DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
O socorro financeiro de governos de países ricos a grandes bancos afetados pela crise animou integrantes do PT e do governo Lula a tirarem do baú convicções que foram forçados a esconder por 20 anos com a derrota do velho socialismo e a queda do Muro de Berlim. Com a euforia de quem passou esse tempo na retranca e agora vai à forra, a ministra Dilma Rousseff e o assessor especial de Lula Marco Aurélio Garcia condenaram a economia de mercado e aproveitaram para defender e justificar a presença forte do Estado na economia. Dilma chegou a afirmar que a ideia de livre mercado está fora de moda.
No afã de partir para o ataque, os dois esqueceram de criticar o que merece ser criticado e corrigido e se destrambelharam em análises apressadas e inadequadas. Onde o socorro financeiro ocorreu - EUA, Europa e Japão - não se cogita abrir mão da economia de mercado, e propostas na direção de estatizar os bancos que receberam socorro foram rejeitadas pelos governantes.
Nessa crise, erraram os bancos centrais, o BIS, que os supervisiona, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e as agências de risco - que não regularam, não fiscalizaram, não anteviram nem preveniram a crise. Essa cadeia de omissões, aliada à ganância por lucro elevado e rápido, incentivou executivos financeiros a fazerem apostas erradas e milionárias, num jogo especulativo e irresponsável com dinheiro alheio, que acabaram por criar uma situação de quebradeiras em série, em que os governos tiveram de intervir para evitar o pior.
Menos do que o tamanho da crise recomenda, governos e bancos centrais buscam agora corrigir seus erros submetendo o mercado a regras de regulação e fiscalização. Isso, sim, merece ser duramente criticado e corrigido e os especuladores, julgados. Não ensejar o ingênuo e ultrapassado desejo de recuperar para o Estado o papel de empresário - modelo derrotado nos países da União Soviética e do Leste Europeu e que só sobreviveu com a população silenciada, sem liberdade, sem direito a votar nem opinar. Modelo que atrofiou a economia, não produziu riquezas nem novas tecnologias. Nele, a população estava condenada à pobreza, os salários eram baixíssimos, não havia previdência para os idosos nem direitos trabalhistas para os trabalhadores.
Quando Nikita Kruchev e depois Mikhail Gorbachev começaram a destampar e remexer seu conteúdo, dessa panela transbordou o que ficou escondido por décadas: milhares de opositores assassinados, corrupção disseminada entre governantes e burocratas, gestões medíocres e incompetentes, empresas paralisadas e acomodadas, tecnologia primitiva, pobreza espalhada pela população e um gigante e rico poderio bélico-militar a sustentar a guerra fria.
No Brasil, empresas estatais foram criadas em dois momentos. Por Getúlio Vargas, a partir da década de 40, com Vale, Petrobrás e CSN. Foi o que deu impulso à industrialização - o que, na época, seria quase impossível fazer sem a participação do Estado. Juscelino Kubitschek acelerou a industrialização atraindo empresas privadas estrangeiras. Hoje reverenciado à esquerda e à direita, na época foi xingado de entreguista.
Num segundo momento, as estatais ganharam espaço e musculatura com a ditadura militar de 1964. Telebrás, Siderbrás, subsidiárias da Petrobrás, Eletrobrás vitaminada, bancos estaduais, enfim, centenas de estatais criadas pelos generais ditadores, num modelo típico de capitalismo de Estado, uma vez que defensores do socialismo eram reprimidos, presos e torturados.
A quem serviram as estatais? Hoje, com o distanciamento do tempo e centenas de casos conhecidos de corrupção, escândalos financeiros e uso político, é possível dizer que as estatais serviram muito mais a presidentes, governadores, prefeitos, deputados, senadores e seus amigos do que aos brasileiros.
As distribuidoras de energia elétrica e os bancos estaduais eram descaradamente usados como caixa de governadores para financiar campanhas eleitorais. O setor elétrico (Eletrobrás e subsidiárias) foi por anos feudo do senador baiano Antonio Carlos Magalhães, transferido depois para o senador José Sarney. A Telebrás e as telefônicas estaduais eram inchadas de apadrinhados, prestavam favores aos políticos, enquanto a população mendigava uma linha telefônica, que custava R$ 5 mil.
Pois agora, com todo esse lamentável histórico, em vez de um programa de governo para a banda larga, Lula e Dilma querem ressuscitar a Telebrás e criar uma nova estatal de fertilizantes. Para quê?
