O Brasil não estava sob ameaça de apagão em 2003. Quem disse isso, na época,
foi a então ministra das Minas e Energia, Dilma Rousseff. O apagão de 2001 foi
o pior momento do governo Fernando Henrique, mas a gerência da crise pelo então
chefe da Casa Civil, Pedro Parente, construiu a solução que está sendo usada na
atual seca: a de pôr as termelétricas como geração complementar.
A presidente Dilma disse recentemente que o governo Lula começou sob essa
ameaça iminente. Voltou a dizer ontem. Havia muito a fazer na área energética,
mas o risco imediato havia sido afastado. Tanto que as suas Medidas Provisórias
só foram enviadas ao Congresso em dezembro de 2003, onze meses depois que ela
assumiu o Ministério das Minas e Energia. Em setembro de 2003, perguntada pelo
jornal O GLOBO sobre o risco de apagão, ela respondeu: "Falar de risco de
apagão é não prestar atenção na atual conjuntura. Não corremos risco de
racionamento, nem de apagão. Fizemos um levantamento e podemos garantir que não
há risco."
A nota da presidente ontem foi motivada pela referência a uma declaração
sua, de surpresa da rapidez na aprovação das MPs 144 e 145, no voto do ministro
Joaquim Barbosa. O que a presidente quer é afastar qualquer ilação de que a rapidez
tenha algo a ver com os estranhos fatos políticos da época.
Entende-se que a presidente esclareça a natureza da sua declaração. Difícil
aceitar é a repetida tendência de mudar os fatos históricos sobre a crise no
setor energético. A aprovação rápida deve ter sido mesmo fruto do trauma que
ficou com o apagão, mas, para repor os fatos, foi assim que aconteceu: o
governo Fernando Henrique não investiu o suficiente no setor, a economia
cresceu muito no ano 2000 e houve uma enorme seca em 2001. Essa mistura de um
ano de crescimento bom e uma seca incomum foi o bastante para provocar a pior
crise energética do país.
A solução com as térmicas, como garantia em momentos de escassez hídrica,
foi montada na época e tem servido ainda hoje. Este ano, o Operador Nacional do
Sistema está "despachando", como se diz no jargão do setor elétrico,
a energia das térmicas.
Além disso, houve enorme engajamento da população na época em reduzir e
racionalizar o consumo. Quando a então ministra Dilma assumiu o setor de
energia, o país estava passando por um período de excedente de oferta. Dilma
fez várias mudanças: reduziu os poderes da agência reguladora, criou a empresa
para o planejamento energético e mudou a regulação do mercado livre. Algumas
das suas decisões provocaram períodos de paralisia de investimentos. Sua gestão
teve méritos, mas ela também cometeu erros.
Dilma desprezou a energia eólica quando estava claro que essa fonte ficaria
mais importante e mais barata em inúmeros países. A energia solar, que é outra
fonte que se torna cada vez mais importante, também tem sido desprezada.
Chegaram a ser licenciadas térmicas a carvão e a ideia era fazer um grande
leilão dessa fonte no final de 2009, quando Dilma era ministra-chefe da Casa Civil
e candidata do ex-presidente Lula. Foi a Conferência do Clima de Copenhague que
abriu os olhos do governo para o fato de que carvão numa hora dessas seria ir
na contramão mundial.
O projeto da presidente na área de geração é excessivamente concentrado numa
única ideia: hidrelétrica na Amazônia. Os custos ambientais não tem sido
considerados; os riscos de desequilíbrio social têm sido ignorados. Os sinais
de problemas institucionais não estão sendo previstos. O preço exato da opção
tem sido escondido através de subsídios e da presença maciça de estatais e
fundos de pensão de estatais, como em Belo Monte.
FONTE: O GLOBO
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