OS "CORONÉIS" À BEIRA-MAR
Dora Kramer
O relevante nessa história de criação de uma força especial para assegurar o direito de ir e vir nos estados paralelos do narcotráfico, durante a campanha eleitoral no Rio de Janeiro, não é a decisão sobre a pertinência/eficácia ou não do instrumento, de resto só simulação de providência.
Tenebroso é o assunto em si e o fato de as autoridades, incluídos os candidatos, perderem no debate a referência do principal: a segunda maior e mais simbólica cidade do Brasil não consegue realizar uma eleição em paz porque precisa pedir licença ao crime organizado até para votar.
A eleição municipal do Rio ganha destaque nacional e reescreve a norma segundo a qual escolha de prefeito com repercussão no País todo, só mesmo a de São Paulo, onde os analistas e interessados em geral buscam inspiração para antecipar as regras do jogo da disputa seguinte para presidente, governador e demais excelências federais.
A eleição no Rio chama atenção pelo pior dos motivos: assume o posto de protagonista não por causa da política, mas como caso de polícia.
A bandidagem incrustada nas “comunidades” impõe suas regras para as campanhas em seus terreiros. Ou “currais”, como grosseiramente recuperou-se um termo do tempo dos “coronéis”, agora transportados do sertão à beira-mar.
Se o narcotráfico já se substituiu ao Estado nos territórios sem lei, se já capturou cumplicidades em todos os Poderes e se já contaminou boa parte das instituições, por que não pretenderia fazer o papel da Justiça Eleitoral?
De certa forma já o faz ao ditar as normas a respeito de quem entra ou sai e ao ressuscitar a censura prévia à imprensa. Um caso pronto e acabado de supremacia da lei do mais forte, só visto em estados de exceção.
Enquanto isso, a Justiça Eleitoral, os Poderes Executivos federal e estadual e os candidatos discutem se usam o Exército, se formam grupos especiais, se aumentam a vigilância nos morros, se, afinal, há alguma coisa para fazer.
Ninguém se entende e não é para menos, pois discutem à luz e sob a égide da lei, mas o inimigo age à sombra e à margem da legalidade. Ou seja, se for para medir forças, não será preciso esperar o fim da luta para saber quem sairá derrotado.
De um lado, o oficialismo cria grupos de trabalho para “apurar irregularidades”, reunir provas e, se for o caso, processar quem constranger as pessoas. De outro, o banditismo atua solto, sem precisar atender às restrições da lei e com o apoio dos supostamente dentro-da-lei, os mesmos que possibilitaram a degradação da segurança no Rio.
Há pouco mais de duas décadas, quando da retomada da democracia, nas primeiras eleições diretas era fato corriqueiro e até obrigatório a presença dos candidatos nos morros. Entrava-se e saia-se deles como em qualquer outro bairro.
Aos poucos essa atividade ficou difícil, condicionada à licença e aos conluios com o narcotráfico, até se chegar à situação atual da evidente realidade de interdição do exercício da democracia.
E os candidatos, todos eles parlamentares - parte forjada no enfrentamento do corporativismo reinante no Congresso - lidam com o assunto como podem: alimentando a ilusão sobre soluções inventadas com o poder de salvação instantânea.
Agora, apontar o dedo para o xis da questão - o apartamento da criminalidade para a cavidade de onde nunca deveria ter saído - ninguém se atreve. Seguem a norma da obediência ajuizada.
E se aceitam a companhia de rematados bandidos bons de voto, não vai ser essa conversa sobre força especial que salvará o Rio do inexorável retrocesso institucional.
Fato e ficção
No dia 11 de junho, passando por Brasília, o prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, falava eufórico de uma pesquisa (não registrada) que apontava o candidato da união com o governador Aécio Neves, Márcio Lacerda, com 40% das intenções de voto, antes mesmo de o jogo começar.
Pois mal começou, o Datafolha aponta Lacerda em terceiro lugar com 6%, atrás de Leonardo Quintão (PMDB), dono de 9%, e de Jô Moraes (PC do B), primeira colocada com 20%.
Seria de se imaginar que aqueles 40% fossem fruto de um mero desejo do prefeito se, no mesmo papel em que escreveu os números de Lacerda, não tivesse também registrado os porcentuais de aprovação da prefeitura (76%), do governo do Estado (86%), da Presidência da República (60%) e da aliança Aécio-Pimentel (71%), estes sim condizentes com a realidade.
Partindo do princípio de que o prefeito não iria deliberadamente divulgar números falsos, pois estaria transitando no perigoso terreno da fraude, deve ter havido um engano por parte do instituto de pesquisa.
De proporções amazônicas, diga-se.
Apesar de todos os pesares, no Palácio da Liberdade, sede do governo do Estado, o primeiro lugar de Jô Moraes é visto como fogo fátuo, luz que se apaga a partir da entrada da propaganda eleitoral na televisão.
