segunda-feira, 8 de abril de 2019

Opinião do dia: Luiz Werneck Vianna*

Sob cerrada pancadaria o governo Bolsonaro se lança com as velas pandas em alto-mar em busca do Santo Graal, antes perseguido sem êxito por alguns, sempre na crença de que deslocar o leito da nossa História do seu curso de 500 anos é matéria afeta apenas a uma acendrada vontade política que não recue diante de circunstâncias adversas. Trata-se, sob o governo de Bolsonaro, de um plano de guerra sem quartel com a intenção de remover obstáculos à sua imposição, sejam políticos, econômicos ou culturais. Tais obstáculos estariam dispostos em camadas, acumulados ao longo de gerações, e se antes funcionais como a ação indutora da economia pela política, estariam agora travando o desenvolvimento do capitalismo, cujas forças de mercado estariam a exigir plena liberdade de movimentação. A declaração do ministro da Economia, sr. Paulo Guedes, nesse encontro de Washington, ao identificar no condestável do regime, Olavo de Carvalho, o chefe de uma revolução que estaria em curso não poderia ser mais esclarecedora.

*Sociólogo (PUC-Rio), “Viva o povo brasileiro”, O Estado de S. Paulo, 7/4/2019

Fernando Gabeira: Pobre Brasil do aqui e agora

- O Globo

Professores de História terão de explicar como um movimento de esquerda invadiu a URSS, espécie de meca dos esquerdistas

Oque fazer quando o presidente e o chanceler de seu país dizem, em Israel, que o nazismo foi um movimento de esquerda? O ideal é dar de ombros e seguir na vida cotidiana. Essas afirmações bombásticas são feitas para provocar debate. Não tenho tempo para ele.

Sinto muito pelos professores de História no Brasil. Terão de explicar como um movimento de esquerda invadiu a União Soviética, uma espécie de meca da esquerda mundial naquele período. E como milhões de pessoas morreram a partir desse fogo amigo.

Os professores de História terão de se consolar com os de Geografia, que ainda acham que a Terra tem uma forma arredondada. São colegas com uma tarefa mais dura: explicar que a Terra não é plana, como querem os novos ideólogos.

Estamos passando por uma revisão completa. Seus autores se acham geniais. O chanceler Ernesto Araújo disse que o nazismo é de esquerda, dentro do Museu do Holocausto, em Israel. Ali, o nazismo é considerado um movimento de extrema direita.

Mas o chanceler disse que há teorias mais profundas. Os judeus, que sofreram com o nazismo e ergueram um museu para lembrar suas vítimas, são superficiais: ainda não descobriram a verdade das obscuras teorias conspiratórias que embalam o governo brasileiro.

A direita embarca na canoa usada pela esquerda no passado recente. Não há mais respeito às evidências ou provas científicas. O que importa é a versão. Não houve desvio de dinheiro público, apenas procuradores e juízes perseguindo honestos políticos.

Eles convergem na tentativa de conformar os fatos às suas convicções ideológicas. O que foi aquela gritaria na Câmara? Nada mais que uma aversão compartilhada à palavra tchutchuca.

Demétrio Magnoli: Deus, o hino e a bandeira

- O Globo

‘Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. O mantra de Bolsonaro é mais do que parece. A invocação da fé religiosa pontilha os discursos oficiais, do presidente à ministra dos Direitos Humanos, passando pelo ministro das Relações Exteriores. Paralelamente, por atos ou palavras, o governo insiste nos ícones da nacionalidade. Como esquecer a frustrada iniciativa do ministro da Educação de solicitar às escolas vídeos de professores e alunos entoando o Hino Nacional, durante o hasteamento do auriverde pendão da esperança? Ou a conclamação do porta-voz presidencial, general Otávio Rêgo Barros, para “toda a sociedade prostrar-se diante da bandeira ao menos uma vez por semana”?

As pessoas cultas inclinam-se a descartar isso tudo, transferindo a ladainha carola e nacionalisteira para o arquivo morto dos anacronismos. De modo geral, não se atenta ao sentido mais profundo dessas exaustivas referências: o populismo de direita encontrou uma refutação eficaz do multiculturalismo.

Há algumas décadas, as elites políticas liberais e de esquerda substituíram o discurso universalista (cidadãos) pelo discurso multiculturalista (minorias). A diferença converteu-se em valor supremo, enquanto o ácido da ironia dissolvia a aspiração à igualdade (de direitos, de oportunidades). A nação deu lugar a uma miríade de grupos singulares (negros, mulheres, gays). A ideia de direitos universais (educação, saúde, previdência, transportes) deu lugar à chamada discriminação positiva (leis e regras específicas, cotas de gênero ou de “raça”). Deus e a pátria fazem seu caminho no espaço aberto por essa abdicação histórica.

