domingo, 16 de novembro de 2025

A derrota de Derrite, por Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

É uma pena que não haja oposição com quadros qualificados o suficiente para melhorar PL Antifacção

A política de segurança de Bolsonaro foi liberar armas para que cada um enfrente o crime por conta própria

Os fracassos de Guilherme Derrite (PP-SP) na semana passada provaram que o bolsonarismo sabe muito menos sobre segurança pública do que gosta de pensar que sabe. Foi feio de ver, mas foi educativo.

Quando Derrite tornou-se relator do projeto de lei Antifacções proposto pelo governo Lula, a direita lhe deu duas tarefas. A primeira era equiparar as quadrilhas de traficantes de drogas a terroristas, abrindo caminho para uma intervenção de Trump no Brasil. A segunda era manter o combate ao crime sob controle dos governadores.

Deu errado, e não tinha como dar certo.

Se o PCC ou o Comando Vermelho fossem organizações terroristas, combatê-los seria competência exclusiva do governo federal. Quem combate a Al Qaeda nos Estados Unidos? Não é o governo do Alabama. É o governo federal, que pode agir em todo o território americano, realizar acordos de cooperação internacional e mobilizar recursos muito mais amplos que os dos governos estaduais.

Mas se Lula assumisse o comando do combate ao crime organizado, os governadores bolsonaristas não poderiam usar o tema como bandeira na eleição do ano que vem.

Afinal, como mostrei nas últimas duas colunas, Cláudio Castro provou que é possível ganhar popularidade com operações de baixíssima eficiência —só 20 dos 100 criminosos que a polícia procurava no Complexo do Alemão foram presos, nenhum foi morto— desde que morra bastante gente.

O PL Antifacção é necessário justamente porque os governos estaduais não têm como combater organizações criminosas que atuam em vários estados e fazem parte de redes internacionais de tráfico de armas e drogas. Um esforço de articulação nacional é inevitável.

Uma das instituições-chave para investigar essas grandes organizações seria, portanto, a Polícia Federal. Mas Derrite tentou castrar a PF, exigindo que ela só realizasse investigações nos estados com autorização dos seus governadores. A maioria dos governadores brasileiros, é bom lembrar, é de alguma variedade de centrão.

É inconstitucional, é estúpido, mas é, sobretudo, suspeito: limitar a atuação da PF só ajudaria governadores que ganham suborno do crime organizado, ou que pretendem cobrá-lo quando puderem vender para o PCC ou para o CV blindagem contra a PF.

Após uma sucessão de fracassos e mudanças de posição diárias, Derrite voltou atrás.

Fez bem, mas suas desventuras mostraram que o bolsonarismo chegou na discussão real, prática, completamente despreparado. Não é surpresa: a política de segurança do governo Bolsonaro foi liberar o uso de armas e deixar que cada um comprasse a sua para enfrentar o crime por conta própria. Foi parte da tendência, que tanto mal fez ao país durante a pandemia, de Jair sempre escolher a política pública em que ele não precisava fazer nada.

Para a esquerda, o vexame da direita em um assunto que parecia dominar pode ter sido um alívio. Mas para o país é ruim que o número de pessoas capazes de discutir segurança pública seja ainda menor do que se pensava.

Como se viu na semana passada, cada vez que Derrite desistia de uma ideia estúpida, o projeto ficava mais parecido com a proposta original do governo federal. O projeto de Lula é bom, mas é uma pena que não haja uma oposição com quadros qualificados o suficiente para melhorá-lo.

 

 

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