Folha de S. Paulo
É uma pena que não haja oposição com quadros
qualificados o suficiente para melhorar PL Antifacção
A política de segurança de Bolsonaro foi
liberar armas para que cada um enfrente o crime por conta própria
Os fracassos de Guilherme
Derrite (PP-SP) na semana passada provaram que o bolsonarismo sabe
muito menos sobre segurança pública do que gosta de pensar que sabe. Foi feio
de ver, mas foi educativo.
Quando Derrite tornou-se relator do projeto
de lei Antifacções proposto pelo governo Lula, a direita
lhe deu duas tarefas. A primeira era equiparar as quadrilhas de traficantes de
drogas a terroristas, abrindo caminho para uma intervenção de Trump no Brasil.
A segunda era manter o combate ao crime sob controle dos governadores.
Deu errado, e não tinha como dar certo.
Se o PCC ou o Comando
Vermelho fossem organizações terroristas, combatê-los seria
competência exclusiva do governo federal. Quem combate a Al Qaeda nos Estados
Unidos? Não é o governo do Alabama. É o governo federal, que pode agir em
todo o território americano, realizar acordos de cooperação internacional e
mobilizar recursos muito mais amplos que os dos governos estaduais.
Mas se Lula assumisse o comando do combate ao
crime organizado, os governadores bolsonaristas não poderiam usar o tema como
bandeira na eleição do ano que vem.
Afinal, como mostrei nas últimas duas colunas,
Cláudio Castro provou que é possível ganhar
popularidade com operações de baixíssima eficiência —só 20 dos 100
criminosos que a polícia procurava no Complexo do Alemão foram presos, nenhum
foi morto— desde que morra bastante gente.
O PL Antifacção é necessário justamente
porque os governos estaduais não têm como combater organizações criminosas que
atuam em vários estados e fazem parte de redes internacionais de tráfico de
armas e drogas. Um esforço de articulação nacional é inevitável.
Uma das instituições-chave para investigar
essas grandes organizações seria, portanto, a Polícia
Federal. Mas Derrite tentou castrar a PF, exigindo que ela só realizasse
investigações nos estados com autorização dos seus governadores. A maioria dos
governadores brasileiros, é bom lembrar, é de alguma variedade de centrão.
É inconstitucional, é estúpido, mas é,
sobretudo, suspeito: limitar a atuação da PF só ajudaria governadores que
ganham suborno do crime organizado, ou que pretendem cobrá-lo quando puderem
vender para o PCC ou para o CV blindagem contra a PF.
Após uma sucessão de fracassos e mudanças de
posição diárias, Derrite
voltou atrás.
Fez bem, mas suas desventuras mostraram que o
bolsonarismo chegou na discussão real, prática, completamente despreparado. Não
é surpresa: a política de segurança do governo Bolsonaro foi liberar o uso de
armas e deixar que cada um comprasse a sua para enfrentar o crime por conta
própria. Foi parte da tendência, que tanto mal fez ao país durante a pandemia,
de Jair sempre escolher a política pública em que ele não precisava fazer nada.
Para a esquerda, o vexame da direita em um
assunto que parecia dominar pode ter sido um alívio. Mas para o país é ruim que
o número de pessoas capazes de discutir segurança pública seja ainda menor do
que se pensava.
Como se viu na semana passada, cada vez que
Derrite desistia de uma ideia estúpida, o projeto ficava mais parecido com a
proposta original do governo federal. O projeto de Lula é bom, mas é uma pena
que não haja uma oposição com quadros qualificados o suficiente para
melhorá-lo.

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