Cacá Diegues: O que eu queria escrever

- O Globo

O que penso sobre tudo isso hoje é indescritível, difícil de se escrever com sabedoria e sensatez

Eu queria mesmo era escrever sobre o outono molenga em nossa cidade, um outono de ventos suaves e cajás-mirins caindo dos pés. Queria escrever sobre a reconciliação do tempo com o Rio, a alegria discreta de pássaros que andavam sufocados pelo calor e pelas chuvas volumosas do verão, enquanto torcíamos para que as águas de março passassem depressa, embora precisássemos encher nossos reservatórios vazios. Escrever sobre o céu claro, um azul sem escândalo, enquanto os tiroteios seguem alarmando os bairros da cidade.

Ou talvez escrever sobre a estátua do Cristo instalada no Pico do Corcovado, o ponto mais alto do Maciço da Tijuca, a olhar na direção do nascer do sol sobre a Baía de Guanabara, com os braços abertos, de modo que os sovacos pudessem proteger cada uma das zonas geográficas da cidade, a do sul e a do norte. Há alguns anos, numa terça-feira gorda, cansados de festa, eu e meu amigo Corélio subimos aquele morro para tentar descobrir se o gesto em cruz era para preparar um abraço na população carioca pelo carnaval que passou. Ou se o filho de Deus se aprontava para mergulhar na baía, como eu fazia em Maceió, pulando do píer cheio de navios para o mar. O Cristo do Corcovado talvez quisesse sumir de vez. Ou se distrair nadando.

Para ser mais atual, poderia falar dos gêmeos univitelinos que, no interior paulista, namoravam uma mesma moça que um dia acordou grávida. Só um deles a havia possuído. E como ela, devido à semelhança entre os gêmeos, não sabia distinguir qual dos dois, o juiz, com quem foi parar o caso, pediu um teste de DNA. O teste revelou que os gêmeos tinham o mesmíssimo DNA, como era de se esperar. Agora, só os dois sabem quem é o pai da criança, mas por nada desse mundo entregam a verdade. Imagino que o irmão que é, de fato, o pai não deseja deixar mal o outro que, por incompetência ou razão inconfessável, não dormiu com a moça. O inocente, por sua vez, não deseja agravar a vida do irmão culpado. O juiz decidiu então que os dois vão dividir a pensão da mãe e os custos da criança. Eles aceitaram o veredito, sem contestação.

*Bruno Carazza: O show do trilhão

- Valor Econômico

Faz muita falta um livro branco da Previdência

Na audiência da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, na última quarta-feira, falou-se 44 vezes sobre a necessidade, exposta pelo ministro Paulo Guedes, de a reforma da previdência gerar uma potência fiscal de R$ 1 trilhão nos próximos dez anos. Aliás, "potência fiscal" foi outra expressão muito utilizada nos debates: 19 vezes.

Descontadas a baixaria de alguns deputados e a falta de tato do ministro - que acabaram dominando a cobertura da mídia e a atenção do público -, o debate foi um belo exercício democrático. Mas expôs o muito o que ainda temos que avançar em termos de concepção de políticas públicas e transparência no Brasil.

Quem só assistiu aos "melhores momentos" da audiência não percebeu que, logo antes da sua desrespeitosa crítica do tigrão e do tchuchuca, o deputado Zeca Dirceu (PT/PR) pediu a Paulo Guedes a apresentação dos estudos e projeções que levaram o governo a eleger a reforma da previdência como sua prioridade para este início de governo, em detrimento da reforma tributária. Sua fala veio logo após o deputado José Nelto (Podemos/GO) perguntar ao ministro por que ele não resolveu buscar o tal R$ 1 trilhão na revisão dos incentivos e benefícios fiscais, que sangram R$ 300 bilhões por ano aos cofres públicos federais.

Atribui-se a Winston Churchill a ideia de discutir detalhadamente num documento os prós e contras de uma decisão governamental complexa. Em 1922, quando era Secretário de Estado para as Colônias, o futuro primeiro-ministro publicou uma análise profunda a respeito de qual posicionamento a Inglaterra deveria seguir em relação à Palestina e ao movimento sionista. Como o documento tinha a capa branca, ficou conhecido como "White Paper".

Alex Ribeiro: As dúvidas do BC sobre a recuperação da atividade

- Valor Econômico

Estímulo monetário se transmite à economia da forma esperada

O Banco Central investiga as causas do baixo crescimento da economia. O diagnóstico final não é para agora - dependerá do exame de dados que serão divulgados ao longo do tempo. Quando ficar pronto, terá um peso importante na definição da direção da taxa básica de juros, hoje fixada em 6,5% ao ano.

Para fins de entendimento, é útil dividir os estudos do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC em dois grupos. Um deles procura verificar se os choques que atingiram a economia no ano passado levaram a uma desaceleração temporária da atividade. O outro tema é observar se os estímulos monetários injetados pelo BC entre 2016 e 2018 estão se transmitindo à economia pelos canais esperados.

