Vamos supor que a crise chegue pra valer, atropelando o governo. Não há garantia de que Serra e Aécio serão os mais beneficiados
Durante todo o seu período de bonança, a economia brasileira (centrada no controle da inflação, no superávit fiscal e no câmbio flutuante) parecia blindada em relação à política, apesar das duras críticas de setores empresariais, da oposição e até no interior do governo às altas taxas de juros. Porém, o mundo desabou e a política propriamente dita recuperou sua centralidade. No Brasil, tudo parecia de cabeça para baixo, com a política nacional blindada em relação à crise econômica. Até que as pesquisas de opinião divulgadas no final da semana se encarregaram de desnudar a mudança de humor na sociedade. No Ibope, a avaliação positiva do governo caiu 13 pontos. No Datafolha, caiu cinco pontos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo assim, mantém grande popularidade. Mas colocou as barbas de molho. Sabe que não está surfando uma marolinha, conduz a nau governista num mar proceloso e desconhecido.
Humores
O governo finalmente percebeu que o Brasil não está à margem da crise ou atingido brandamente por ela. A crise chegou, é mais profunda do que se imaginava e atinge em cheio o setor exportador, do agronegócio às empresas de alta tecnologia. O lado mais globalizado da nossa economia foi abalado de duas maneiras: primeiro, pela retração do mercado mundial; segundo, pela desvalorização cambial. Não se conhece toda a extensão dos prejuízos das grandes empresas do setor com a especulação financeira, mas toda hora surge uma novidade. É o que está por trás de boa parte das dificuldades de gigantes do setor, como a Embraer e a Sadia, só para citar dois exemplos robustos.
O humor da sociedade mudou por causa da onda de desemprego no país. O principal sintoma é a desconfiança de investidores, produtores e consumidores em relação ao futuro imediato. O impacto da retração econômica na arrecadação federal já obrigou o governo a cair na real e rever o orçamento da União. Isso funciona como uma bola de neve, pois as receitas estaduais e municipais também estão desabando. Em pequenos municípios, prefeituras estão fechando as portas. Aqui no Distrito Federal, que parecia à margem da crise, os repasses federais para o GDF foram reduzidos, provocando cortes de investimentos, suspensão de concursos e de aumentos salariais. Inevitavelmente, haverá impacto na atividade econômica. Em estados como São Paulo e Minas, com mais dinamismo econômico, o problema do desemprego tende a retrair ainda o mercado, reduzir a arrecadação, elevar de índices de criminalidade e insatisfação social.
Desgastes
O sinal mais importante da pesquisa de opinião em relação ao prestígio do governo Lula é a queda de popularidade junto à população de mais baixa renda, aquela que foi até hoje o foco principal das políticas sociais do governo, com projetos como Bolsa Família e Luz para Todos. Teoricamente, esses setores deveriam ser preservados do desgaste provocado pela crise, seja pela empatia que têm com o presidente Lula, seja pelo fato de que não houve mudança na política de transferência de renda do governo federal. A única explicação para essa mudança é a retração generalizada da atividade econômica. É ilusão avaliar que o desgaste atingirá apenas o governo Lula. Governadores e prefeitos também vão pagar o preço da crise, em maior ou menor escala. Tudo vai depender das atitudes de cada um.
É por essa razão que tenho minhas dúvidas quanto aos benefícios que a oposição poderia colher com o agravamento da crise econômica. O “quanto pior, melhor” pode ser uma grande roubada para quem divide responsabilidade de governo, como acontece com os governadores de São Paulo, José Serra, e de Minas, Aécio Neves, ambos do PSDB, que postulam a posição de candidato da oposição. A crise mudou os planos do governo federal, que trabalhava com um cenário róseo para a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, mas agora já sabe que precisa ter foco na crise, para a casa não cair. Mas a situação não se alterou a ponto de inviabilizar o projeto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de eleger seu sucessor. Tudo vai depender da evolução da crise e da competência do governo na condução da economia.
Mas vamos supor que a crise chegue pra valer, com a recessão atropelando o governo. Não há garantia de que Serra e Aécio serão os mais beneficiados. Dependendo da situação social em seus estados, podem ser levados de roldão junto com Dilma. Um cenário de desastre, teoricamente, pode favorecer quem está fora dessa polarização, como o deputado Ciro Gomes (PSDB) ou Heloisa Helena (PSol), que se mantêm teimosamente em boa posição nas pesquisas. Mas o “salvacionismo” mesmo não seria a eleição de nenhum dos dois, seria um terceiro mandato para o presidente Lula, que continuaria sendo o político de maior prestígio no país. É o risco do “quanto pior, melhor”.
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