-O Estado de S.Paulo
Sob pressão, governo recua na capitalização e põe foco na reforma do regime atual
O recado foi dado. Bolsonaro admitiu na sexta-feira, em conversa com jornalistas, que a criação de um regime de capitalização pode sair da pauta do governo para a Previdência e ficar para um segundo tempo. Não que as declarações do presidente sejam indicativo firme do que o governo vai fazer, principalmente em matéria de reformas. Mas dessa vez parece que o caminho poderá ser mesmo o apontado por Bolsonaro. A mensagem já havia sido passada na quarta-feira, pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, durante a tumultuada sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara – ainda que, nas rodas empresariais, ele mantenha uma vigorosa defesa de uma reforma da Previdência mais ampla, com ponto de chegada na capitalização.
Tudo indica que, na série de encontros com presidentes de partidos, Bolsonaro também colheu uma rejeição a essa parte da reforma. Arquivar a capitalização, portanto, pode ser uma das moedas de troca para levar adiante as mudanças no regime de repartição – por sinal, bastante parecidas com as incluídas na proposta de Temer, que, segundo muitos parlamentares, deveria ter sido retomada pelo atual governo para encurtar o trajeto.
Para não especialistas, à primeira vista pode até ser tida como interessante a opção por um sistema em que cada trabalhador define e acumula os recursos para financiar seus próprios benefícios previdenciários. Como uma espécie de poupança reservada para a aposentadoria. No regime atual, de repartição, as contribuições dos trabalhadores que estão na ativa cobrem o pagamento dos benefícios dos mais a idosos, firmando-se aí um pacto entre gerações. Quem nunca ouviu alguém se dizer “injustiçado” por garantir a aposentadoria de quem não contribuiu para a Previdência? Guedes vem insistindo que o regime de repartição é perverso, uma fábrica de desigualdades, e o regime de capitalização traria exatamente a solução para esses problemas.
Porém, os críticos da capitalização argumentam que o Brasil estaria embarcando num modelo bastante próximo ao chileno justamente quando já está mais do que comprovado que ele tem várias falhas. O empobrecimento de grandes levas de aposentados no Chile levou a uma revisão do sistema. Segundo estudo da consultoria Mercer, 90% dos beneficiários recebe no máximo 60% do salário mínimo, de cerca de US$ 450, porque as contribuições dos trabalhadores são insuficientes para garantir uma renda decente na aposentadoria.
Para cobrir essa defasagem, o governo incorporou um instrumento chamado “pilar solidário”, que paga benefícios à parcela da população em situação de vulnerabilidade social, mais da metade dos 2,8 milhões de aposentados – e há um projeto para reforçar o pilar solidário. Mas não é só o Chile que está recuando na capitalização. Um levantamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostra que, de 1981 a 2014, 30 países privatizaram total ou parcialmente sua previdência social. Pois bem: empurrados principalmente pela crise de 2008, 18 deles já trilharam a rota oposta.
Há também restrições específicas relativas ao caso brasileiro. Antes de mais nada, ao elevado custo de transição para o novo regime, nada apropriado para a frágil situação fiscal do País. O governo ainda não pôs no papel como seria, em detalhes, a capitalização “à moda de Guedes” e, por isso mesmo, não há um cálculo preciso do custo para a travessia até a capitalização, mas especialistas já antecipam que será gigantesco. Simplesmente porque o volume de dinheiro das contribuições que hoje cobrem as aposentadorias seria deslocado para formar a tal poupança dos trabalhadores, mas os gastos previdenciários continuariam correndo.
Frente a essas contraindicações, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já havia dado a senha: uma capitalização pura não passa. Um regime misto, que bancasse uma renda mínima de até 5 a seis salários mínimos, poderia até ser aceito. Pelo visto, porém, nem essa alternativa intermediária pode entrar em pauta agora.
Apesar do reconhecimento de que a Previdência está sugando cada vez mais o dinheiro do Orçamento, a desarticulação política do time Bolsonaro é um risco até para a aprovação das mudanças no regime de repartição. Imagine se o governo resolver colocar na mesa de negociações a capitalização. A aprovação relâmpago do Orçamento impositivo já deu a medida do que o Congresso pode fazer, quando há desacerto com o Executivo. Melhor reduzir as ambições e garantir o essencial. Que, por enquanto, não está tão garantido assim.
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