O Globo
Está na hora de encerrar os inquéritos contra
as mobilizações antidemocráticas e de conferir transparência ao processo
Com a condenação de Jair Bolsonaro e dos generais conspiradores transitada em julgado, encerramos o ciclo de resposta institucional ao golpismo dos anos de 2022 e 2023. De lá até agora, o Supremo Tribunal Federal (STF) assumiu poderes extraordinários que esperamos ter sido excepcionais e transitórios. Está na hora de encerrar os inquéritos contra as mobilizações antidemocráticas e de conferir transparência ao processo, para que a sociedade possa avaliar o que foi feito.
A instauração do Inquérito 4781 (o inquérito
das fake news), de ofício pelo presidente do STF, e a designação do relator sem
sorteio provocaram críticas de violação do sistema acusatório. A participação
ativa do Judiciário na fase investigativa pode ter comprometido a
imparcialidade, já que o tribunal desempenhou simultaneamente os papéis de
vítima, investigador e juiz. Além disso, o inquérito tinha objeto, delimitação
temporal e definição de investigados indeterminados. Isso concentrou poderes e
ampliou excessivamente a discricionariedade da investigação.
Boa parte dos inquéritos tramitou sob segredo
de Justiça, mesmo em decisões de impacto como prisões preventivas, quebras de
sigilo e determinações de busca e apreensão. Embora o sigilo seja legalmente previsto,
sua adoção ampla dificultou a fiscalização das investigações pela sociedade
civil e pela imprensa, além de impedir a compreensão sistematizada dos crimes.
Muitas das decisões mais relevantes foram tomadas de forma monocrática pelo
ministro relator — e a ausência de transparência torna impossível saber em que
medida houve controle posterior pelo colegiado.
Apesar da análise de provas individualizadas,
houve certa uniformização das condutas e das penas aplicadas aos réus
condenados pelos atos do 8 de Janeiro. O STF considerou a invasão dos prédios
públicos resultado de uma ação “multitudinária”. Isso permitiu responsabilizar
réus por crimes como associação criminosa, abolição do Estado de Direito e
tentativa de golpe de Estado, mesmo quando não tivesse sido demonstrada sua
participação em atos de violência ou destruição. A falta de individualização
das condutas gerou críticas sobre as imputações e a proporcionalidade das
condenações.
Por fim, foram determinados inúmeros
bloqueios de perfis em redes sociais. Enquanto o entendimento anterior aos
inquéritos era que apenas publicações ilícitas poderiam ser excluídas — a
posteriori —, a supressão de contas inteiras parece caracterizar censura prévia.
Em alguns casos, a ausência de fundamentação clara ou de contraditório prévio
reforça a suspeita de censura.
Até hoje não sabemos quantas contas foram
bloqueadas pelo STF e pelo Tribunal Superior Eleitoral do segundo semestre de
2022 para cá. Há episódios bastante conhecidos de influenciadores e
parlamentares que vieram a público, mas não sabemos se os casos de supressão de
contas são da ordem de dezenas, centenas ou milhares de perfis. Pedidos de
acesso à informação feitos pela imprensa foram indeferidos ou não respondidos.
Com a condenação das lideranças e o Ministério Público já tendo oferecido
denúncia contra os demais acusados, está na hora de os tribunais conferirem
mais transparência, publicando pelo menos a quantidade das contas excluídas.
Agora que as lideranças principais foram
condenadas e os processos em curso já estão encaminhados, é hora de encerrar os
inquéritos e restaurar o entendimento anterior sobre liberdade de expressão. O
primeiro passo é simples e urgente: dar transparência ao número de contas
suspensas por ordem judicial. Medidas excepcionais que concentram poder, se
prolongadas indefinidamente, tendem a se institucionalizar. Está na hora de
interrompê-las. O combate ao golpismo não pode comprometer os próprios
fundamentos do Estado de Direito. O ciclo judicial que se encerra precisa dar
lugar a um novo ciclo de restauração da normalidade democrática.

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