sábado, 25 de outubro de 2014

Eduardo Graeff - Pensem no eleitor

- Folha de S. Paulo

Nos termos e condições em que se propõe, o fim da reeleição para cargos executivos responde mais a uma preocupação de políticos do que a um anseio dos cidadãos.

Para quem espera a próxima oportunidade de se candidatar, oito anos parece uma eternidade. Reduzir esse prazo para quatro ou cinco anos diminuiria a ansiedade e favoreceria a conciliação de potenciais candidatos. Facilitaria a vida dos políticos, talvez. Mas melhoraria a dos cidadãos comuns?

O argumento básico contra a reeleição é o de que ela distrai o governante de suas obrigações para com os governados. Digamos que sim: um presidente, governador ou prefeito pode deixar de fazer o que deve ou fazer o que não deve para tentar se reeleger. Mas assim também ocorre com quem tenta eleger seu sucessor.

E quem diz que só os detentores de mandatos executivos estão sujeitos à tentação? Seria o caso de proibir a reeleição para todos os cargos, inclusive no Legislativo. O México experimentou isso sob a égide do Partido Revolucionário Institucional, que ficou no poder 71 anos consecutivos. Não parece um bom exemplo para o aperfeiçoamento da nossa democracia.

A regra geral das democracias é que cabe ao cidadão decidir se seus mandatários devem ou não continuar. Os sistemas parlamentaristas não impõem limite à reeleição do primeiro-ministro. O limite à reeleição do presidente se justifica pelo risco do cesarismo que rondaria os sistemas presidencialistas.

Mas a vacina contra a hipertrofia da autoridade presidencial não é um artigo da Constituição, e sim o funcionamento efetivo dos freios e contrapesos democráticos: Legislativo e Judiciário independentes, oposição vigilante, sociedade organizada, imprensa livre, opinião pública exigente.

Quando isso falha, nada impede os aspirantes a ditador de violar a Constituição, abusando do poder para continuar no poder, tanto faz se pessoalmente ou por um sucessor escolhido a dedo. Basta ver alguns vizinhos nossos.

O que mantém a democracia em boa forma é seu exercício contínuo; o exercício do voto educa os cidadãos para votar melhor. Desse ponto de vista, a proposta de fim da reeleição vem com um aditivo tóxico.

Como quatro anos é pouco tempo para se fazer um bom governo, propõe-se a extensão dos mandatos executivos para cinco anos. Para que isso não cause um descasamento complicado entre mandatos no Executivo e no Legislativo, incluem no pacote a extensão dos mandatos legislativos e coincidência geral das eleições municipais, estaduais e nacionais.

Quem defende isso já parou para pensar o que implicaria do ponto de vista do eleitor? Em vez de ser chamado às urnas a cada dois anos, o eleitor seria só uma vez a cada cinco anos. Nesse intervalo, os políticos profissionais e minorias organizadas dominariam absolutos a cena política.

E então, depois de cinco anos afastado, o eleitor sairia de casa para escolher no mesmo dia, todos juntos e misturados, um presidente, um governador, um prefeito, um ou dois senadores (para mandatos de dez anos?!), um deputado federal, um deputado estadual e um vereador.

Tendo alguns dias para checar a ficha de centenas ou milhares de candidatos e avaliar suas propostas sobre temas do Executivo e Legislativo em cada nível de governo. Fácil, não?

Deve haver outras fórmulas para alargar o fosso já existente entre políticos e cidadãos comuns. Mas eu, francamente, não consigo imaginar uma pior.

Eduardo Graeff, 64, é cientista político. Foi secretário-geral da Presidência da República (governo FHC)

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