Folha de S. Paulo
Entre nós, brasileiros, falta estabilidade
ao 'ismo' característico das ideologias
Nunca foi tão oportuna uma tirada reflexiva
de Mário Quintana: "O que me impressiona, à vista de um macaco, não é que
ele tenha sido nosso passado: é este pressentimento de que ele venha a ser o
nosso futuro". A frase vem ao encontro de conjeturas sobre a possibilidade
de um bolsonarismo sem
Bolsonaro, insinuada pelo próprio Lula.
A sobrevivência
pós-eleitoral do trumpismo suscita naturalmente questões
comparativas dessa natureza.
O poeta dá uma estocada irônica no criacionismo com sua negação histriônica da teoria darwiniana da evolução das espécies em favor da descendência humana direta de Adão e Eva. Mas é também pretexto para a hipótese de que opções eleitorais pregressas sejam menos relevantes do que os riscos de sua repetição como fenômeno social. Afinal, pode-se votar com cérebro de macaco e depois, alertado por um neurônio humano, corrigir-se.
A consciência civil tem dificuldade em
aceitar o fato de que o adepto de um indivíduo avesso à normalidade vigente
possa fechar os olhos à aberração extremista e agarrar-se ao que lhe pareça
reconfortante. A explicação está no medo exacerbado do mundo. Sonha-se com um
perigo: o fato é imaginário, o medo é real. A ilusão de uma parceria é
tranquilizante. O iludido não precisa acreditar no que ouve, basta sentir que
está num galho seguro: um candidato extremista, uma igreja integrista.
Isso é certamente mais instável aqui do que
num cenário de fricção de classes tão aguda como os EUA de hoje. O trumpismo,
temida semente de uma secessão civil, tem firme base neofascista.
Entre nós falta estabilidade ao
"ismo" característico das ideologias. Um só partido político faz jus
ao nome, a maioria é geleia mista de grifes efêmeras, gerências de verbas.
Ideias, se existem, são tão secretas quanto se querem os orçamentos. Nas elites
de renda e propriedade, cinismo e hipocrisia saíram das sombras centenárias.
Extremismo é o deserto das esperanças
políticas. Mas no fundo é vontade de pertencer: a uma rede de convívio
religioso, a uma ruidosa "torcida" populista, a uma bolha, ainda que
silenciosa. É isso a direita radical: almas desemparadas, doentes de medo e
propensas a amar o subumano, desde que lhes dê algum conforto.
Assim, o dia seguinte de uma vitória da
democracia nas urnas presidenciais enfrentará o retrocesso mental e o pior
Congresso da história (descontado o pequeno avanço da diversidade), um primata
solto na buraqueira. Não é onda, é um mar morto povoado de fósseis, que
emergiu. Fóssil não tem vida, mas pega fogo. Bolsonarismo pode ser nome
transitório do pior. Se a fonte emocional do "ismo" se tornar
radioativa, os fiéis pularão para outra, como crente troca de igreja ou macaco
de galho.
*Sociólogo, professor emérito da UFRJ, autor, entre outras obras, de "A Sociedade Incivil" e "Pensar Nagô".
Um comentário:
O genocida nega a existência de FOME no nosso país, e agora aparece disposto a comer CARNE HUMANA... Há pouco, dizia pra população não comprar feijão, mas COMPRAR ARMAS... Estas são algumas VERDADES sobre Bolsonaro!
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