Fomos nós que iniciamos as mudanças na política externa ou o mundo que impôs suas reviravoltas?
Comparar a política exterior dos primeiros meses da Presidência Dilma com os últimos de Lula é o mesmo que comparar laranjas com bananas. O início do governo Lula, em 2003, foi tumultuado por incertezas econômicas. Dissipadas essas, as ameaças do mensalão tampouco favoreciam uma diplomacia ambiciosa. Foi só aos poucos que os resultados econômicos e a popularidade do presidente possibilitaram o ativismo do final do mandato.
Não tem sido diferente esse começo de governo, dominado pela consolidação interna. Mesmo assim, saltam aos olhos as diferenças de estilo e de personalidade, um certo retorno ao predomínio do Itamaraty na execução diplomática do dia a dia e o perfil mais discreto da assessoria presidencial.
O que mais, além disso?
Antes é preciso perguntar: mudou o Natal ou mudei eu? Isto é, fomos nós que iniciamos as mudanças ou é o mundo que nos impõe suas reviravoltas? Vindas de fora, foram três as mudanças principais: a Primavera Árabe e suas sequelas (rebelião na Líbia, protestos e repressão na Síria); a evolução na América Latina e a piora da crise mundial.
Ante a primeira questão, a reação da diplomacia foi trocar a aliança com a Turquia pelo alinhamento com os Brics. (Dedicarei ao tema o próximo artigo.)
Menos dramáticas, as modificações nas Américas incluem: eleições no Haiti, normalização em Honduras, pacificação das relações da Colômbia com Venezuela e Equador promovida pelo presidente Santos, eleição de Humala no Peru, doença de Chávez e a provável reeleição de Cristina Kirchner na Argentina. Somando o enfraquecimento de Piñera, à direita, no Chile e o de Morales, à esquerda, na Bolívia, o sentido geral é de consolidar governos social-democratas ou de esquerda moderada e esvaziar o radicalismo bolivariano da Venezuela.
A diplomacia brasileira ajudou algumas mudanças e se adaptou a outras. Deixou de lado gestos espalhafatosos, como o do asilo em Honduras e o despacho de emissários para promover a paz entre os andinos, em parte por discrição, em parte por desnecessidade. A normalização permite até reduzir a presença militar no Haiti.
Quanto à economia, endurecer o jogo no câmbio e no comércio na onda da crise foi a verdadeira mudança em termos da inserção do Brasil no mundo -no fundo, o objetivo da política exterior. É um primeiro passo, mas nos devolve a capacidade de iniciativa para redefinir a estratégia em relação à China, à Argentina e aos demais parceiros.
O governo anterior subordinava o comércio a cálculos políticos. Esperneava contra as manobras argentinas e a manipulação da moeda por chineses e americanos, mas a política cambial do Banco Central condenava os protestos à esterilidade. Daí a impressão de resignação e imobilismo.
O recrudescimento da ameaça externa não admite contemporizar. Nesse ambiente, acumular deficits em conta corrente e depender de mercados financeiros cada vez mais nervosos seria temeridade, talvez suicídio.
Recuperar a iniciativa em câmbio é a condição para que a indústria aproveite a demanda interna, único fator de segurança na crise. Compreender isso é a novidade do governo Dilma. Executar a mudança com sabedoria é seu desafio.
FONTE: FOLHA DE S. PAULO
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