AS INSERÇÕES E OS TRUQUES
Marcos Coimbra
Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
Com uma mídia assim, candidatos desconhecidos viram celebridades da noite para o dia. Quem ninguém considerava opção de voto se torna escolha natural.
Daqui a uma semana, a televisão que a maioria da população brasileira assiste estará inundada pela propaganda eleitoral gratuita, que começa terça-feira nas cidades onde existe geração de TV aberta, salvo o Distrito Federal. Os candidatos a prefeito terão meia hora, no horário do almoço e mais meia, no início da noite, às segundas, quartas e sextas, para veiculação de seus programas, enquanto os candidatos a vereador disporão das terças, quintas e sábados. Domingo, todo mundo descansa.
Na verdade, não. De domingo a domingo, na programação de todas as emissoras, haverá meia hora de inserções, que os partidos podem usar em comerciais de trinta segundos ou de um minuto. Só os candidatos a prefeito têm acesso a essa mídia, a mais influente que existe hoje na comunicação política e eleitoral.
A maior parte dos eleitores vêem de vez em quando os programas, apenas quando nada de melhor têm para fazer. Quando terminar o período eleitoral, terão visto dois, três, em média. Pouco, para justificar a importância que alguns candidatos, quase todos os marqueteiros e muitos jornalistas lhes dão. Cerca de metade dos eleitores não terá visto nenhum.
Inversamente, todos terão visto dezenas de vezes as inserções dos candidatos dos principais partidos, que possuem as maiores fatias de tempo. Não são raros os casos em que chega a vinte, trinta, o número de inserções que, a cada dia, em cada emissora de televisão, esses candidatos veiculam.
Apenas para comparar, nos 45 dias que a legislação eleitoral reserva para divulgação das candidaturas, nenhum produto, banco, cerveja, empresa de telefonia, rede de varejo, marca de automóvel, terá mídia equivalente. Se tivesse que ser comprada pelos candidatos, como acontece em muitos países democráticos, custaria uma verdadeira fortuna, especialmente em cidades como São Paulo e Rio.
Com uma mídia assim, candidatos desconhecidos viram celebridades da noite para o dia. Quem ninguém considerava opção de voto se torna escolha natural. Já aconteceram várias “surpresas eleitorais” por causa disso e outras vão acontecer. Este ano, por exemplo, teremos “surpresas” em algumas capitais fundamentais.
É parte das esquisitices nacionais que tenhamos criado um instrumento de comunicação tão poderoso nos processos eleitorais e, logo a seguir, nos dedicado ao esforço de controlá-lo. Nossos legisladores inventaram as inserções, mas sempre as olharam com desconfiança.
A legislação que rege a próxima eleição, por exemplo, mantém a permissão de seu uso, mas repete que, nelas, é vedada “a utilização de gravações externas, montagens ou trucagens, computação gráfica, desenhos animados e efeitos especiais”.
O que, exatamente, quer dizer isso? Que é permitido fazer televisão, desde que não se faça televisão? O que estava na cabeça de quem inventou restrições tão esdrúxulas? Que uma inserção é “boa” quando o candidato se mostra “naturalmente”? E o que seria isso? O que tivemos nos tempos da Lei Falcão?
Conta uma lenda, corrente entre profissionais de comunicação política, que quem inspirou essa cláusula foi o hoje governador José Serra. Depois de amargar uma derrota para Celso Pitta em 1996, voltou ao Senado e se dedicou a brigar contra aquilo que achava que a explicava.
Se for verdade a história, a causa dessa maneira estranha de encarar as inserções seria o efeito “fura-fila”. Para quem não se lembra, foi apenas uma invenção de Duda Mendonça, um trenzinho que percorria São Paulo em computação gráfica, prometendo algo que Pitta, seu cliente, nunca fez e nem faria. Serra foi atropelado pelo fura-fila (nem foi para o segundo turno) e quis se vingar dos marqueteiros, proibindo as “trucagens” nas inserções (o que quer que isso signifique). Não conseguiu, pois eles são mais espertos.
