domingo, 28 de fevereiro de 2010

Cliente de Dirceu usou BNDES na Eletronet

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Negociação entre AES e o banco, em 2003, abriu espaço para entrada da Contem na Eletronet, cujo sócio é Nelson dos Santos

Empresário intermediou acordo com BNDES pela AES e foi escalado pela companhia para fazer contatos com o PT, quando conheceu Dirceu

Julio Wiziack e Marcio Aith

Ex-cliente de José Dirceu, o empresário Nelson dos Santos usou o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), em 2003, para permitir a entrada do grupo Contem na Eletronet, empresa com uma rede de 16 mil quilômetros de fibras ópticas, que o governo quer utilizar como "espinha dorsal" do PNBL (Plano Nacional de Banda Larga).

Naquela época, eram sócios da Eletronet o governo, por meio da Lightpar, com 49% de participação, e a AES, com 51%. Uma crise financeira na matriz levou a companhia norte-americana a desinvestir, deixando, no Brasil, de pagar empréstimos ao BNDES. A dívida chegou a US$ 1,2 bilhão.

Nessa fase, Nelson dos Santos passou a atuar com o BNDES como consultor da AES Corporation, negociando a dívida. Santos já era próximo ao então presidente mundial da AES, Joseph Brandt, e foi escalado para construir relações dentro do PT. Foi quando ele conheceu José Dirceu.

As negociações entre a AES e o BNDES começaram em 2003, na gestão do então presidente do banco, Carlos Lessa. Em agosto, o acordo foi fechado: a instituição assumiria metade da dívida da AES, que investiria na criação de uma companhia.

Batizada de Brasiliana, ela seria formada pela parte boa da AES Tietê, da AES Uruguaiana e da AES Eletropaulo. O BNDES participaria como sócio ao transformar metade da dívida assumida em ações.

O fator Eletronet

Nesse período, a Eletronet já estava em processo de falência, tendo o advogado Isaac Zveiter sido nomeado síndico da massa falida pela Justiça.

Sabendo que a AES pretendia se retirar da Eletronet, algo que poderia prejudicar os credores da companhia, Zveiter pediu à Justiça arresto das ações da AES Eletropaulo (pivô da renegociação das dívidas), travando a reestruturação da empresa.

A Folha apurou que, naquele momento, Santos surgiu com a solução: retirar a AES da Eletronet e transferir os 51% da companhia ao grupo Contem.

Esse arranjo permitiria que a massa falida passasse a contar com uma empresa sólida de quem pudesse cobrar. A ação de arresto foi então derrubada, e o BNDES concluiu a reestruturação da AES em dezembro.

Dois anos após esse acerto, Santos comprou 25% da Eletronet do grupo Contem por R$ 1 e, seis meses depois, tornou-se sócio dessa empresa, sem desembolsar por isso.

O BNDES afirma que negociou com a AES somente a reestruturação dela no país e que a Eletronet não fez parte do acordo nem dos ativos da Brasiliana. Por meio de nota, o banco informou que esse processo permitiu reverter potencial prejuízo em lucro.

Procurados, Nelson dos Santos, Ítalo Barioni, dono do grupo Contem, e o advogado Isaac Zveiter não responderam até o fechamento desta edição.

José Dirceu

Entre 2007 e 2009, Santos contratou o ex-ministro José Dirceu por um total de R$ 620 mil, como revelou a Folha. Dirceu e Santos declararam que o dinheiro não foi para lobby, mas para pagamento por serviços de consultoria.

Quando foi ministro, entre 2003 e 2005, Dirceu participou ativamente do debate no governo sobre a reutilização das fibras da Eletronet. Em 2006, após sua saída, o governo planejou reativá-la com a Telebrás para levar a internet a regiões não cobertas pelas teles.

Essas informações chegaram ao mercado, provocando alta das ações da estatal de telecomunicações, que ficou sem função desde a privatização do setor, em 1998. Entre 31 de dezembro de 2002 e 8 de fevereiro de 2010, foram 35.000% de valorização, contando juros e dividendos sobre o capital.

Em dezembro do ano passado, o governo obteve decisão judicial que transferiu as fibras da Eletronet à União mediante depósito de R$ 270 milhões em caução aos fornecedores das fibras e dos equipamentos.

Em janeiro, os credores recorreram, alegando não terem recebido o dinheiro. A contenda continua. Sem resolver a disputa pelas fibras, o governo não tem como lançar o PNBL livre do risco de perdê-las.

Nelson dos Santos afirma que tem direito a receber cerca de R$ 200 milhões como indenização, caso a Eletronet não seja reativada.

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