Dora Kramer
O relevante nessa história de criação de uma força especial para assegurar o direito de ir e vir nos estados paralelos do narcotráfico, durante a campanha eleitoral no Rio de Janeiro, não é a decisão sobre a pertinência/eficácia ou não do instrumento, de resto só simulação de providência.
Tenebroso é o assunto em si e o fato de as autoridades, incluídos os candidatos, perderem no debate a referência do principal: a segunda maior e mais simbólica cidade do Brasil não consegue realizar uma eleição em paz porque precisa pedir licença ao crime organizado até para votar.
A eleição municipal do Rio ganha destaque nacional e reescreve a norma segundo a qual escolha de prefeito com repercussão no País todo, só mesmo a de São Paulo, onde os analistas e interessados em geral buscam inspiração para antecipar as regras do jogo da disputa seguinte para presidente, governador e demais excelências federais.
A eleição no Rio chama atenção pelo pior dos motivos: assume o posto de protagonista não por causa da política, mas como caso de polícia.
A bandidagem incrustada nas “comunidades” impõe suas regras para as campanhas em seus terreiros. Ou “currais”, como grosseiramente recuperou-se um termo do tempo dos “coronéis”, agora transportados do sertão à beira-mar.
Se o narcotráfico já se substituiu ao Estado nos territórios sem lei, se já capturou cumplicidades em todos os Poderes e se já contaminou boa parte das instituições, por que não pretenderia fazer o papel da Justiça Eleitoral?
De certa forma já o faz ao ditar as normas a respeito de quem entra ou sai e ao ressuscitar a censura prévia à imprensa. Um caso pronto e acabado de supremacia da lei do mais forte, só visto em estados de exceção.
Enquanto isso, a Justiça Eleitoral, os Poderes Executivos federal e estadual e os candidatos discutem se usam o Exército, se formam grupos especiais, se aumentam a vigilância nos morros, se, afinal, há alguma coisa para fazer.
Ninguém se entende e não é para menos, pois discutem à luz e sob a égide da lei, mas o inimigo age à sombra e à margem da legalidade. Ou seja, se for para medir forças, não será preciso esperar o fim da luta para saber quem sairá derrotado.
De um lado, o oficialismo cria grupos de trabalho para “apurar irregularidades”, reunir provas e, se for o caso, processar quem constranger as pessoas. De outro, o banditismo atua solto, sem precisar atender às restrições da lei e com o apoio dos supostamente dentro-da-lei, os mesmos que possibilitaram a degradação da segurança no Rio.
Há pouco mais de duas décadas, quando da retomada da democracia, nas primeiras eleições diretas era fato corriqueiro e até obrigatório a presença dos candidatos nos morros. Entrava-se e saia-se deles como em qualquer outro bairro.
Aos poucos essa atividade ficou difícil, condicionada à licença e aos conluios com o narcotráfico, até se chegar à situação atual da evidente realidade de interdição do exercício da democracia.
E os candidatos, todos eles parlamentares - parte forjada no enfrentamento do corporativismo reinante no Congresso - lidam com o assunto como podem: alimentando a ilusão sobre soluções inventadas com o poder de salvação instantânea.
Agora, apontar o dedo para o xis da questão - o apartamento da criminalidade para a cavidade de onde nunca deveria ter saído - ninguém se atreve. Seguem a norma da obediência ajuizada.
E se aceitam a companhia de rematados bandidos bons de voto, não vai ser essa conversa sobre força especial que salvará o Rio do inexorável retrocesso institucional.
Fato e ficção
No dia 11 de junho, passando por Brasília, o prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, falava eufórico de uma pesquisa (não registrada) que apontava o candidato da união com o governador Aécio Neves, Márcio Lacerda, com 40% das intenções de voto, antes mesmo de o jogo começar.
Pois mal começou, o Datafolha aponta Lacerda em terceiro lugar com 6%, atrás de Leonardo Quintão (PMDB), dono de 9%, e de Jô Moraes (PC do B), primeira colocada com 20%.
Seria de se imaginar que aqueles 40% fossem fruto de um mero desejo do prefeito se, no mesmo papel em que escreveu os números de Lacerda, não tivesse também registrado os porcentuais de aprovação da prefeitura (76%), do governo do Estado (86%), da Presidência da República (60%) e da aliança Aécio-Pimentel (71%), estes sim condizentes com a realidade.
Partindo do princípio de que o prefeito não iria deliberadamente divulgar números falsos, pois estaria transitando no perigoso terreno da fraude, deve ter havido um engano por parte do instituto de pesquisa.
De proporções amazônicas, diga-se.
Apesar de todos os pesares, no Palácio da Liberdade, sede do governo do Estado, o primeiro lugar de Jô Moraes é visto como fogo fátuo, luz que se apaga a partir da entrada da propaganda eleitoral na televisão.
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