*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio
O socorro financeiro de governos de países ricos a grandes bancos afetados pela crise animou integrantes do PT e do governo Lula a tirarem do baú convicções que foram forçados a esconder por 20 anos com a derrota do velho socialismo e a queda do Muro de Berlim. Com a euforia de quem passou esse tempo na retranca e agora vai à forra, a ministra Dilma Rousseff e o assessor especial de Lula Marco Aurélio Garcia condenaram a economia de mercado e aproveitaram para defender e justificar a presença forte do Estado na economia. Dilma chegou a afirmar que a ideia de livre mercado está fora de moda.
No afã de partir para o ataque, os dois esqueceram de criticar o que merece ser criticado e corrigido e se destrambelharam em análises apressadas e inadequadas. Onde o socorro financeiro ocorreu - EUA, Europa e Japão - não se cogita abrir mão da economia de mercado, e propostas na direção de estatizar os bancos que receberam socorro foram rejeitadas pelos governantes.
Nessa crise, erraram os bancos centrais, o BIS, que os supervisiona, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e as agências de risco - que não regularam, não fiscalizaram, não anteviram nem preveniram a crise. Essa cadeia de omissões, aliada à ganância por lucro elevado e rápido, incentivou executivos financeiros a fazerem apostas erradas e milionárias, num jogo especulativo e irresponsável com dinheiro alheio, que acabaram por criar uma situação de quebradeiras em série, em que os governos tiveram de intervir para evitar o pior.
Menos do que o tamanho da crise recomenda, governos e bancos centrais buscam agora corrigir seus erros submetendo o mercado a regras de regulação e fiscalização. Isso, sim, merece ser duramente criticado e corrigido e os especuladores, julgados. Não ensejar o ingênuo e ultrapassado desejo de recuperar para o Estado o papel de empresário - modelo derrotado nos países da União Soviética e do Leste Europeu e que só sobreviveu com a população silenciada, sem liberdade, sem direito a votar nem opinar. Modelo que atrofiou a economia, não produziu riquezas nem novas tecnologias. Nele, a população estava condenada à pobreza, os salários eram baixíssimos, não havia previdência para os idosos nem direitos trabalhistas para os trabalhadores.
Quando Nikita Kruchev e depois Mikhail Gorbachev começaram a destampar e remexer seu conteúdo, dessa panela transbordou o que ficou escondido por décadas: milhares de opositores assassinados, corrupção disseminada entre governantes e burocratas, gestões medíocres e incompetentes, empresas paralisadas e acomodadas, tecnologia primitiva, pobreza espalhada pela população e um gigante e rico poderio bélico-militar a sustentar a guerra fria.
No Brasil, empresas estatais foram criadas em dois momentos. Por Getúlio Vargas, a partir da década de 40, com Vale, Petrobrás e CSN. Foi o que deu impulso à industrialização - o que, na época, seria quase impossível fazer sem a participação do Estado. Juscelino Kubitschek acelerou a industrialização atraindo empresas privadas estrangeiras. Hoje reverenciado à esquerda e à direita, na época foi xingado de entreguista.
Num segundo momento, as estatais ganharam espaço e musculatura com a ditadura militar de 1964. Telebrás, Siderbrás, subsidiárias da Petrobrás, Eletrobrás vitaminada, bancos estaduais, enfim, centenas de estatais criadas pelos generais ditadores, num modelo típico de capitalismo de Estado, uma vez que defensores do socialismo eram reprimidos, presos e torturados.
A quem serviram as estatais? Hoje, com o distanciamento do tempo e centenas de casos conhecidos de corrupção, escândalos financeiros e uso político, é possível dizer que as estatais serviram muito mais a presidentes, governadores, prefeitos, deputados, senadores e seus amigos do que aos brasileiros.
As distribuidoras de energia elétrica e os bancos estaduais eram descaradamente usados como caixa de governadores para financiar campanhas eleitorais. O setor elétrico (Eletrobrás e subsidiárias) foi por anos feudo do senador baiano Antonio Carlos Magalhães, transferido depois para o senador José Sarney. A Telebrás e as telefônicas estaduais eram inchadas de apadrinhados, prestavam favores aos políticos, enquanto a população mendigava uma linha telefônica, que custava R$ 5 mil.
Pois agora, com todo esse lamentável histórico, em vez de um programa de governo para a banda larga, Lula e Dilma querem ressuscitar a Telebrás e criar uma nova estatal de fertilizantes. Para quê?
*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio
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