A expansão do Produto Interno Bruto (PIB) em 2018, de 1,1%, ficou abaixo do 1,3% previsto pelo Banco Central. A autoridade monetária rebaixou a sua projeção de expansão do PIB para 2019, de 2,4% para 2%. Além disso, reconheceu em documentos oficiais que "indicadores recentes de atividade econômica apontam ritmo aquém do esperado"

A avaliação do BC, porém, é que, apesar de tudo, a economia segue se recuperando num ritmo gradual. As projeções do BC e dos analistas econômicos do mercado para a expansão do PIB de 2019 foram reduzidas basicamente para se adequar ao fato de que, no ano de 2018, a economia terminou em um nível mais baixo - o que se chama tecnicamente de efeito carregamento. O Banco Central e o mercado, segundo essa linha de raciocínio, teriam mantido suas previsões para a expansão da economia trimestre a trimestre. Um dado ilustrativo é que, ao mesmo tempo em que reduziu de 2,5% para 2% as projeções de crescimento para 2019, o mercado financeiro elevou de 2,5% para 2,75% a projeção de expansão para 2020.

*David Kupfer: OMC ou não OMC? Eis a questão

- Valor Econômico

Colocar o Brasil na OCDE é antigo projeto dos neoliberais, que não avança por que custos superam benefícios

Hoje é consensual entre todos os atores que moldam as relações econômicas internacionais que o arranjo multilateral em vigor precisa ser profundamente transformado. Em termos práticos, significa que um novo multilateralismo precisa ser construído. Só não se sabe como.

Para muitos analistas, o problema é causado pela ausência de funcionalidade do próprio sistema multilateral. Às portas do término do primeiro quinto do século XXI, o padrão de comércio é hoje muito transnacionalizado no plano empresarial e muito fragmentado no plano produtivo, envolvendo muito mais do que o mero resultado do encontro entre compradores e vendedores que estão em países diferentes. É, portanto, radicalmente distinto daquele que se visualizava no final do século passado e, por isso, não caberia mais dentro de uma moldura multilateral. Mais eficaz, para esses analistas, seria a construção de uma teia de acordos bilaterais ou, em contextos pertinentes, plurilaterais.

Para outros, o problema central do sistema mundial de comércio é de governança. A Organização Mundial do Comércio (OMC), criada em 1994 como recomendação da longa Rodada Uruguai do GATT, não estaria conseguindo responder aos próprios desafios trazidos pelo seu mandato. A conjugação dos problemas de governança trazidos pelos princípios de aplicação uniforme, decisões consensuais e compulsoriedade estrita que pautam a OMC levou ao que Richard Baldwin, já em 2010, denominou de "trindade impossível". O impasse que está levando à virtual interdição do Mecanismo de Solução de Controvérsias é provavelmente a perna mais visível dessas dificuldades.

Marcus André Melo: Democracia e orçamento

- Folha de S. Paulo

Não há uma régua única para aferir quão democrático é o orçamento

No Brasil, o Poder Executivo domina o Legislativo no processo orçamentário. Mas isso também acontece no Reino Unido ou França. O papel preponderante do Executivo reflete o padrão geral das relações Executivo–Legislativo.

Na América Latina, o Brasil ostenta o escore mais elevado (0.91) no índice de “poder orçamentário” do Poder Executivo do Banco Interamericano de Desenvolvimento. O Chile (0.73) é o país que chega mais perto do Brasil, mas Argentina (0.45), Colômbia e Uruguai (0.64) e México (0.36) têm escores bem mais baixos.

O índice é calculado com base em fatores que garantem preponderância ao Executivo, como iniciativa exclusiva de matéria orçamentária, veto parcial, limites ao emendamento, discricionariedade na execução orçamentária, dentre outros.

Esse arranjo institucional foi escolhido pelos constituintes em 1988. Representa delegação mais que usurpação de poder: é forma eficiente de resolver problemas de ação coletiva conhecidos na literatura como a “tragédia dos comuns fiscal”.

Os parlamentares têm incentivos para elevar o gasto concentrando-o nos distritos em que são eleitos, mas não arcam com os custos políticos de desequilíbrios orçamentários (ou de suas formas de resolução: inflação, recessão, crise cambial), os quais os eleitores atribuem ao presidente, o único ator que os internaliza (partidos políticos robustos também o fariam). Essa assimetria de incentivos produz a tragédia fiscal.

*Celso Rocha de Barros: O parlamentarismo do difícil

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro pode se tornar irrelevante, mas vai querer reivindicar crédito

Nas próximas semanas, o Brasil pode entrar em um período de alguns meses de parlamentarismo.

Bolsonaro não consegue fazer nada de útil, o Brasil precisa ser governado, os vizinhos de praça dos Três Poderes parecem dispostos a assumir a tarefa.

A primeira iniciativa nesse sentido pode vir na tramitação da reforma da Previdência. Deputados e senadores devem melhorar muito a reforma da Previdência enviada pelo governo.

Devem cair as mudanças no BPC, a capitalização, a desconstitucionalização que permitiria revogar a PEC da Bengala com maioria simples, tudo que é obviamente injusto, insustentável ou estelionatário.

