O Estado de S. Paulo
Engajamento entre os governos americano e
brasileiro passou por teste de estresse
A suspensão das chamadas “tarifas recíprocas” por Donald Trump favorece o Brasil ao retirar os primeiros 10% do total de 50% de alíquota sobre os produtos brasileiros, e ao revelar a sensibilidade do presidente americano aos preços altos.
Na minha última coluna, escrevi que Trump
precisaria mudar de estratégia. Isso tinha ficado claro nas derrotas dos
republicanos nas eleições do dia 3, causadas pelo alto custo de vida. O decreto
de sexta-feira retirou as tarifas apenas sobre produtos que os EUA não produzem
o bastante, como café, frutas, suco de laranja e carne.
A medida pode reduzir a competitividade das exportações brasileiras, sujeitas a 40% de tarifas, enquanto os concorrentes ficam isentos. A Casa Branca anunciou na quinta-feira acordos comerciais com Argentina, Equador, El Salvador e Guatemala, que concorrem com o Brasil nesses produtos.
A decisão já estava tomada na quarta-feira,
segundo minha apuração, e não tem ligação com a reunião entre o chanceler Mauro
Vieira e o secretário Marco Rubio, no dia seguinte. Segundo fontes, o encontro
foi “frio e superficial”.
Rubio manifestou frustração com o imposto de
15% e as regulações sobre as big techs, assim como o projeto de lei do governo
que cria uma superintendência no Cade para fiscalizar as plataformas digitais,
evitar abusos dos algoritmos e monopólios.
O fato da reunião é positivo. Significa que o
engajamento entre os dois governos passou por testes de estresse: as críticas
do presidente Lula aos bombardeios a embarcações no Caribe e no Pacífico, às
ameaças de intervenção na Venezuela e ao negacionismo climático de Trump. Em
todos os casos, Lula não citou Trump nominalmente, dando opção para o americano
ignorar as críticas. Foi o que ele fez. Isso demonstra o interesse de Trump de
seguir adiante no engajamento com o Brasil.
Ele reviu a estratégia ao constatar que a
condenação de Jair Bolsonaro era irreversível. Trump não gosta de se aliar a
“perdedores”. Daí a nova narrativa de que Lula também foi “perseguido pela
Justiça”, e deu a volta por cima, como Trump.
Restam os contenciosos comerciais, que são reais. Apesar do déficit com os EUA, o Brasil adota práticas injustas de comércio, como tarifas, ações antidumping e barreiras burocráticas. No campo político, um novo teste parece estar a caminho, com os possíveis ataques cirúrgicos na Venezuela e a concentração de militares na região. O anúncio da Operação Lança do Sul indica que não é um problema passageiro. O cenário exige cautela.

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