Marcos Coimbra
Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
Com uma mídia assim, candidatos desconhecidos viram celebridades da noite para o dia. Quem ninguém considerava opção de voto se torna escolha natural.
Daqui a uma semana, a televisão que a maioria da população brasileira assiste estará inundada pela propaganda eleitoral gratuita, que começa terça-feira nas cidades onde existe geração de TV aberta, salvo o Distrito Federal. Os candidatos a prefeito terão meia hora, no horário do almoço e mais meia, no início da noite, às segundas, quartas e sextas, para veiculação de seus programas, enquanto os candidatos a vereador disporão das terças, quintas e sábados. Domingo, todo mundo descansa.
Na verdade, não. De domingo a domingo, na programação de todas as emissoras, haverá meia hora de inserções, que os partidos podem usar em comerciais de trinta segundos ou de um minuto. Só os candidatos a prefeito têm acesso a essa mídia, a mais influente que existe hoje na comunicação política e eleitoral.
A maior parte dos eleitores vêem de vez em quando os programas, apenas quando nada de melhor têm para fazer. Quando terminar o período eleitoral, terão visto dois, três, em média. Pouco, para justificar a importância que alguns candidatos, quase todos os marqueteiros e muitos jornalistas lhes dão. Cerca de metade dos eleitores não terá visto nenhum.
Inversamente, todos terão visto dezenas de vezes as inserções dos candidatos dos principais partidos, que possuem as maiores fatias de tempo. Não são raros os casos em que chega a vinte, trinta, o número de inserções que, a cada dia, em cada emissora de televisão, esses candidatos veiculam.
Apenas para comparar, nos 45 dias que a legislação eleitoral reserva para divulgação das candidaturas, nenhum produto, banco, cerveja, empresa de telefonia, rede de varejo, marca de automóvel, terá mídia equivalente. Se tivesse que ser comprada pelos candidatos, como acontece em muitos países democráticos, custaria uma verdadeira fortuna, especialmente em cidades como São Paulo e Rio.
Com uma mídia assim, candidatos desconhecidos viram celebridades da noite para o dia. Quem ninguém considerava opção de voto se torna escolha natural. Já aconteceram várias “surpresas eleitorais” por causa disso e outras vão acontecer. Este ano, por exemplo, teremos “surpresas” em algumas capitais fundamentais.
É parte das esquisitices nacionais que tenhamos criado um instrumento de comunicação tão poderoso nos processos eleitorais e, logo a seguir, nos dedicado ao esforço de controlá-lo. Nossos legisladores inventaram as inserções, mas sempre as olharam com desconfiança.
A legislação que rege a próxima eleição, por exemplo, mantém a permissão de seu uso, mas repete que, nelas, é vedada “a utilização de gravações externas, montagens ou trucagens, computação gráfica, desenhos animados e efeitos especiais”.
O que, exatamente, quer dizer isso? Que é permitido fazer televisão, desde que não se faça televisão? O que estava na cabeça de quem inventou restrições tão esdrúxulas? Que uma inserção é “boa” quando o candidato se mostra “naturalmente”? E o que seria isso? O que tivemos nos tempos da Lei Falcão?
Conta uma lenda, corrente entre profissionais de comunicação política, que quem inspirou essa cláusula foi o hoje governador José Serra. Depois de amargar uma derrota para Celso Pitta em 1996, voltou ao Senado e se dedicou a brigar contra aquilo que achava que a explicava.
Se for verdade a história, a causa dessa maneira estranha de encarar as inserções seria o efeito “fura-fila”. Para quem não se lembra, foi apenas uma invenção de Duda Mendonça, um trenzinho que percorria São Paulo em computação gráfica, prometendo algo que Pitta, seu cliente, nunca fez e nem faria. Serra foi atropelado pelo fura-fila (nem foi para o segundo turno) e quis se vingar dos marqueteiros, proibindo as “trucagens” nas inserções (o que quer que isso signifique). Não conseguiu, pois eles são mais espertos.
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