- O Estado de S. Paulo
A democracia tem como um dos seus componentes essenciais eleições livres e disputadas, cujo resultado define quem vai governar "contando cabeças e não cortando cabeças", na sintética formulação de Norberto Bobbio. Nas eleições majoritárias, como é o caso das presidenciais, um dos aperfeiçoamentos introduzidos pela Constituição de 1988 é o segundo turno, para evitar uma escolha minoritária e assegurar a efetiva prevalência da regra da maioria. Seu fundamento é o pressuposto de que a decisão tomada por maioria atenderá melhor ao interesse coletivo do que a tomada por minorias.
Neste primeiro turno, o respaldo eleitoral da candidata à reeleição alcançou 41,59% dos votos válidos, tendo como proposta básica dar continuidade ao seu governo e não interromper a gestão petista no exercício da Presidência. A candidatura de Aécio Neves, do PSDB, obteve 33,55% dos votos válidos, credenciando-o a disputar o segundo turno. A de Marina Silva, do PSB, alcançou 21,32% dos votos válidos. As candidaturas de Aécio e Marina foram de oposição.
Tiveram em comum a avaliação de que há, em nosso país, amplo descontentamento com o atual estado de coisas. Daí terem sublinhado a importância de uma renovada alternância democrática, e agora, no segundo turno, de uma propositiva união de forças e vontades, realçada no fim de semana passado por Aécio no documento que divulgou no Recife ao lado da família de Eduardo Campos e por Marina nas declarações que fez em São Paulo.
A periodicidade de eleições competitivas tem como objetivo, nas campanhas eleitorais, assegurar, num pluralismo informativo, o livre debate em torno de propostas antes da tomada de decisão do voto pelo eleitor. O segundo turno será uma forma de controle pela cidadania, que desconfirmará ou não os resultados de uma gestão governamental. Trata-se de um método da democracia que oferece a oportunidade da avaliação de desempenho.
O primeiro turno confirmou que a maioria do eleitorado (58,47%) se revelou favorável à efetiva revisão dos resultados da gestão petista e do seu modo de governar. Daí o potencial de vitória da candidatura de oposição, que neste segundo turno, pelas regras do jogo democrático, é a de Aécio.
A revisão dos resultados, pelo método das aproximações sucessivas, é um dos valores da democracia. Parte do pressuposto de que o caminho da contínua renovação da sociedade se faz por meio do livre debate das ideias, das mudanças de mentalidade e da possibilidade de, por meio de eleições, ensejar novas diretrizes governamentais. Esse pressuposto se vem confirmando na nossa experiência política. O Brasil é um país melhor e mais justo depois da redemocratização, graças à atuação dos que passaram pelo poder e lidaram com seus desafios, incluído o PT.
Não é esse fato histórico, no entanto, que está no DNA dos governos do PT. Este, desde 2003, com Lula e Dilma Rousseff, se autoproclama o marco zero da História brasileira. É essa autorreferida afirmação que faz o PT apresentar a reeleição de Dilma como o antídoto do apocalipse. Daí a intolerância com que eles tratam seus adversários, assumidos como inimigos da salvação, a serem, por isso mesmo, destruídos. É por essa razão que o PT, no seu modo de governar e nas suas campanhas, resvala com lamentável frequência na antidemocrática desqualificação, em todos os planos e por todos os meios, dos seus opositores, cabendo lembrar, nesse contexto, que uma meia-verdade é uma completa mentira, como diz o provérbio.
A desqualificação mentirosa, e por isso injusta, dos adversários feita pelo PT mina um dos valores da democracia. Com efeito, a tolerância em relação aos Outros, a civilidade da aceitação do diverso e do diferente no pluralismo de uma sociedade complexa como a brasileira são indispensáveis, pois a política numa democracia não é um jogo de soma zero no qual quem "ganha fica com tudo". É essa visão de um jogo de soma zero que caracteriza o DNA da campanha do PT que, ao modo de Carl Schmitt, considera a relação política como uma relação amigo/inimigo. Por isso confunde rejeição com ódio, transformando seus adversários em inimigos a serem destruídos, almejando assim cindir a sociedade brasileira entre "nós e eles".
Não é essa a proposta da candidatura Aécio. Ela tem a consistência do compromisso com a estabilidade e o desenvolvimento econômico, corroídos na gestão Dilma. Tem a inteireza ética da contraposição aos desmandos do modo de governar do PT - entre eles a voraz aparelhagem do Estado e o cupim da corrupção, evidenciado com o julgamento do mensalão, ao qual se somam os indícios que se vêm tornando públicos da rapinagem na Petrobrás. Conjuga a afirmação dos benefícios de estabilidade e de desenvolvimento com a relevância de políticas afirmativas de inclusão social, inclusive o Bolsa Família, que tem sua origem nas políticas sociais do governo Fernando Henrique Cardoso. Dá ênfase ao desenvolvimento sustentável, com o respaldo adicional representado pela mensagem de Marina Silva. Conta com o poder de convocatória e a credibilidade dos quadros dos partidos que o apoiam, que darão à sua Presidência renovadora capacidade de gestão.
Uma Presidência Aécio, atual candidato de um arco de partidos importantes e complementares em sua visão de Nação, será de todos os brasileiros. Será sustentada pelos avanços da sua proposta de renovação do País e liderada por homem público de coragem, reafirmada nesta campanha, traço do legado de seu avô Tancredo Neves e do presidente Fernando Henrique. A coragem, na formulação de Hemingway, caracteriza-se pela dignidade diante da pressão, virtude não identificável na presidente Dilma e na maneira como ela vem conduzindo a sua campanha.
* Professor emérito do Instituto de Relações Internacionais da USP, foi ministro das Relações Exteriores no Governo Fernando Henrique Cardoso.
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