Esforços bem-sucedidos de contenção de gasto público requerem muito mais do que anúncios espalhafatosos de cortes de dispêndio. Exigem determinação e tenacidade para que as intenções de austeridade não se esvaiam ao longo do ano, ao sabor das pressões políticas, no dia a dia da disputa orçamentária. Se o governo não tiver clareza sobre a razão do programa de corte de dispêndio e convicção sobre sua necessidade, é difícil que o esforço de contenção de gastos possa ser levado a bom termo.
Os excessos de 2010 legaram ao novo governo um quadro problemático de sobreaquecimento da economia, que terá de ser superado para que a inflação possa ser trazida de volta à meta. Seria muito bom para o País se, ao lidar com o desafio de arrefecer a demanda, o Banco Central pudesse contar com alguma ajuda pelo lado da política fiscal.
É esse diagnóstico, respaldado por amplo consenso, que parece ter inspirado o anúncio de corte de gastos feito pelo governo. Mas tudo indica que a inspiração foi mais do Planalto - ou, mais especificamente, da Casa Civil - do que do Ministério da Fazenda. A impressão que se tem é que, embora até venha tentando manter as aparências, a equipe da Fazenda não tem conseguido disfarçar suas resistências à inflexão de política fiscal que os cortes sugerem.
Em entrevista ao Estado (26/2), o secretário do Tesouro Nacional fez um diagnóstico bem diferente do quadro inflacionário, que não reconhece os efeitos deletérios dos excessos de 2010: "O motivo pelo qual a inflação teve crescimento tem a ver com fatores externos, a alta das commodities. Mas eu acho que a política fiscal pode ajudar a equilibrar a inflação. Embora ela não seja a origem dessa inflação, pode ajudar. Não temos intenção de reduzir o investimento, porque seu aumento tem efeito anti-inflacionário. A política fiscal expansionista de 2009 e do início de 2010 foi correta e necessária para o País retomar o crescimento. Não acho que ela causou, por si só, desequilíbrios inflacionários".
O ministro Guido Mantega tem opinião similar. É bem sabido que ele nutre visão um tanto peculiar da relação entre as políticas fiscal e monetária. Há pouco mais de quatro meses, por exemplo, saiu-se com uma declaração terminante sobre isso: "Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Essa história de dizer "faz ajuste fiscal que vai baixar os juros" é um equívoco, é não entender o sistema de metas de inflação" (Folha de S.Paulo, 25/10/10). Não há sinal de que tenha mudado de ideia. Na longa entrevista concedida à Folha (folha.com.br/po881514) na semana passada, perguntaram-lhe a certa altura: "Se a inflação está sob controle por que é preciso cortar?". A resposta do ministro não poderia ter sido mais esclarecedora: "Eu falei que tem que cortar por causa da inflação?". De fato, não tinha falado.
É bem possível que a resistência do ministro da Fazenda a vincular a contenção de gastos ao combate à inflação provenha, em parte, de entendimento equivocado das relações que pautam a condução da política macroeconômica. Mas é bom também ter em conta que, por razões óbvias, Mantega atribui custo político proibitivo ao reconhecer que o quadro de aceleração inflacionária com que hoje se debate o País advém, em grande medida, dos excessos fiscais de 2010, com os quais está comprometido até os ossos. O certo é que, o ministro da Fazenda se tem recusado a associar a contenção de gastos ao combate à inflação. Para grande irritação do Planalto. Na reunião com os líderes da base aliada nesta semana, Dilma fez questão de deixar claro que os cortes foram para ajudar a impedir a volta da inflação.
Em qualquer esforço de corte de gastos, o ministro da Fazenda e o secretário do Tesouro são os guardiões que, no embate diário dentro do governo, mantêm a integridade das metas fiscais. Sem que mostrem um mínimo de convicção sobre a necessidade dos cortes, é muito difícil que o programa de contenção de gastos possa ser cumprido.
Economista, Doutor pela Universidade harvard, é professor titular do departamento de Economia da PUC-Rio
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
Os excessos de 2010 legaram ao novo governo um quadro problemático de sobreaquecimento da economia, que terá de ser superado para que a inflação possa ser trazida de volta à meta. Seria muito bom para o País se, ao lidar com o desafio de arrefecer a demanda, o Banco Central pudesse contar com alguma ajuda pelo lado da política fiscal.
É esse diagnóstico, respaldado por amplo consenso, que parece ter inspirado o anúncio de corte de gastos feito pelo governo. Mas tudo indica que a inspiração foi mais do Planalto - ou, mais especificamente, da Casa Civil - do que do Ministério da Fazenda. A impressão que se tem é que, embora até venha tentando manter as aparências, a equipe da Fazenda não tem conseguido disfarçar suas resistências à inflexão de política fiscal que os cortes sugerem.
Em entrevista ao Estado (26/2), o secretário do Tesouro Nacional fez um diagnóstico bem diferente do quadro inflacionário, que não reconhece os efeitos deletérios dos excessos de 2010: "O motivo pelo qual a inflação teve crescimento tem a ver com fatores externos, a alta das commodities. Mas eu acho que a política fiscal pode ajudar a equilibrar a inflação. Embora ela não seja a origem dessa inflação, pode ajudar. Não temos intenção de reduzir o investimento, porque seu aumento tem efeito anti-inflacionário. A política fiscal expansionista de 2009 e do início de 2010 foi correta e necessária para o País retomar o crescimento. Não acho que ela causou, por si só, desequilíbrios inflacionários".
O ministro Guido Mantega tem opinião similar. É bem sabido que ele nutre visão um tanto peculiar da relação entre as políticas fiscal e monetária. Há pouco mais de quatro meses, por exemplo, saiu-se com uma declaração terminante sobre isso: "Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Essa história de dizer "faz ajuste fiscal que vai baixar os juros" é um equívoco, é não entender o sistema de metas de inflação" (Folha de S.Paulo, 25/10/10). Não há sinal de que tenha mudado de ideia. Na longa entrevista concedida à Folha (folha.com.br/po881514) na semana passada, perguntaram-lhe a certa altura: "Se a inflação está sob controle por que é preciso cortar?". A resposta do ministro não poderia ter sido mais esclarecedora: "Eu falei que tem que cortar por causa da inflação?". De fato, não tinha falado.
É bem possível que a resistência do ministro da Fazenda a vincular a contenção de gastos ao combate à inflação provenha, em parte, de entendimento equivocado das relações que pautam a condução da política macroeconômica. Mas é bom também ter em conta que, por razões óbvias, Mantega atribui custo político proibitivo ao reconhecer que o quadro de aceleração inflacionária com que hoje se debate o País advém, em grande medida, dos excessos fiscais de 2010, com os quais está comprometido até os ossos. O certo é que, o ministro da Fazenda se tem recusado a associar a contenção de gastos ao combate à inflação. Para grande irritação do Planalto. Na reunião com os líderes da base aliada nesta semana, Dilma fez questão de deixar claro que os cortes foram para ajudar a impedir a volta da inflação.
Em qualquer esforço de corte de gastos, o ministro da Fazenda e o secretário do Tesouro são os guardiões que, no embate diário dentro do governo, mantêm a integridade das metas fiscais. Sem que mostrem um mínimo de convicção sobre a necessidade dos cortes, é muito difícil que o programa de contenção de gastos possa ser cumprido.
Economista, Doutor pela Universidade harvard, é professor titular do departamento de Economia da PUC-Rio
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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