Se Bolsonaro conseguir destruir a própria reforma, os congressistas podem tentar a do Temer.

A novidade é que os parlamentares podem não esperar a articulação política do Planalto para tocar qualquer um desses projetos.

Parte disso pode ser pressão dos governadores, que também querem a reforma. Parte pode ser, é preciso admitir, responsabilidade diante da nação, ou diante dos setores econômicos que elegeram os deputados conservadores.

E parte pode ser o lobby de empresários amigos do presidente, que, como revelado pelo O Estado de S. Paulo, estão atuando pesado nos bastidores para convencer os deputados, sabe lá Deus como.

Vinicius Mota: Entropia

- Folha de S. Paulo

Dilma e Lula cometeram barbaridades no auge da aprovação; moderação favorece eficácia na política

Os resultados do Datafolha completam um ciclo de notícias confortadoras em torno do presidente da República. Jair Bolsonaro tornou-se mais parecido com um governante comum, atravessado por limitações que começa a reconhecer.

Recuou em frentes que produziam atrito gratuito, da embaixada em Jerusalém ao Ministério da Educação. Pôs areia na engrenagem do ministro da Economia ao acenar com a retirada da capitalização na Previdência, ideia fixa de Paulo Guedes.

O presidente também ampliou seu papel na negociação da reforma do sistema de aposentadorias com partidos importantes no Congresso. A manter-se no proscênio, cresce a probabilidade de aprovação tempestiva de um programa satisfatório.

Leandro Colon: Sem tempo a perder

- Folha de S. Paulo

Pesquisa é preocupante para governo, mas é possível corrigir a rota e governar para valer

Nos últimos dias, o presidente Jair Bolsonaro tem feito tímidos acenos de autocrítica, reconhecendo, a seu modo, inclusive com alguns exemplos esdrúxulos, possíveis erros de conduta e de gestão.

Diante da inércia na formação de sua base aliada no Congresso, ele contemporizou o discurso que tem adotado contra o que chama de "velha política". Em busca de apoio, desculpou-se com dirigentes partidários do que classifica de "caneladas" —palavra rotineiramente usada pelo presidente para justificar absurdos (muito mais que caneladas) que costuma dizer não só sobre políticos.

Em um café com jornalistas na sexta-feira (5), Bolsonaro foi questionado sobre declarações passadas, entre elas uma em defesa do fechamento do Congresso. O presidente então saiu-se com essa: não haveria como se arrepender do que dissera, mesmo hoje discordando, afinal, ele fez xixi na cama até os cincos anos e não tinha como voltar atrás. "Saiu, pô", disse aos presentes no encontro.

Xixi na cama aos cinco anos tende a ser um ato involuntário. Afirmar publicamente ser a favor de trancar as portas do Parlamento, não.

*Bolívar Lamounier: Um feio escorregão de Jair Bolsonaro

- O Estado de S.Paulo

Há muito mais consenso do que dissenso na atual vida pública brasileira

Ao qualificar o nazismo como um regime “de esquerda”, o presidente Jair Bolsonaro rompeu uma represa enorme, deixando um mar de sandices escorrer pelas redes sociais. Nas centenas de mensagens que li, não encontrei uma referência sequer ao que me parece ser o ponto crucial da discussão: a obsolescência da dicotomia esquerda x direita.

Ninguém contesta que lá atrás, no século 19, tal dicotomia tinha substância, e em alguns países a conservou durante a primeira metade do século 20. A Guerra Civil Espanhola, por exemplo, contrapôs comunistas e anarquistas (nem sempre solidários entre si) a uma direita rombuda, formada por uma burguesia resistente a toda veleidade de reduzir desigualdades, fazendeiros que adorariam viver na Idade Média e, não menos importante, um catolicismo que se comprazia em estender seu manto sobre toda aquela teia de iniquidades. Ou seja, havia efetivamente uma “esquerda” – os que recorriam à violência no afã de quebrar a espinha dorsal daquela sociedade – e uma “direita”, os setores acima mencionados, para os quais o status quo era legítimo, sacrossanto e destinado a perdurar até o fim dos tempos.

Os regimes totalitários que se constituíram entre as duas grandes guerras – o nazismo na Alemanha, o comunismo na URSS e o fascismo na Itália – foram precisamente a linha divisória a partir da qual a dicotomia esquerda x direita começou a perder o sentido que antes tivera. Se fizermos uma enquete entre historiadores, sociólogos, etc., pelo mundo afora, constataremos sem dificuldade que nove em cada dez classificam o nazismo como direita e o comunismo como esquerda – e reconheço que aqueles nove ainda têm um naco de razão.

Sabemos que os regimes comunistas se serviram do marxismo como base teórica. E que o fizeram com um cinismo insuperável; na prática, o chamado “socialismo real” assentava-se numa combinação de partido único, monopólio dos meios de comunicação, polícia secreta, culto à personalidade e numa repetição ritual da ideologia, entendida como a busca do paraíso na Terra, a “sociedade sem classes”. 

