domingo, 16 de novembro de 2025

O sonho acabou: chilenos vão às urnas neste domingo sob o signo do medo, Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O governo Boric chega enfraquecido ao fim do mandato. Sua agenda de reformas — tributária, previdenciária e trabalhista — esbarrou no Congresso conservador

Como aconteceu com as últimas eleições na Bolívia, no Equador e na Argentina, o Chile vota neste domingo polarizado entre a esquerda e a ultradireita. Jeannette Jara (Partido Comunista do Chile), apoiada pelo presidente Gabriel Boric, e José Antonio Kast (Partido Republicano, pinochetista), lideram a disputa.

Durante décadas, o país alternou presidências de esquerda e de direita moderadas, tornando-se um “case” de crescimento alto, estabilidade macroeconômica, redução da pobreza e instituições sólidas. Governos de centro-esquerda e centro-direita partilharam o mesmo “sonho chileno”: transformar o país em desenvolvido até 2020. Esse ciclo ruiu com o tsunami social de 2019, que expôs os limites do modelo: desigualdade social, serviços públicos precários, sistema de pensões privatizado e endividamento das famílias.

A resposta institucional foi ousada: um acordo para redigir uma nova Constituição, aprovado por 78% dos eleitores em 2020. Mas o processo terminou em frustração. Em 2022, o texto progressista da Convenção Constitucional foi rejeitado por 62%. Em 2023, caiu também o projeto conservador elaborado por um conselho dominado pela direita. O país permaneceu, assim, com a Constituição herdada da ditadura de Pinochet, reformada, porém incapaz de simbolizar um novo pacto social.

O eleitorado chileno está cansado de promessas de “refundação”, desconfiado das elites e preso ao que especialistas classificam como “crise de países de renda média”: expectativas muito altas, crescimento fraco e um sistema político fragmentado, incapaz de produzir reformas estruturais. Nada muito diferente do que ocorre no Brasil. Nesse vazio, um tema ocupou o centro da campanha: segurança pública.

A preocupação com criminalidade, assaltos, roubos e crime organizado cresceu, sobretudo entre os mais pobres. A presença de gangues estrangeiras – com destaque para redes vinculadas à migração venezuelana – e casos de sequestro e homicídios violentos alimentaram a sensação de que “o país não é mais o mesmo”.

É esse Chile amedrontado que escuta José Antonio Kast, cuja campanha promete um “governo de emergência”, militarização de fronteiras, barreiras físicas no Norte e deportações em massa. Kast inspira-se explicitamente em Trump, Bukele e Orbán, combinando discurso de lei e ordem com conservadorismo moral. Ele é o candidato mais competitivo em cenários de segundo turno. Por quê?

É que o governo Boric chega enfraquecido ao fim do mandato. Sua agenda de reformas – tributária, previdenciária e trabalhista – esbarrou no Congresso conservador e fortalecido após o fracasso constitucional. A deterioração da segurança e a percepção de avanço do crime organizado reduziram sua popularidade para cerca de 30%. O pleito deste domingo funciona como um referendo informal sobre Boric.

Duas agendas

Kast explora isso de forma incessante: “Jara é Boric e Boric é Jara”. Além disso, parte da antiga centro-esquerda da Concertación nunca aceitou a hegemonia do novo eixo Frente Amplio-Partido Comunista, consolidado por Boric. A candidatura de uma militante comunista aprofundou essa divisão e expôs fissuras entre moderados e a nova esquerda.

Pomo da discórdia, Jeanette Jara, 51 anos, advogada, ex-ministra do Trabalho e de origem popular, é a primeira postulante comunista competitiva desde a redemocratização. Responsável pelo aumento histórico do salário-mínimo para 500 mil pesos, pela reforma das pensões e pela jornada de 40 horas, construiu um discurso voltado aos trabalhadores de baixa e média renda.

Defende um “salário vital” de 750 mil pesos, controle de preços de medicamentos, creche universal, mais investimento em saúde e uma Empresa Nacional do Lítio. Ao mesmo tempo, adotou tom pragmático: compromisso com responsabilidade fiscal, distância de regimes autoritários de esquerda e prioridade para a segurança com foco em investigação financeira e policiamento de proximidade.

José Antonio Kast, 59 anos, advogado, líder do Partido Republicano, disputa sua terceira eleição presidencial. Rejeita aborto em qualquer circunstância, casamento igualitário, avanços de gênero e defende políticas migratórias e penais extremamente rígidas. Não esconde sua admiração pelo ditador Augusto Pinochet.

Na economia, propõe cortes de gastos, redução de impostos e ampliação de parcerias público-privadas. Seu núcleo eleitoral é composto por homens, jovens de baixa renda, moradores de áreas periféricas e segmentos evangélicos, todos impactados pela sensação de desordem e perda de controle estatal.

As últimas pesquisas (AtlasIntel) mostram Jara à frente no primeiro turno, com 32,7%, seguida por Kast (20,1%), Evelyn Matthei (13,8%), Johannes Kaiser (13,4%) e Franco Parisi (13,2%). A projeção aponta um segundo turno entre Jara e Kast, no qual a candidata da esquerda perde em todos os cenários testados. No duelo direto, Kast venceria por 47% a 39%. A conferir.

 

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