sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Fim do ciclo, por Pablo Ortellado

O Globo

Está na hora de encerrar os inquéritos contra as mobilizações antidemocráticas e de conferir transparência ao processo

Com a condenação de Jair Bolsonaro e dos generais conspiradores transitada em julgado, encerramos o ciclo de resposta institucional ao golpismo dos anos de 2022 e 2023. De lá até agora, o Supremo Tribunal Federal (STF) assumiu poderes extraordinários que esperamos ter sido excepcionais e transitórios. Está na hora de encerrar os inquéritos contra as mobilizações antidemocráticas e de conferir transparência ao processo, para que a sociedade possa avaliar o que foi feito.

A instauração do Inquérito 4781 (o inquérito das fake news), de ofício pelo presidente do STF, e a designação do relator sem sorteio provocaram críticas de violação do sistema acusatório. A participação ativa do Judiciário na fase investigativa pode ter comprometido a imparcialidade, já que o tribunal desempenhou simultaneamente os papéis de vítima, investigador e juiz. Além disso, o inquérito tinha objeto, delimitação temporal e definição de investigados indeterminados. Isso concentrou poderes e ampliou excessivamente a discricionariedade da investigação.

Boa parte dos inquéritos tramitou sob segredo de Justiça, mesmo em decisões de impacto como prisões preventivas, quebras de sigilo e determinações de busca e apreensão. Embora o sigilo seja legalmente previsto, sua adoção ampla dificultou a fiscalização das investigações pela sociedade civil e pela imprensa, além de impedir a compreensão sistematizada dos crimes. Muitas das decisões mais relevantes foram tomadas de forma monocrática pelo ministro relator — e a ausência de transparência torna impossível saber em que medida houve controle posterior pelo colegiado.

Apesar da análise de provas individualizadas, houve certa uniformização das condutas e das penas aplicadas aos réus condenados pelos atos do 8 de Janeiro. O STF considerou a invasão dos prédios públicos resultado de uma ação “multitudinária”. Isso permitiu responsabilizar réus por crimes como associação criminosa, abolição do Estado de Direito e tentativa de golpe de Estado, mesmo quando não tivesse sido demonstrada sua participação em atos de violência ou destruição. A falta de individualização das condutas gerou críticas sobre as imputações e a proporcionalidade das condenações.

Por fim, foram determinados inúmeros bloqueios de perfis em redes sociais. Enquanto o entendimento anterior aos inquéritos era que apenas publicações ilícitas poderiam ser excluídas — a posteriori —, a supressão de contas inteiras parece caracterizar censura prévia. Em alguns casos, a ausência de fundamentação clara ou de contraditório prévio reforça a suspeita de censura.

Até hoje não sabemos quantas contas foram bloqueadas pelo STF e pelo Tribunal Superior Eleitoral do segundo semestre de 2022 para cá. Há episódios bastante conhecidos de influenciadores e parlamentares que vieram a público, mas não sabemos se os casos de supressão de contas são da ordem de dezenas, centenas ou milhares de perfis. Pedidos de acesso à informação feitos pela imprensa foram indeferidos ou não respondidos. Com a condenação das lideranças e o Ministério Público já tendo oferecido denúncia contra os demais acusados, está na hora de os tribunais conferirem mais transparência, publicando pelo menos a quantidade das contas excluídas.

Agora que as lideranças principais foram condenadas e os processos em curso já estão encaminhados, é hora de encerrar os inquéritos e restaurar o entendimento anterior sobre liberdade de expressão. O primeiro passo é simples e urgente: dar transparência ao número de contas suspensas por ordem judicial. Medidas excepcionais que concentram poder, se prolongadas indefinidamente, tendem a se institucionalizar. Está na hora de interrompê-las. O combate ao golpismo não pode comprometer os próprios fundamentos do Estado de Direito. O ciclo judicial que se encerra precisa dar lugar a um novo ciclo de restauração da normalidade democrática.

 

Nenhum comentário: