domingo, 10 de dezembro de 2023

Míriam Leitão - Saldo, seus efeitos e alertas no horizonte

O Globo

O superávit da balança comercial, puxado pelas commodities, surpreendeu e pode repetir o bom resultado em 2024. É preciso pensar a longo prazo nesta força da economia

Uma boa surpresa do ano — mas não a única — foi o aumento de mais de 50% no superávit da balança comercial. Foi US$ 62 bilhões em 2022, pode fechar perto de US$ 100 bilhões este ano. Há duas grandes questões. Será um fracasso se em 2024 o ano não for como este que passou? A outra dúvida é se será possível manter nos próximos anos essa tendência de o comércio exterior ser uma das forças do crescimento econômico. As perguntas têm boas respostas de dois bons economistas. O ex-secretário do Tesouro Mansueto Almeida, do BTG Pactual, diz que continuará alto, apesar da queda prevista no ano que vem. O ex-secretário de Comércio Exterior José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados, acredita que a permanência dos grandes saldos comerciais pode se estender por vários anos.

—Esse saldo comercial de mais de US$ 90 bilhões — temos US$ 96 bilhões de projeção, mas pode arredondar para a faixa dos US$ 100 bilhões—, achamos que isso vai prevalecer nos próximos cinco anos, apesar de no ano que vem ser um pouco mais baixo porque a safra agrícola será menor — diz Mendonça de Barros.

— O Brasil é exportador de commodities e quando os preços sobem é difícil o Brasil ir mal. Os preços caíram, mas houve uma supersafra de grãos que ajudou na exportação. No começo do ano se achava que a balança deveria chegar a US$ 75 bilhões, mas a gente está indo para fechar o ano com saldo entre US$ 95 bilhões e US$ 100 bilhões, mais de 50% de alta. No ano de 2024, vai cair para US$ 80 bilhões, que será o segundo maior da história do Brasil — calcula Mansueto.

O resultado bom do comércio é, claro, devido às commodities, mas pode estar havendo uma evolução nisso também. José Roberto afirma que a alta do saldo não é um evento casual. Teve uma casualidade que foi a supersafra. Mas as empresas têm investido mais em tecnologia e embutido maior valor agregado, dando mais competitividade aos produtos que o Brasil exporta, tanto na área agrícola quanto na área mineral. A energia mais limpa que em outros países pode descarbonizar produtos de exportação, aumentando a atratividade do produto brasileiro.

Há problemas no meio do caminho. Alguns imediatos. O El Niño vai encolher a safra. José Roberto diz que a intensidade desse evento climático afetará sem dúvida o agronegócio, reduzindo a produção em algumas áreas do país. Mas também aqui, alertam os dois economistas, mesmo com essa queda, será a segunda maior safra da história. A primeira foi este ano com 317 milhões de toneladas. Mendonça de Barros conta onde ela vai encolher no ano que vem.

—O El Niño poderoso fará o país perder um pouco em muitos lugares. A perda absoluta já está acontecendo no Sul, que é característica do El Niño, chuva demais nesta região. No Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, o retorno da chuva agora na época do plantio provocará uma perda enorme no trigo, em qualidade e volume. Mas há prejuízos espalhados pela seca no Norte e Nordeste e pela perda, em outros lugares, da janela de plantio de determinadas safras, como algodão ou milho — calcula Mendonça de Barros, com base nos dados do MBAgro.

O efeito positivo para o Brasil, da abundância da safra e do saldo, foi recolhido no ano, lembra Mansueto, em queda da inflação e do câmbio.

—Isso é muito positivo porque até outubro o país não teve entrada de dinheiro de fora para aplicação no mercado financeiro, por causa dos juros altos no exterior. Não teve muito fluxo para o mercado brasileiro, mas o saldo foi tão grande que sustentou o câmbio. O dólar está num nível mais baixo do que estava no começo do ano.

Mesmo se não for apenas um ano, é preciso pensar com visão mais longa para essa força da economia brasileira. O Brasil, e isso os bons economistas concordam, precisa de uma estratégia. Para continuar nesse mundo exportando commodities, elas têm que ser mais sofisticadas, ter maior valor agregado, e sua produção não poderá ser predatória. A mineração não pode provocar as tragédias sociais e ambientais que já provocou no país, a era do petróleo entrará em outra lógica agora, que inclui a forma de produção e o ritmo de extração. O agronegócio, além de modernizar sua produção, o que tem feito, tem que atualizar seus valores. A palavra “sustentável” tinha um significado diferente na economia e na ecologia. Mas agora tudo se unificou. Só será sustentado o desempenho econômico que for sustentável.

 

2 comentários:

Daniel disse...

Excelente!

ADEMAR AMANCIO disse...

É verdade.