Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO
"Ele lutou muito e por muito tempo nessa campanha. Ele lutou ainda mais e por mais tempo ainda por esse país que ama. Ele enfrentou sacrifícios pela América que a maioria de nós nem pode começar a imaginar. Nós estamos melhores graças aos serviços desse líder corajoso e altruísta".
O trecho de seu primeiro discurso em que o presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama, se refere ao seu adversário, tem várias traduções. Uma delas é que a mesma democracia que convive com sistemas arcaicos de votação e um colégio eleitoral que pode se contrapor ao voto popular, não abre mão da reverência à instituição da Presidência da República. É também uma tradução possível para o discurso de John McCain - "Ele era meu oponente, agora é meu presidente".
Esta reverência reflete a confiança, na pátria do capitalismo, de que é o poder político que comandará as saídas da crise. E são saídas que apontam para a não conformidade do Estado americano com uma revisão da organização financeira mundial que ponha em questão, por exemplo, a centralidade do dólar.
O tema, que vai dominar a transição Bush-Obama, já começou, com a atuação do Tesouro americano, o FED e o FMI, de garantir liquidez dos bancos centrais mundo afora, como demonstrou José Luís Fiori, em artigo neste Valor (05/11/2008). É uma iniciativa de tanto significado para o futuro das relações do governo americano com a ordem financeira internacional quanto o foi o histórico discurso do então candidato em Berlim para a Obamania mundial.
Outra tradução do discurso é o pragmatismo que deve nortear o seu governo. Se os desastrosos anos Bush, a crise econômica sem precedentes e as mudanças demográficas de um país mais jovem e miscigenado, foram determinantes para sua eleição, é da busca de convergências com os Republicanos rumo à conquista do centro político do Congresso que depende seu governo.
Esse centro foi mais radicalmente abandonado pelo único presidente eleito sem a maioria popular dos últimos 132 anos da história americana. Na era republicana dos anos Bush no Congresso, o governo foi capaz de reduzir a carga fiscal do Estado, aliviando a taxação sobre grandes empresas, aumentando os gastos militares e diminuindo as despesas com saúde pública e previdência, que afetaram a vida da maioria da população.
"Desde o pós-guerra, o Congresso americano funcionou à base de coalizões interpartidárias, que possibilitaram os avanços ora da agenda republicana, ora da democrata. Isso acabou com a era Reagan. O governo Clinton foi muito difícil do ponto de vista congressual e, com o Bush Jr., as divisões interpartidárias ficaram mais radicalizadas", diz o professor Fabiano Santos, que ministra o curso de Política Contemporânea nos EUA na pós-graduação do Iuperj.
Filho dessa convergência política que, a partir dos anos 60, possibilitou a ampliação da agenda dos direitos civis nos Estados Unidos, é a ela que Barack Obama terá que recorrer para governar.
Ainda que sem a composição final do Congresso americano, dado o atraso na apuração, não havia ontem apostas de que os democratas teriam a maioria de 60 cadeiras no Senado, capaz de derrubar obstruções republicanas na Casa.
Fabiano Santos não vê como Obama possa colocar em ação seus planos de soerguimento da economia americana sem reverter as isenções fiscais concedidas a grandes conglomerados. E acredita que o presidente eleito tem habilidade política suficiente para fazer uso da legitimidade popular conquistada nas urnas e dobrar a resistência republicana no Congresso.
"Nem ele nem a bancada democrata são totalmente identificados com teses liberais, mas deverá haver momentos de maior radicalismo para que a polarização que hoje domina o Congresso retorne ao status quo do centro", diz Santos.
O professor do Iuperj acredita que as iniciativas parlamentares do presidente eleito podem vir a ser facilitadas pelo enfraquecimento, decorrente da crise econômica, dos grupos de pressão neoconservadores que oxigenaram ao longo desses últimos anos os extremismos da bancada republicana.
Sempre haverá o risco de esses grupos de extrema direita, desalojados do jogo institucional no Congresso, recorrerem à sociedade civil organizada - muitas vezes rude e violenta - para dar sobrevivência à agenda neoconservadora.