Cida Damasco: Choque de realidade

-O Estado de S.Paulo

Sob pressão, governo recua na capitalização e põe foco na reforma do regime atual

O recado foi dado. Bolsonaro admitiu na sexta-feira, em conversa com jornalistas, que a criação de um regime de capitalização pode sair da pauta do governo para a Previdência e ficar para um segundo tempo. Não que as declarações do presidente sejam indicativo firme do que o governo vai fazer, principalmente em matéria de reformas. Mas dessa vez parece que o caminho poderá ser mesmo o apontado por Bolsonaro. A mensagem já havia sido passada na quarta-feira, pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, durante a tumultuada sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara – ainda que, nas rodas empresariais, ele mantenha uma vigorosa defesa de uma reforma da Previdência mais ampla, com ponto de chegada na capitalização.

Tudo indica que, na série de encontros com presidentes de partidos, Bolsonaro também colheu uma rejeição a essa parte da reforma. Arquivar a capitalização, portanto, pode ser uma das moedas de troca para levar adiante as mudanças no regime de repartição – por sinal, bastante parecidas com as incluídas na proposta de Temer, que, segundo muitos parlamentares, deveria ter sido retomada pelo atual governo para encurtar o trajeto.

Para não especialistas, à primeira vista pode até ser tida como interessante a opção por um sistema em que cada trabalhador define e acumula os recursos para financiar seus próprios benefícios previdenciários. Como uma espécie de poupança reservada para a aposentadoria. No regime atual, de repartição, as contribuições dos trabalhadores que estão na ativa cobrem o pagamento dos benefícios dos mais a idosos, firmando-se aí um pacto entre gerações. Quem nunca ouviu alguém se dizer “injustiçado” por garantir a aposentadoria de quem não contribuiu para a Previdência? Guedes vem insistindo que o regime de repartição é perverso, uma fábrica de desigualdades, e o regime de capitalização traria exatamente a solução para esses problemas.

Ricardo Noblat: Bye, bye, ministro!

- Blog do Noblat / Veja

Mudança na Educação
É com um travo na alma que o presidente Jair Bolsonaro deverá demitir, hoje, o ministro da Educação, Ricardo Veléz Rodrigues. Não porque goste particularmente dele. Gosta de suas ideias. Reprova seu desempenho. O ministério está uma zorra e não pode continuar assim.

O travo tem a ver com a cobrança feita pela mídia para que o ministro seja dispensado. Bolsonaro detesta a mídia. Ou melhor: grande parte dela. E não gostaria de lhe dar esse gostinho. Se ele pudesse – ou se puder – adiaria a demissão outra vez.

Será o segundo ministro a cair em menos de 100 dias de governo – ou de desgoverno, como preferirem. Gustavo Bebiano, da Secretária-geral da Presidência da República, foi demitido primeiro pelo vereador Carlos Bolsonaro, e só depois pelo pai dele.

Veléz Rodrigues foi indicado pelo autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, guru da família Bolsonaro e de milhares de devotos do presidente. Mas desde a semana passada que Olavo largou de mão o ministro. Só não quer que seus discípulos percam os empregos.

Em troca de alguma recompensa, do tipo uma vaga em outro lugar qualquer do governo com um salário bastante razoável, o ministro irá embora sem se queixar. Ele nunca imaginara ser ministro. Foi surpreendido com o convite. Vida que segue.

Por enquanto, a vida do ministro do Turismo, Marcelo Antônio, também irá adiante. Ele está enrolado até o talo no escândalo das candidaturas falsas do PSL de Bolsonaro em Minas Gerais. Dinheiro público foi desviado, e isso é crime. Mas Bolsonaro o protege.

Afinal, o ministro foi escolha dele e de mais ninguém. Estava ao seu lado em Juiz de Fora quando Bolsonaro acabou esfaqueado. Ajudou a transportar seu corpo para o hospital. Dali só saiu quando soube que o então candidato a presidente havia sobrevivido.

Não se abandona um amigo no meio do caminho. Para Bolsonaro, ex-paraquedista, confiança é essencial. Quem está atrás confia em quem está na frente na hora de saltar. E quem está na frente confia em que está mais à frente. O primeiro da fila confia nele mesmo.

Sobre isso Bolsonaro dissertou em Israel para uma atenta e perplexa plateia de empresários, todos interessados em saber o que ele queria dizer com tudo aquilo. Foram embora sem entender direito, mas tudo bem. Culpa da tradutora que tampouco entendeu.

O show de Mourão em Harvard

Aplaudido de pé
Foi o contraponto da visita recente do presidente Jair Bolsonaro aos Estados Unidos. Enquanto Bolsonaro fez questão de se apresentar aos americanos como um líder belicoso e de extrema direita, o vice-presidente Hamilton Mourão fez o inverso.

