Merval Pereira
DEU EM O GLOBO
DEU EM O GLOBO
NOVA YORK. O mais impressionante para nós, brasileiros, neste caso da prisão do governador de Illinois, Rod Blagojevich, acusado de negociar uma vaga no Senado por vantagens pessoais e políticas, é imaginar que esse tipo de "negociação" acontece no Brasil todos os dias, em todos os níveis governamentais, e ninguém vai preso. Ao contrário, há quem defenda tecnicamente esse tipo de "pragmatismo" político, alegando ser natural nas negociações partidárias a obtenção de cargos em troca de vantagens pessoais, seja um bom emprego público - o caso mais recente e escandaloso foi a pressão do PMDB do Rio para ficar com a presidência de Furnas -, seja um lugar no Ministério.
Agora mesmo estão em todos os noticiários sobre a sucessão das presidências da Câmara e do Senado supostas exigências do PMDB, nunca desmentidas, para não apresentar candidato que confronte o petista Tião Vianna.
No caso dos Estados Unidos, o procurador federal Patrick Fitzgerald disse que a conduta do governador democrata "faria Lincoln se contorcer na tumba", em referência ao ex-presidente americano Abraham Lincoln, que foi senador por Illinois.
O governador também foi acusado de usar os poderes do estado para constranger ilegalmente a empresa proprietária do jornal "Chicago Tribune", numa tentativa de forçar uma mudança editorial e a demissão de críticos de seu governo.
Também pesam sobre Blagojevich, solto sob fiança no final do dia, acusações de favorecer com vantagens pessoais e materiais seus financiadores de campanha eleitoral. Nada que nos seja estranho.
O procurador federal classificou a situação como um caso de corrupção disseminada que tem que ser contida. Mas o governador já disse que não renunciará e garantiu que fez apenas política. O que no Brasil, e mesmo aqui nos EUA, amplos setores consideram uma atitude normal, foi considerado uma tentativa de vender uma cadeira do Senado.
Pela legislação eleitoral americana, geralmente cabe ao governador indicar o substituto de um senador que deixe o posto na metade de seu mandato, até a realização das próximas eleições, em 2010.
É o caso não apenas do presidente eleito, Barack Obama, cuja substituição estava sendo negociada pelo governador, como o do vice-presidente, Joe Biden, e da futura secretária de Estado Hillary Clinton. A substituição de Biden foi tranqüila, mas claramente com sua participação. A governadora de Delaware, Ruth Ann Minner, indicou Edward Kaufman, chefe da equipe do senador há 19 anos e seu amigo pessoal. Não se sabe se a governadora ganhou alguma regalia do vice-presidente.
Houve ainda um momento de nepotismo explícito, evitado por uma atitude digna do filho do vice-presidente eleito. Ele externou publicamente seu desejo de que seu filho fosse indicado para seu lugar. Joseph Biden III, capitão da 261ª brigada do Exército da Guarda Nacional de Delaware e também procurador-geral do Estado, não aceitou a sugestão e partiu para o Iraque com sua brigada. Disse que, caso um dia queira entrar para o Senado, disputará por conta própria uma cadeira.
O governador de Nova York, David Alexander Paterson, está decidindo a substituição de Hillary, e um nome forte é o de Caroline Kennedy, filha do ex-presidente John Kennedy e que teve atuação importante na campanha de Obama.
Foi justamente na substituição do presidente eleito que surgiu a confusão. Há indicações de que Obama gostaria de ver no cargo sua assessora Valerie Jarrett, cotada para um cargo na Casa Branca. No melhor estilo "fisiológico", Blagojevich foi grampeado falando uma linguagem chula, classificando de uma "oportunidade de ouro" a definição da vaga no Senado.
Segundo ele disse ao telefone, a decisão poderia lhe valer um cargo importante no futuro governo Obama - ele chegou a citar o cargo de ministro da Saúde - ou então um emprego de "seis números" (na casa do milhão de dólares por ano) com o apoio do milionário investidor Warren Buffet, muito próximo a Obama.
Numa das conversas com assessores, Blagojevich alega que o cargo é muito valioso "e não se abre mão de uma coisa dessas por nada". Chegou a ameaçar nomear-se para o Senado caso não obtivesse alguma vantagem pessoal na escolha, e queixou-se de que a assessoria do presidente eleito não parecia disposta a oferecer nada em troca "a não ser agradecimentos".
A solução americana para substituição de um parlamentar não parece ser das mais sábias, pois implica a indicação de um "sem-voto" por um governador com amplos poderes. No fim, acaba dando quase na mesma situação do Senado do Brasil, em que o suplente, que não foi eleito e que geralmente entrou na chapa apenas por financiar o candidato, ou por ser seu parente, acaba exercendo o mandato sem ter recebido um voto sequer. Aqui, pelo menos, o indicado fica apenas o tempo de disputar uma próxima eleição, e tem que confirmar nas urnas a escolha.
Achei interessante a explicação oficial do Palácio do Planalto sobre a exclusão do texto oficial da expressão "sifu" dita pelo presidente Lula em recente discurso. O que aconteceu não foi um expurgo para salvar o presidente de seu linguajar perante a história oficial, mas apenas uma falta de entendimento de "senhoras" que fazem a transcrição dos discursos oficiais.
Segundo o Planalto, essas "senhoras" desconheciam o significado daquela palavra, e tascaram um "inaudível" em seu lugar. Além de puritanas, são desleixadas essas "senhoras", pois não se deram ao trabalho de tentar entender o que o presidente estava querendo dizer.
Fica, no entanto, demonstrado que o presidente Lula não pode falar em público uma linguagem de botequim, pois fere os ouvidos dos que sabem do que se trata o termo chulo que utilizou, ou não se fará entender. Sem saber o que é "sifu", ninguém riria da brincadeira do presidente. E, mais grave, não seria informado de que o país "sifu".
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