Sanfoneiro autor de músicas como "Eu só quero um xodó", aos 72 anos
Dominguinhos, 72 anos
A sanfona que iluminou a MPB
Instrumentista que se formou com Luiz Gonzaga deixa enorme legado de gravações e composições
Talento errante. Nascido em Garanhuns e formado músico no Rio de Janeiro, Dominguinhos botou o forró de volta à ordem do dia música brasileira
Nascido em 1941, na cidade de Garanhuns, em Pernambuco, José Domingos de Moraes seguiu desde cedo o exemplo do pai, Chicão, um mestre em afinar foles de oito baixos. Aos 6 anos de idade, ele já tocava - e muito bem - a sua sanfona. Com dois de seus irmãos formava o Trio Três Pinguins, que se apresentava em feiras livres e portas de hotéis da cidade. Numa dessas, aos 8 anos, o menino acabou conhecendo Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, que mudaria de vez a sua vida.
"Fomos até a pousada onde ele se hospedara e tocamos, meu pai na sanfona, eu no pandeiro, meu irmão na zabumba. Ele gostou do que ouviu, escreveu num papel o endereço de sua casa em Nilópolis e disse para o procurarmos. Chegamos em julho de 1954, um mês antes do suicídio de Getúlio, e, mesmo tendo passado tanto tempo, Gonzagão nos recebeu e ajudou", contou certa vez o músico, em entrevista. Foi o Rei do Baião, inclusive, que sugeriu a mudança do apelido de infância de José, Neném, para um nome bem mais artístico: Dominguinhos.
Aos 16 anos, o rapaz fez sua primeira gravação, tocando sanfona num disco do padrinho artístico, na música "Moça de feira". No Rio de Janeiro, depois de se familiarizar com o samba e com o bolero, ele formou um grupo que se apresentava em dancings, boates e inferninhos nas zonas da malandragem. Acompanhou artistas de rádio com o Regional de Canhoto, e só voltou ao forró aos 21 anos, quando foi convidado a gravar um LP destinado ao vasto público de nordestinos emigrados. Em 1967, Dominguinhos seguiu com Gonzaga em uma excursão ao Nordeste, como sanfoneiro e motorista, e acabou fazendo parte do grupo da cantora pernambucana Anastácia, com quem acabaria se casando e com quem compôs várias músicas - entre elas, "Tenho sede" e "Eu só quero um xodó".
Em 1972, quando caminhava com Anastácia pela Avenida São João, em São Paulo, o sanfoneiro foi interpelado por Guilherme Araújo, na época o empresário de, entre outros, Gal Costa, Gilberto Gil e Caetano Veloso, que perguntou se ele podia dar uma passada no Teatro Tuca. "Guilherme me disse que estava montando um grupo para as apresentações que Gal e Gil iriam fazer na feira Midem, em Cannes ( na França ), e, para minha surpresa, eles queriam uma sanfona para completar um grupo", contou certa vez o músico, que aí fez a sua entrada no seleto clube da MPB. "Nos anos 1950 e início dos 1960, o Rio tinha um caminhão de sanfoneiros, mas levamos um chega pra lá da bossa nova, muitos desistiram ou tiveram que mudar para o piano ou teclados em geral", observou ele.
Em 1980, Dominguinhos participou do II Festival Internacional de Jazz de São Paulo. Anos mais tarde, ele chegaria às paradas de sucesso com as músicas "De volta pro aconchego" (em parceria com Nando Cordel, gravada por Elba Ramalho), e "Isso aqui tá bom demais" (gravada por ele com o parceiro Chico Buarque), que foram incluídas na trilha da novela "Roque Santeiro".
Prêmios e homenagens
Em 2002, Dominguinhos receberia o Grammy Latino de melhor disco regional, com o álbum "Chegando de mansinho". Seis anos depois, foi o grande homenageado do Prêmio TIM de Música, e, em 2010, do Prêmio Shell. No mesmo ano, foi lançado o DVD comemorativo dos seus 60 anos de carreira, "Iluminado Dominguinhos", gravado ao vivo, com as participações de Elba Ramalho, Wagner Tiso, Gilberto Gil, Yamandu Costa, Waldonys e Gilson Peranzzetta.
- É muito triste. Perdi um amigo e um parceiro querido - lamentou Chico Buarque, um dos muitos nomes da MPB que se manifestaram ontem ao saber da morte de Dominguinhos.
Em nota, a ministra da Cultura, Marta Suplicy, também se pronunciou:
- Dominguinhos soube manter o legado de Luiz Gonzaga, do qual foi o principal herdeiro, e também construir um caminho próprio, dos mais belos, tornando a sua contribuição inestimável.
Elba Ramalho deixou no Twitter a sua despedida:
- Lá se vai o meu amor, deixando uma grande saudade... Dominguinhos, eterno amor, amizade sincera.
Pianista e arranjador, Wagner Tiso guarda boas lembranças do sanfoneiro:
- Embora parecesse um artista regionalista, ele era um compositor altamente sofisticado, que elevou a qualidade da música nordestina. Quando o Astor Piazzolla veio conhecer o meu grupo, convidamos o Dominguinhos, e o Piazzola ficou encantado com o talento dele.
Parceiro de Dominguinhos, o cantor Moraes Moreira destaca seu legado:
- São inúmeros os acordeonistas que aprenderam com Dominguinhos. Não só como tocar, mas como harmonizar de um jeito muito particular as canções.
Violonista que gravou um CD com o sanfoneiro em 2009, "Lado B", Yamandu Costa estava inconsolável:
- Dominguinhos me ensinou muita coisa, mudou a minha vida musicalmente. Ele levou adiante e elevou o legado do Rei do Baião. É como se Gonzaga estivesse morrendo hoje.
Dominguinhos, de 72 anos, morreu ontem, às 18h, de complicações infecciosas e cardíacas. Ele estava internado desde 13 de janeiro deste ano no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, vindo de Recife, onde apresentou quadro de complicações decorrentes de um câncer no pulmão e diabetes.
Os últimos dias de vida do músico foram passados em meio a disputas pela administração de seus bens. O filho de Dominguinhos, Mauro Silva Moraes - ele também teve duas filhas, Madalena, já falecida, e Liv -, era contra o fato de o pai ter passado uma procuração à mulher, Guadalupe Mendonça, para cuidar das suas finanças. "A mulher não mora mais com ele, está separada há muitos anos", justificou ele em entrevista ao "Fantástico". "Sou casada com Dominguinhos, mas decidimos morar separados", rebateu Guadalupe.
- O que importa é que ele foi em paz. Os últimos três dias foram muito difíceis. A infecção não estava cedendo. Mas ele lutou bravamente - disse ontem a viúva.
Mauro ressaltou a nobreza do pai:
- Sempre fui apaixonado por ele. Queria ter a terça parte da humildade e do respeito que ele tinha pelas pessoas.
Fonte: O Globo
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