Prestígio militar: Editorial / Folha de S. Paulo

Para 60%, grande presença de militares no governo é mais positiva, diz Datafolha

Militares chefiam um terço dos ministérios do governo do capitão reformado Jair Bolsonaro (PSL), além de ocuparem postos importantes no segundo escalão. Uma maioria expressiva dos brasileiros, 60%, considera essa sobrerrepresentação mais positiva que negativa, segundo pesquisa Datafolha realizada no início deste mês.

A aprovação não parece personalizada, dado que mais da metade dos entrevistados não soube nominar o vice-presidente, general Hamilton Mourão, e relatou desconhecer o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional e um dos auxiliares mais destacados do presidente.

As Forças Armadas estão entre as instituições de maior prestígio no país, atestam pesquisas anteriores. Não estão identificadas à balbúrdia, à corrupção e à crise econômica produzidas nos últimos anos pela política tradicional. Em alguns estratos mais conservadores, podem satisfazer um anseio por autoridade e ordem.

Bolsonaro abre diálogo com partidos e tenta aliviar tensões: Editorial / Valor Econômico

A temperatura política voltou a subir fortemente na quarta-feira durante a audiência pública sobre a reforma da previdência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, que teve a presença do ministro da Economia, Paulo Guedes. A despeito do tumulto ter concentrado as atenções, resultado da esperada agressividade oposicionista e do estilo enfático e por vezes agressivo de Guedes, o evento chamou a atenção pela total falta de articulação da base governista, que deixou o palco livre para as críticas dos parlamentares que não querem reforma alguma.

O resultado, apesar dos momentos em que o ministro da Economia se saiu bem, foi a percepção de que há uma longa e acidentada estrada a percorrer se o governo quiser mesmo aprovar a reforma.

A tentativa de desfazer o constrangimento na comissão começou a ser feita no dia seguinte, com o presidente Jair Bolsonaro entrando em campo para buscar a construção de uma base efetiva no Congresso. Ele deixou de lado o discurso eleitoreiro e recebeu líderes de partidos identificados com o que ele vinha chamando, despectivamente, de "velha política" - expressão que, sabiamente, prometeu abandonar. E ainda reconheceu alguns erros.

Com a operação presidencial, o clima tempestuoso começou a desanuviar. Na sexta-feira, ele deu sequência ao movimento ao fazer um café da manhã com jornalistas da imprensa tradicional, com a qual também vinha mantendo atritos recorrentes.

Falta pressionar a Bolívia para um acordo antidrogas: Editorial / O Globo

Brasil é hoje a grande plataforma de exportação para a cocaína produzida no país vizinho

Aumentou em 47% a produção de cocaína pura na Bolívia nos últimos dez anos. Passou da média de 170 toneladas métricas, em 2007, para 249 toneladas em 2017, segundo relatório do Departamento de Estado ao Congresso americano na semana passada.

A Bolívia possui 3,4 mil quilômetros de fronteira com o Brasil. Sob o governo de Evo Morales, líder dos produtores de folha de coca, passou de zona de tráfico da cocaína do Peru para a posição de terceiro maior produtor mundial. As atividades de agricultura de coca e de refino da cocaína em território boliviano são fomentadas por um sistema multinacional de financiamento dos cartéis peruanos e colombianos.

Essa economia subterrânea está quase integralmente direcionada à exportação, via Atlântico, a partir dos portos brasileiros. A logística para transporte da produção da Bolívia, do Peru e da Colômbia é montada com parcerias, no lado brasileiro, de facções criminosas nacionais.

Esse mercado lucrativo estimula uma guerra interna, pelo controle das principais rotas até os portos. Leva ao crescimento da violência na periferia das cidades ao longo das rotas de tráfico e das metrópoles com grandes portos, como Rio e Santos.

A velha Previdência e o novo trabalho: Editorial / O Estado de S. Paulo

A proposta de reforma da Previdência corrige desajustes, como a idade mínima numa população cada dia mais longeva, e injustiças, como a disparidade entre servidores públicos e trabalhadores privados, que faz com que o Estado seja o maior promotor de desigualdade social no Brasil. Mas, além do equilíbrio e da equidade fiscal, o País precisará se adaptar ao novo mundo do trabalho, em especial ao crescimento das relações de trabalho atípicas em detrimento do emprego tradicional. A revolução digital faz com que modalidades como o trabalho temporário, o autoemprego ou a contratação independente sejam cada vez mais comuns.

Conforme a pesquisa “Previdência sem providência?”, dos economistas J.R. Afonso e J.D. Sousa, os empregados com carteira assinada no Brasil respondem por 38,9% da força ocupada e os servidores por 8,5%. Restam 52,6% sem vínculo e proteção. Metade dos brasileiros, especialmente os mais jovens, educados e de maior renda, prefere o trabalho autônomo com rendimentos mais altos, sem benefícios e com impostos mais baixos. Tal transformação é intensificada pela “pejotização”, ou seja, a migração do emprego formal para o regime de pessoa jurídica ou autônomo, causada sobretudo por anomalias tributárias: enquanto a média mundial de custos trabalhistas (em queda) é de 20,5% do salário pago, no Brasil esse índice (em crescimento) é de 71,4%.

