A presidente Dilma mais uma vez deixou de lado a liturgia do cargo para
responder diretamente ao relator do mensalão, ministro do Supremo Tribunal
Federal Joaquim Barbosa, que citou um depoimento seu ao tempo em que era
ministra de Minas e Energia para confirmar sua tese de que houve compra de
votos no mensalão.
Barbosa foi além do que a prudência exigiria em uma hora dessas, e atribuiu
à "surpresa" manifestada pela então ministra Dilma Rousseff, no seu
depoimento judicial, com a agilidade da aprovação das medidas provisórias de
reformulação do setor elétrico, o caráter de uma confirmação tácita de que
houvera algo mais que um simples acordo político naquela ocasião.
A presidente Dilma está certa ao rebater essa interpretação do relator, mas
mais uma vez utilizou-se da forma errada, na minha opinião. Assim como quando
rebateu as críticas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, também desta
vez a presidente não deveria ter respondido através de uma nota oficial da
Presidência da República, colocando a questão como se fosse uma disputa entre
os Poderes Executivo e Judiciário.
Bastaria que ela encarregasse o senador Delcídio do Amaral, que era o líder
do governo à época, de desmentir a versão do relator, como, aliás, ele já
fizera em declarações de iniciativa própria, confirmando que houve naquelas
votações um acordo partidário diante da necessidade de reformas no setor
elétrico depois dos problemas porque passara no final do governo de Fernando
Henrique Cardoso.
Como na resposta ao ex-presidente, que classificara de "herança
pesada" a deixada por Lula, juntando aos problemas econômicos uma especial
referência às questões morais, também agora a presidente foi além do simples
desmentido, aproveitando a ocasião para reafirmar sua lealdade ao antecessor,
fazendo críticas ao governo de Fernando Henrique.
"Entre junho de 2001 e fevereiro de 2002, o Brasil atravessou uma
histórica crise na geração e transmissão de energia elétrica, conhecida como
"apagão"", escreveu a presidente, já usando a terminologia com
finalidades políticas, pois ela sabe que o país não passou por um
"apagão".
"Como disse no meu depoimento, em função do funcionamento equivocado do
setor até então, ou se reformava ou o setor quebrava", completou a
presidente para justificar a tramitação rápida das medidas governamentais.
Nas duas ocasiões, procurou-se tirar vantagem das palavras e gestos de Dilma
para colocá-la em dissidência com Lula, seu mentor e responsável maior pela
chegada à Presidência.
Mesmo assim, o fato de a presidente ter se sentido devedora de uma
explicação por escrito, ao que tudo indica sugerida por setores ligados a Lula,
mostra não apenas o grau de subordinação partidária a que ela se submete, como
a preocupação dos que cercam Lula com a repercussão do julgamento do mensalão
sobre a sua biografia.
Sabe-se que já a nota expedida por cinco dos partidos da base aliada,
repudiando as acusações contra Lula atribuídas a Marcos Valério, e denunciando
um complô contra Lula fora insuflada pelo próprio, em busca de apoio público
num momento em que sua influência política encontra resistências.
Agora, a nota da Presidência tem o objetivo de deixar claro publicamente que
o depoimento da então ministra de Minas e Energia não insinuou, como o relator
deu a entender, a existência do mensalão.
É compreensível que Dilma nutra por Lula um afeto e uma gratidão infinitos,
mas a Presidência não pode ser usada para expressar esses sentimentos
particulares. Também o fato de pertencer ao PT, embora não tenha suas raízes
políticas no partido, não justifica uma atuação partidária tão desabrida quanto
a que está tendo nessa campanha municipal, quando já anunciara que não entraria
nas disputas regionais.
Com essas atitudes, Dilma deixa para trás uma postura republicana de
equidistância das questões partidárias para usar a Presidência como moeda de
troca, como fez ao nomear o senador Marcelo Crivella para o Ministério da
Pesca, na ilusão de que o partido dos bispos apoiaria o candidato petista à
prefeitura de São Paulo, e a senadora Marta Suplicy para a pasta da Cultura, na
tentativa de desempacar a candidatura.
Mesmo que ao fim os esforços do "deus" Lula e seus seguidores deem
certo, a Presidência de Dilma sairá diminuída. Se der errado, então...
FONTE: O GLOBO
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