Valor Econômico
Estampa comemorativa do escritor Ignácio de
Loyola Brandão pelos 60 anos de seu primeiro livro lembra que a filatelia é uma
educativa fonte de conhecimento, de arte, de história
Há dias, os Correios do Brasil lançaram um
selo comemorativo dos 60 anos do primeiro livro de Ignácio de Loyola Brandão,
membro não só da Academia Brasileira de Letras, mas também, há mais tempo, da
Academia Paulista de Letras.
Ele começou com “Depois do sol”, que também
abre o ciclo de livros inspirados em suas descobertas do que virá a ser o
elenco de suas observações sobre a cidade grande em que passara a viver vindo
de Araraquara, sua terra.
Munido com as referências da idílica cidade de origem, o que se tornou característico dos interioranos de muitos recantos do Brasil, desenvolveu um desdobramento literariamente crítico, próprio do romantismo dos que vêm de longe.
O que no geral tem feito de moradores de
grandes e anômalas cidades, como São Paulo, e provavelmente acontece com os de
outros cantos do mundo, pessoas de dupla personalidade. As que estão perto e
longe ao mesmo tempo dos lugares do vivencial dividido. Pessoas que estão
saindo quando estão chegando e chegando quando estão saindo das espacialidades
referenciais de sua existência.
Sempre há um lá longe no nosso aqui perto.
Perspectiva do estranhamento em relação à terra de adoção. No caso de Loyola,
fundamento de sua literatura do Brasil anômico, irracional e absurdo.
Manifestação, em sua obra e em sua pessoa,
como poderia dizer Antonio Candido, das necessidades de expressão de um tempo e
de um lugar, os de nossa pós-modernidade sem rumo, sem passado nem futuro.
No caso de Loyola, certamente não no sentido
de aversão pelo lugar em que está e de nostalgia pelo lugar de onde veio. Muito
ao contrário, Loyola nunca está fora do lugar. Todos os lugares são os seus
lugares. Quando minha mulher o conheceu e lhe disse que era de Bariri, no
interior de São Paulo, ele abriu largo e acolhedor sorriso e disse: “Ah! Você é
da Grande Araraquara”.
Falecido em 1993, “seu” Totó, seu pai,
ferroviário da Estrada de Ferro Araraquarense, colecionador de selos, teria
tido um piripaque se aqui ainda estivesse para colocar em seu álbum de
filatelista modesto o selo com a imagem do filho.
Os Correios se lembram de que, além dele, a
escritora Carolina Maria de Jesus, autora de “Quarto de despejo”, também “foi
selo”. O que, pela raridade, aumenta a importância da homenagem filatélica de
agora.
Sei o que isso significa. Adolescente, em
meados dos anos 1950, quando já trabalhava em fábrica, descobri no lixo do
escritório da divisão em que me cabia removê-lo para queimar no acendimento dos
fornos de ladrilhos papéis rasgados que pudessem conter informações técnicas
com segredos industriais. Não fossem eles indevidamente parar nas mãos de algum
catador de papel que pudesse dar-lhes outro destino. Entre esses papéis havia
envelopes de cartas recebidas pelos engenheiros, que eu recortava para remover
em água os respectivos selos.
Fui, assim, formando minha pequena coleção e
fazendo descobertas inesperadas na área da cultura e da história. Para jovens
filatelistas, como eu, da classe operária, o selo era a página de um livro.
Não sei como, descobri que um dos jornais de
São Paulo, O Tempo, tinha uma bem cuidada seção filatélica. Lia-o todos os
sábados. Aprendi o que eram os selos comemorativos, como este, agora, para
celebrar os 60 anos da literatura de Loyola. Eram mais bem cuidados do que os
selos comuns, estes geralmente feios e sem imagens criativas.
Algumas vezes, comprava selos nas filatélicas
do centro de São Paulo. No jornal e nelas fiquei sabendo das coleções temáticas
e me interessei pelas que reproduziam obras de arte, pinturas. Em diferentes
países, esses selos eram feitos com extremo cuidado técnico, tanto na
reprodução fotográfica quanto na impressão. Cheguei a colocar uma porção deles
num dos meus álbuns, dedicado à pintura. Mais tarde, dei-o a uma amiga,
filatelista, que estava interessada no tema. Arrependi-me no dia seguinte, mas
já era tarde.
Não raro, os colecionadores de selos são
injustamente tratados como idiotas e infantis pelos que não são infantis mas
são idiotas. Na verdade, a filatelia é uma educativa fonte de conhecimento, de
arte, de história, da diversidade do mundo. É um redutor de ignorância, um
instrumento verdadeiramente subversivo de proteção dos imaturos e simples
contra a horizontalização da realidade e a cultura plana a que a cultura vem
sendo reduzida.
É significativo que a obliteração do primeiro selo com a efígie de Ignácio de Loyola Brandão tenha ocorrido durante um evento cultural em sua terra. Selos comemorativos, como esse, equivalem a um monumento como os erguidos em praças públicas, apenas para serem vistos. Até mais porque são, assim, colocados em muitas vidas para dar-lhes o que pensar.

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