domingo, 16 de novembro de 2025

O povo de Hitler, por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Livro esmiúça os processos que levaram à nazificação da Alemanha

População foi ao mesmo tempo vítima e participante ativa do regime

Como indivíduos e grupos que defendem ideias que a maioria de seus concidadãos considera desprezíveis ou absurdas conseguem ascender ao poder numa democracia? E como, uma vez no poder, são capazes de instalar, com pouca ou nenhuma contestação, um regime de terror?

O caso mais extremo desse processo se deu na Alemanha com o nazismo. Embora racismo e antissemitismo já fizessem parte da paisagem teutônica, a maioria da população alemã dos anos 1930, que incluía a fina flor da "intelligentsia" europeia, não era favorável a espancar judeus nas ruas e menos ainda de exterminá-los junto com outros grupos tidos como indesejáveis. Ainda assim, Hitler, que nunca escondeu suas ideias mais chocantes, se tornou chanceler num sistema democrático e se converteu em ditador com amplo apoio popular.

Em "O Povo de Hitler", Vinícius Liebel (UFRJ) faz uma excelente radiografia dos vários mecanismos que possibilitaram essa transformação. Estamos falando de múltiplos processos, que incluem repressão violenta a dissidentes, intrusões ideológicas sobre a linguagem, a cultura e as universidades e a oferta de rápida ascensão social para os apoiadores do regime. Uma variável chave aí foi manter a sensação de normalidade. Para a esmagadora maioria dos alemães, a vida seguia quase como sempre.

Depois que a nazificação atingia um ponto crítico, o sistema funcionava sozinho. O cidadão que não fizesse a saudação nazista, por exemplo, já se marcava como suspeito. E, ao fazer a saudação, ele se aproximava psicologicamente do nazismo. Além, é claro, de normalizar o anormal.

Uma das boas sacadas de Liebel é avançar para além da classificação do nazismo como ideologia ou estrutura de poder e descrevê-lo como uma experiência na qual os cidadãos eram a um só tempo vítimas e participantes ativos do regime. Ninguém nunca disse que o mundo é um lugar simples.

O nazismo, felizmente, é passado. Mas ainda há muitos eleitores descontando irrefletidamente ideias extremistas dos políticos nos quais decidem votar.

 

 

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