A temperatura política voltou a subir fortemente na quarta-feira durante a audiência pública sobre a reforma da previdência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, que teve a presença do ministro da Economia, Paulo Guedes. A despeito do tumulto ter concentrado as atenções, resultado da esperada agressividade oposicionista e do estilo enfático e por vezes agressivo de Guedes, o evento chamou a atenção pela total falta de articulação da base governista, que deixou o palco livre para as críticas dos parlamentares que não querem reforma alguma.
O resultado, apesar dos momentos em que o ministro da Economia se saiu bem, foi a percepção de que há uma longa e acidentada estrada a percorrer se o governo quiser mesmo aprovar a reforma.
A tentativa de desfazer o constrangimento na comissão começou a ser feita no dia seguinte, com o presidente Jair Bolsonaro entrando em campo para buscar a construção de uma base efetiva no Congresso. Ele deixou de lado o discurso eleitoreiro e recebeu líderes de partidos identificados com o que ele vinha chamando, despectivamente, de "velha política" - expressão que, sabiamente, prometeu abandonar. E ainda reconheceu alguns erros.
Com a operação presidencial, o clima tempestuoso começou a desanuviar. Na sexta-feira, ele deu sequência ao movimento ao fazer um café da manhã com jornalistas da imprensa tradicional, com a qual também vinha mantendo atritos recorrentes.
O tom mais cordial aponta para nova fase das relações entre Bolsonaro e o Congresso, o que faz muito sentido para um governo que precisa angariar urgentemente apoios para avançar suas reformas. Falta ainda - e Bolsonaro indica reconhecer isso - descobrir qual é o jeito diferente de fazer política que pretende inaugurar.
À abertura de diálogo, onde antes não havia quase nada, seguiu-se algo concreto: a determinação para que os ministros sejam mais ativos para atender demandas dos parlamentares.
Além da necessidade de aglutinar a base aliada e diminuir as tensões, Bolsonaro tem outra questão fundamental a resolver: qual reforma da Previdência efetivamente quer. Depois de ter dito que reforma boa é a que passa, uma frase ambígua, o presidente já indicou claramente que pode abrir mão das mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC), das aposentadorias rurais e, mais recente e grande novidade, do sistema de capitalização, um dos projetos essenciais de Paulo Guedes.
Guedes pretende lançar tão logo quanto possível a capitalização e, por isso, pede uma reforma trilionária. O tema é polêmico e, como o Valor mostrou, a ideia do ministro é um modelo no qual não haveria contribuição patronal por pelo menos 20 anos, o que eleva as dúvidas sobre sua viabilidade política e social. Essa inquietação permanece mesmo com a hipótese de um imposto de renda negativo (complemento salarial pago pelo governo) para compensar quem não conseguir poupar o suficiente para uma determinada renda ao fim da vida.
Bolsonaro tem outro timing para a capitalização e na sexta-feira falou em deixá-la para um segundo momento, o que delimitada uma zona de entendimento entre as intenções do ministro da Economia e as suas. Essa é outra fonte de problemas presentes e futuros, que pode ser corrigida se houver uma afinação entre o ministro e o presidente. Uma reforma que pode definir a força política com que o governo se moverá até o fim do mandato, e que é de difícil aceitação, precisa mais de definições claras de rumos do que de improvisos.
O presidente mostrou que, para ele, o que interessa mesmo é a idade mínima de aposentadoria e o maior tempo de contribuição. Ou seja, não lhe desagradaria uma reforma mais desidratada, ao estilo da que foi aprovada pelo ex-presidente Michel Temer na comissão especial da Câmara. Expor tão abertamente os pontos em que aceita ceder em uma fase ainda inicial de tramitação da reforma não é uma estratégia sábia. Mas esse é o estilo Bolsonaro.
Se a nova atitude do presidente pelo menos servir para a aprovação mais célere da reforma da Previdência, que remova a incerteza fiscal dos próximos anos, já haverá um ganho bastante significativo para o país. Eliminar improvisações e amadorismos políticos no Congresso reduzirá os riscos que pesam sobre uma reforma tão essencial e que ameaçam deixá-la pelo caminho.
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