Entrevista / Para Serra, aposta única na reforma "é um erro"

"O PSDB é e continuará a ser oposição. Mas isso não significa que jogamos no quanto pior, melhor"

Ribamar Oliveira e Vandson Lima | Valor Econômico

BRASÍLIA - O senador José Serra (PSDB-SP) considera que "apostar todas as fichas na reforma da Previdência para fomentar o crescimento econômico é um erro", embora acredite que o sistema previdenciário do Brasil está "totalmente desequilibrado". Para ele, há várias medidas que podem ser tomadas para estimular a demanda, organizar as contas fiscais e colocar a economia para crescer mais rapidamente, enquanto se aprova as reformas necessárias para o país, inclusive a da Previdência.

Serra avalia que o governo Bolsonaro encontrou condições bastante favoráveis na economia. A inflação está abaixo da meta, não há restrições externas, o déficit em transações correntes é muito pequeno e financiado pelos investimentos estrangeiros diretos e há muita capacidade ociosa, o que facilitaria a retomada.

Além disso, a lucratividade das empresas foi muito boa no ano passado, ou seja, "elas estão em situação propícia para investir". Para ele, há espaço até mesmo para reduzir "sensatamente" a taxa de juros.

O senador paulista disse que está convencido de que "algo vai avançar" na reforma da Previdência, mas não o projeto do Executivo. E anunciou um projeto para instituir o parlamentarismo a partir de 2022. 

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: Porque a economia brasileira não está crescendo? Esta é a recuperação mais demorada da história.

José Serra: O não crescimento está relacionado, principalmente, com o quadro de início de governo e as incertezas que permeiam a política brasileira. É interessante notar que as condições que o governo Bolsonaro encontrou na economia são bastante favoráveis. Não só a economia cresceu um pouco no ano passado, como a lucratividade das empresas teve um excelente desempenho. Ou seja, elas estão em uma situação propícia para investir. Então, internamente existem boas condições para um avanço nos investimentos. Hoje, não se tem nenhum tipo de restrição externa, o déficit em transações correntes é muito pequeno e os investimentos estrangeiros diretos superam o déficit com folga. A inflação está abaixo da meta e há muita capacidade ociosa, o que facilita a retomada. Eu creio, inclusive, que há espaço para, sensatamente, reduzir os juros. Reduzir a Selic, basicamente, sem fazer grandes pressões sobre a economia. Se for alguma coisa gradual e minimalista, digamos. Evidentemente que, se se conseguisse um pouco de crescimento, o país entraria em um círculo virtuoso, no sentido de recuperação da capacidade de arrecadação pública. Isso facilitaria a política fiscal.

Valor: O senhor acha que a situação fiscal tanto da União como dos Estados é o principal obstáculo para que se entre nesse círculo virtuoso de crescimento?

Serra: Não necessariamente. Os Estados estão em uma situação crítica e, evidentemente, o investimento público fica comprometido. Na esfera federal, o investimento público tem um peso muito grande sobre a demanda agregada, de um lado, e de outro, na possibilidade de crescimento de médio e longo prazos. Quando se investe, gera-se demanda e, ao mesmo tempo, gera possibilidade de crescimento. Para o crescimento, é importante ter um círculo virtuoso fiscal, no sentido de que o país consiga a retomada com o crescimento da receita.

Valor: O mercado acha que os investimentos e a retomada da economia dependem da aprovação da reforma da Previdência.

Serra: Acho um exagero condicionar tudo ao destino de uma reforma da Previdência. Que é uma reforma de profundidade, que não teria efeito de curto prazo, mas de médio e longo prazos, e que em algo vai avançar. Isso me parece claro. Não acredito que se vá aprovar a reforma tal como o projeto enviado. Mas nós vamos ter avanços, sem dúvida nenhuma. Talvez combinado com um gradualismo maior do que o previsto no projeto enviado. Mas isso é normal, e seria uma vitória de toda maneira dentro do Congresso. O Brasil está com um sistema previdenciário totalmente desequilibrado. E isso precisa ser corrigido. A reforma da Previdência é essencial. Agora, achar que por causa da Previdência as empresas não irão investir, me parece um exagero. Apostar todas as fichas na reforma da Previdência para fomentar o crescimento econômico é um erro. Há várias medidas que podem ser tomadas para estimular a demanda, organizar as contas fiscais e colocar a economia para crescer mais rapidamente, enquanto são endereçadas as reformas, inclusive a da Previdência.

Valor: O que o senhor acha que não passa na proposta de reforma do governo?

Serra: Acho que a mudança no BPC [Benefício de Prestação Continuada]. Também as alterações na aposentadoria da área rural.

Valor: E o novo sistema de capitalização?

