataformas.
As
Big Techs alegam que ajudam os veículos mediando o tráfego com o público, e que
pagar pelos links das notícias violaria o princípio do livre compartilhamento
que está na base do funcionamento da internet. O ponto polêmico é que as
plataformas veiculam não apenas as manchetes e os links, mas também trechos das
notícias.
“O
jornalista faz o trabalho de investigação, edição, monta o conteúdo e publica
no jornal. O que o Google faz: escaneia tudo e já entrega uma parte dessa
notícia na própria plataforma”, disse ao jornal Gazeta do Povo o advogado da
ANJ, Márcio Bueno. “Então os usuários muitas vezes nem clicam na notícia, não
visitam o site do jornal, e, com isso, o veículo não consegue monetizar.”
Na
Austrália, Google e Facebook ameaçaram inicialmente bloquear a veiculação de
notícias. Na prática, o Google seguiu sua política de negociar acordos com as
mídias. O Facebook chegou a cumprir a sua ameaça, mas logo negociou um acordo
com o governo, que estabeleceu um mecanismo pelo qual as plataformas podem
evitar os dispositivos mais leoninos da lei – como o de pagar pelos links – se,
por meio de processos de arbitragem, elas acordarem remunerações que importem
“uma contribuição significativa à indústria de notícias”.
Ambos
os lados clamam vitória. E o fato de que ambos cederam indica que ambos estavam
em parte certos e em parte errados. Se as plataformas forem obrigadas a
remunerar meramente pelos links para as notícias, por que não seriam também
obrigadas a pagar pelos bilhões de outros links para todo o tipo de conteúdo?
Por outro lado, se elas disponibilizam parte desse conteúdo para seus usuários,
é justo que aqueles que o produziram recebam parte da receita de publicidade
vinculada a essa exposição.
No
Brasil, incluiu-se no Projeto da Lei de Liberdade, Responsabilidade e
Transparência Digital na Internet, em trâmite no Congresso, um artigo prevendo
a remuneração pelos conteúdos utilizados pelos provedores, com a exceção
explícita dos links compartilhados pelos usuários.
Governos
do mundo inteiro estão se mobilizando para promulgar seus próprios códigos,
notadamente Canadá, Reino Unido e União Europeia. Para aplacar as pressões,
tanto o Google como o Facebook têm negociado acordos bilionários em todo o
mundo. Mas, como advertiu Bueno, “enxergamos essas parcerias com preocupação e
ceticismo, porque em uma negociação com uma empresa do tamanho do Google há
margem para termos e condições abusivas”.
A
assimetria entre as megamultinacionais de tecnologia e os veículos de mídia –
tanto mais os locais – aponta a necessidade de uma cooperação multilateral
entre governos e reguladores para estabelecer estruturas globais, nos termos,
por exemplo, da regulação bancária ou da proposta de tributação digital da
OCDE. Enquanto isso não acontece, é importante que legisladores e órgãos
reguladores, como o Cade, atuem para equilibrar a balança e garantir a livre
concorrência em suas jurisdições.
Que as empresas jornalísticas têm direito a receber parte das receitas geradas pelos conteúdos produzidos por elas e utilizados pelas plataformas digitais é mera questão de justiça. De resto, há uma questão de interesse público. O jornalismo profissional é o melhor antídoto contra as epidemias de desinformação que infectam as redes digitais, ameaçando a ordem democrática. Essa desinformação não só é veiculada pelas plataformas de busca e redes sociais, mas turbinada (em tese, involuntariamente) pelos seus algoritmos. Ajudar a financiar o jornalismo profissional é do interesse desses provedores, se quiserem evitar intervenções regulatórias muito mais agressivas.
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