Um poderoso antídoto para isso está no comparecimento inédito do eleitor americano nesta que foi a verdadeira superterça. A tradicional apatia eleitoral, no país do faça-você-mesmo, foi sacolejada quando o Estado apontou os mísseis para seu próprio território ao empreender uma guerra que se dizia santa.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras
DEU NO VALOR ECONÔMICO
"Ele lutou muito e por muito tempo nessa campanha. Ele lutou ainda mais e por mais tempo ainda por esse país que ama. Ele enfrentou sacrifícios pela América que a maioria de nós nem pode começar a imaginar. Nós estamos melhores graças aos serviços desse líder corajoso e altruísta".
O trecho de seu primeiro discurso em que o presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama, se refere ao seu adversário, tem várias traduções. Uma delas é que a mesma democracia que convive com sistemas arcaicos de votação e um colégio eleitoral que pode se contrapor ao voto popular, não abre mão da reverência à instituição da Presidência da República. É também uma tradução possível para o discurso de John McCain - "Ele era meu oponente, agora é meu presidente".
Esta reverência reflete a confiança, na pátria do capitalismo, de que é o poder político que comandará as saídas da crise. E são saídas que apontam para a não conformidade do Estado americano com uma revisão da organização financeira mundial que ponha em questão, por exemplo, a centralidade do dólar.
O tema, que vai dominar a transição Bush-Obama, já começou, com a atuação do Tesouro americano, o FED e o FMI, de garantir liquidez dos bancos centrais mundo afora, como demonstrou José Luís Fiori, em artigo neste Valor (05/11/2008). É uma iniciativa de tanto significado para o futuro das relações do governo americano com a ordem financeira internacional quanto o foi o histórico discurso do então candidato em Berlim para a Obamania mundial.
Outra tradução do discurso é o pragmatismo que deve nortear o seu governo. Se os desastrosos anos Bush, a crise econômica sem precedentes e as mudanças demográficas de um país mais jovem e miscigenado, foram determinantes para sua eleição, é da busca de convergências com os Republicanos rumo à conquista do centro político do Congresso que depende seu governo.
Esse centro foi mais radicalmente abandonado pelo único presidente eleito sem a maioria popular dos últimos 132 anos da história americana. Na era republicana dos anos Bush no Congresso, o governo foi capaz de reduzir a carga fiscal do Estado, aliviando a taxação sobre grandes empresas, aumentando os gastos militares e diminuindo as despesas com saúde pública e previdência, que afetaram a vida da maioria da população.
"Desde o pós-guerra, o Congresso americano funcionou à base de coalizões interpartidárias, que possibilitaram os avanços ora da agenda republicana, ora da democrata. Isso acabou com a era Reagan. O governo Clinton foi muito difícil do ponto de vista congressual e, com o Bush Jr., as divisões interpartidárias ficaram mais radicalizadas", diz o professor Fabiano Santos, que ministra o curso de Política Contemporânea nos EUA na pós-graduação do Iuperj.
Filho dessa convergência política que, a partir dos anos 60, possibilitou a ampliação da agenda dos direitos civis nos Estados Unidos, é a ela que Barack Obama terá que recorrer para governar.
Ainda que sem a composição final do Congresso americano, dado o atraso na apuração, não havia ontem apostas de que os democratas teriam a maioria de 60 cadeiras no Senado, capaz de derrubar obstruções republicanas na Casa.
Fabiano Santos não vê como Obama possa colocar em ação seus planos de soerguimento da economia americana sem reverter as isenções fiscais concedidas a grandes conglomerados. E acredita que o presidente eleito tem habilidade política suficiente para fazer uso da legitimidade popular conquistada nas urnas e dobrar a resistência republicana no Congresso.
"Nem ele nem a bancada democrata são totalmente identificados com teses liberais, mas deverá haver momentos de maior radicalismo para que a polarização que hoje domina o Congresso retorne ao status quo do centro", diz Santos.
O professor do Iuperj acredita que as iniciativas parlamentares do presidente eleito podem vir a ser facilitadas pelo enfraquecimento, decorrente da crise econômica, dos grupos de pressão neoconservadores que oxigenaram ao longo desses últimos anos os extremismos da bancada republicana.
Sempre haverá o risco de esses grupos de extrema direita, desalojados do jogo institucional no Congresso, recorrerem à sociedade civil organizada - muitas vezes rude e violenta - para dar sobrevivência à agenda neoconservadora.
Um poderoso antídoto para isso está no comparecimento inédito do eleitor americano nesta que foi a verdadeira superterça. A tradicional apatia eleitoral, no país do faça-você-mesmo, foi sacolejada quando o Estado apontou os mísseis para seu próprio território ao empreender uma guerra que se dizia santa.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras
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