sexta-feira, 3 de setembro de 2010

STF amplia liberdade à imprensa nas eleições

DEU EM O GLOBO

Numa decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou ontem, por unanimidade, a decisão do ministro Ayres Britto que, semana passada, derrubara a censura ao humor nas eleições. O plenário foi além, deixando claro que a legislação não deve fazer restrições à liberdade de expressão, inclusive na propaganda eleitoral partidária.

STF mantém decisão que libera humor

Por unanimidade, ministros do Supremo suspendem censura a programas humorísticos durante a campanha

Demétrio Weber

BRASÍLIA. Por unanimidade, os nove ministros presentes à sessão plenária de ontem do Supremo Tribunal Federal (STF) aceitaram pedido da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e mantiveram decisão, dada na semana passada em caráter liminar pelo ministro Carlos Ayres Britto, que suspende a censura ao humor durante a campanha eleitoral. As restrições estavam previstas em legislação de 1997, agora derrubadas pelo STF.

A liminar de Ayres Britto fora concedida na última quinta-feira, e precisava ser referendada pelo plenário. Embora tenham atendido unanimemente ao pedido da Abert, os ministros divergiram sobre como fazer isso. Por 6 votos a 3, prevaleceu a posição do relator Ayres Britto, que propôs retirar da Lei Eleitoral (9.504/1997) os trechos que afetavam diretamente os programas humorísticos - ao proibir o uso de montagens e trucagens - e vedavam a veiculação de opiniões sobre candidatos e partidos. Os seis ministros da tese vencedora foram além e cortaram ainda dois parágrafos que definem o que é montagem e trucagem.

Liderados pelo ministro Marco Aurélio Mello, os outros três ministros entenderam que não seria necessário cortar trechos da lei, mas simplesmente deixar claro que, à luz da Constituição, eles não restringem a produção de programas humorísticos e a programação das emissoras.

Miro: "É o direito do povo à informação verdadeira"

Dois deles - os ministros José Antônio Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, este último presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) - chegaram a apresentar voto parcialmente contrário ao pedido da Abert, mas, quase ao fim do julgamento, reviram sua posição e seguiram Marco Aurélio.

O julgamento de ontem começou na quarta-feira, quando os ministros ouviram o advogado da Abert, Gustavo Binenbojm, e o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), que atua como colaborador nessa ação, além do procurador-geral da República, Roberto Gurgel.

- Temos um regime de liberdade absoluta, exceto no período eleitoral - disse Miro. - É o direito do povo à informação verdadeira, não é o direito do acionista, do jornalista. É o direito do povo.

O referendo à liminar, ontem, não substitui o julgamento de mérito. Em data ainda a ser marcada, o Supremo julgará o caso em definitivo.

Ayres Britto disse que os dispositivos da Lei Eleitoral suspensos ontem são inconstitucionais. Ao apresentar seu voto, disse que a primeira pergunta que se fez foi se o humor pode ser considerado uma atividade de imprensa. Se a resposta fosse afirmativa - como, segundo ele, acabou sendo - seria o caso de aplicar o mesmo entendimento adotado pelo Supremo na decisão que declarou inconstitucional a Lei de Imprensa. Para o ministro-relator, a norma questionada censura o humor:

- Tanto programas de humor, como o humor em qualquer programa, ainda que não seja programa específico de humor, mesmo em noticiários.

Ele contou qual tinha sido a reação do presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, ao ser informado sobre o assunto, ainda na semana passada, quando concedeu a liminar ontem referendada:

- Mas vedar o humor é uma piada - dissera Peluso, segundo Ayres Britto.

O ministro Celso de Mello, penúltimo a votar, afirmou:

- O riso deve ser levado a sério. O humor é uma forma irônica de ridicularizar as condutas condenáveis. Se não se pode fazer outra coisa, zombe daqueles que se embaraçam na vida pública e não sabem distinguir o que é do povo e o que é interesse próprio.

O Supremo suspendeu o inciso 2 e parte do inciso 3 do artigo 45 da Lei Eleitoral (nº 9.504/1997), além dos parágrafos 4 e 5 do mesmo artigo. Eles incidem sobre o período que antecede as eleições, isto é, de 6 de julho até o dia da votação. O inciso 2 proíbe as emissoras de rádio e TV de "usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação, ou produzir ou veicular programa com esse efeito".

A liminar suspendeu também a eficácia da segunda parte do inciso 3, que proibia as emissoras de "difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes". Ao retirarem os dois trechos, os ministros decidiram também, por lógica jurídica, anular os parágrafos 4 e 5 do artigo 45. Esses parágrafos foram incluídos na Lei Eleitoral em 2009, na minirreforma aprovada pelo Congresso, e definem o que é trucagem e montagem.

- Afrontavam a liberdade de imprensa de permitir a livre crítica aos poderes - disse o ministro Gilmar Mendes.

Trucagens e montagens liberadas no horário gratuito

Tóffoli e Lewandowski, por sua vez, afirmaram que a exclusão do inciso 2 do artigo 45 afeta outro trecho da lei, especificamente o que trata da proibição de que a propaganda eleitoral de candidatos e partidos faça uso de trucagens e montagens. Isso porque o artigo 55, que veda esse tipo de recurso à propaganda no horário eleitoral, faz menção ao inciso 2 suspenso pela liminar.

- Liberamos a propaganda eleitoral no horário gratuito. Vamos ter que fazer sessões extraordinárias às segundas-feiras (no TSE) - disse Lewandowski, referindo-se a trucagens e montagens.

Tóffoli argumentou que a Lei Eleitoral não proíbe críticas e que, se houve censura por parte das emissoras em decorrência da atual legislação, foi uma autocensura. Ele enfatizou que, "nos rincões" do Brasil, a disputa eleitoral não obedece aos mesmos princípios de lisura do pleito presidencial e que muitos políticos são donos de emissoras de rádio:

- Grande parte das rádios no Brasil está nas mãos de políticos - disse Tóffoli. - Vive-se no Brasil o famoso mito da independência dos meios de comunicação social.

Ele destacou ainda que as regras suspensas pela liminar são previstas na legislação brasileira desde 1993, antes mesmo de serem incorporadas na Lei 9.504, de 1997.

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