Serra: Acho que pode instituir uma coisa gradual.

Valor: E a desconstitucionalização das regras previdenciárias?

Serra: Acho que muita coisa pode ser obtida, não só na Previdência, com a desconstitucionalização. Todos avaliamos o grau de complexidade exagerado da Constituição de 1988. E isso dificulta muito tudo. Na verdade, o instrumento da lei complementar é difícil também. Não é uma barreira como a emenda constitucional. A emenda constitucional não tem veto. O Executivo fica alijado.

Em 30 anos, mais de 21 mil emendas foram apresentadas

O DNA das emendas

Em 30 anos, regras do sistema político são campeãs em propostas de alteração

Juliana Dal Piva  / O Globo

Há pouco mais de 30 anos o então deputado Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Constituinte, promulgava a Constituição Federal de 1988. Ao discursar, Ulysses reconhecia que “não é a Constituição perfeita” e que ela própria admitia ser emendada. Mas desde que a Carta foi aprovada surgiram embates por alterações em seus 250 artigos permanentes, além dos 114 descritos nas disposições transitórias.

Entre 1988 e 2017 foram 21.499 propostas de modificação de artigos da Constituição e 105 alterações aprovadas pela Câmara e pelo Senado.

O livro “Três décadas de Reforma Constitucional — onde e como o Congresso Nacional procurou modificar a Constituição”, que será lançado pela editora da Fundação Getulio Vargas este mês, mostra que as alterações propostas desde 1988 estão concentradas em aproximadamente 30% da extensão do texto constitucional. A pesquisa mapeou 5.142 Propostas de Emenda Constitucional (PECs).

—As propostas se concentram em alguns pontos. O nosso sistema é muito vivo. A sociedade brasileira representada no Congresso ainda parece ver muito espaço para mudar a Constituição —afirma Pablo Cerdeira, professor de Direito e um dos autores do livro.

Quando os pesquisadores avaliaram quais artigos da Constituição tiveram mais pedidos de mudança, identificaram que entre os quatro primeiros estão alguns dos que falam, essencialmente, da organização do Estado, poderes e direitos políticos. O que mais recebeu propostas de alteração desde 1988 é o parágrafo 5º do artigo 14, que trata da permissão para concorrer à reeleição. Ao todo, só para alterar esse trecho, foram 101 propostas.

REGRAS DO “JOGO POLÍTICO”
Para o pesquisador Fábio Vasconcellos, cientista político e outro autor da obra, a explicação para o grande número de tentativas de modificação em artigos tidos como “regras do jogo político” mostra que o assunto não está pacificado na classe política e na sociedade.

Carta dos EUA teve 27 emendas em 230 anos

- O Globo

Desde que entrou em vigor, há 230 anos, a Constituição americana foi alterada apenas 27 vezes. A mudança mais recente aconteceu em 1992. O texto original era composto por sete artigos, que determinam a divisão do governo em três poderes e definem os conceitos do federalismo, descrevendo os direitos e responsabilidades dos governos estaduais em relação ao governo federal.

As dez primeiras emendas constitucionais foram apresentadas ainda em 1789 e compõem a chamada Carta de Direitos (“Bill of Rights”), que dispõe sobre proteções específicas de liberdade individual, além de restringir poderes do governo.

Desde então, foram apenas 17 mudanças na Constituição dos Estados Unidos. Uma delas ainda no século XVIII, quatro no século XIX, e 12 no século XX. As alterações mais importantes foram registradas em 1895, após o término de Guerra Civil, determinando o fim da escravidão, e em 1920, estabelecendo o direito ao voto feminino.

A última alteração da Constituição americana foi realizada há quase 27 anos, na administração do presidente George Bush.

Fernando Pessoa: Contudo

Contudo, contudo,
Também houve gládios e flâmulas de cores
Na Primavera do que sonhei de mim.
Também a esperança
Orvalhou os campos da minha visão involuntária,
Também tive quem também me sorrisse.
Hoje estou como se esse tivesse sido outro.
Quem fui não me lembra senão como uma história apensa.
Quem serei não me interessa, como o futuro do mundo.

Caí pela escada abaixo subitamente,
E até o som de cair era a gargalhada da queda.
Cada degrau era a testemunha importuna e dura
Do ridículo que fiz de mim.

Pobre do que perdeu o lugar oferecido por não ter casaco limpo com que aparecesse,
Mas pobre também do que, sendo rico e nobre,
Perdeu o lugar do amor por não ter casaco bom dentro do desejo.
Sou imparcial como a neve.
Nunca preferi o pobre ao rico,
Como, em mim, nunca preferi nada a nada.

Vi sempre o mundo independentemente de mim.
Por trás disso estavam as minhas sensações vivíssimas,
Mas isso era outro mundo.
Contudo a minha mágoa nunca me fez ver negro o que era cor de laranja.
Acima de tudo o mundo externo!
Eu que me agüente comigo e com os comigos de mim.

Roberta Sá - Me erra