As medidas de ajuste fiscal anunciadas pela equipe econômica são um conjunto desequilibrado onde os cortes de gastos ora parecem irrisórios, ora truques, e os aumentos de receitas são vigorosos e objetivos. Pelo teor do pacote, não se sabe por que não foi anunciado antes, já que ele reitera a rejeição da presidente Dilma e de seu núcleo palaciano por economias mais decisivas, compatíveis com o péssimo estado das contas públicas. O sinal emitido pelo Planalto não mudou: não haverá intervenção fiscal maior do que a tímida contenção apresentada anteontem. A diferença é que as medidas têm agora também a chancela do ministro da Fazenda, Joaquim Levy.
Os limites para a redução dos gastos públicos já haviam sido delimitados em julho, quando o governo desistiu de perseguir superávit primário de 2% do PIB em 2016 e reduziu-o para 0,7% do PIB, amortecendo também as metas para os anos seguintes - 1,3% em 2017 e 2% em 2018. O esforço diminuiu quando crescia a necessidade de serem maiores para estabilizar a relação dívida bruta/PIB. Pior, pouco mais de um mês depois já não havia mais superávit como meta, apenas déficit no Orçamento enviado ao Congresso. Em seguida, veio a perda do grau de investimento.
As medidas de ajuste tornaram-se então inevitáveis e o superávit de 0,7% do PIB voltou à cena. Até a véspera da decisão, a presidente Dilma, que, como o ex-presidente Lula, lamentou o fim da CPMF, mantinha um discurso coeso com o de seus auxiliares mais próximos: os cortes já tinham ido longe demais, nada mais haveria a reduzir. Sob exigência dos líderes do Congresso, teve de apresentar um plano de contenção de despesas para que pudesse propor outro, pelo qual se inclinava de antemão, de aumento de impostos.
O ajuste divulgado coroa a intenção de minimizar a redução de gastos. A maior economia, de R$ 7 bilhões, virá do adiamento do reajuste de salários dos servidores públicos. Outros cortes importantes entram no terreno da astúcia contábil: a despesa não desaparece, mudam-se suas fontes. Diante da penúria de recursos, a terceira fase do Minha Casa Minha Vida deveria ser adiada e o programa, redimensionado. A redução de R$ 4,8 bilhões anunciada ocorre para o Tesouro, mas os gastos serão feitos assim mesmo, só que com dinheiro do FGTS. Despesas de R$ 7,6 bilhões com Saúde e PAC serão evitadas, com a engenhosa sugestão aos parlamentares de que usem para esses fins suas emendas impositivas. O governo acerta o alvo, porém, ao cancelar concursos e eliminar o abono de permanência, com economia de R$ 2,7 bilhões.
Do lado da receita, como já era cogitado, a CPMF resolve a maior parte dos problemas, com arrecadação prevista de R$ 32 bilhões. Sua volta traz vários estragos, reais ou potenciais. Quando o governo acena com racionalidade tributária quanto ao PIS-Cofins e ao ICMS, e ao mesmo tempo recria uma contribuição regressiva, cumulativa e punitiva das cadeias mais longas da produção, contradiz suas boas intenções anteriores.
A CPMF, se passar pelo Congresso, ficará por um bom tempo. O ministro Joaquim Levy, que conviveu bem com o tributo no governo Lula e chegou a elogiá-lo, negaceou muito para dizer que ela tinha prazo para acabar (4 anos). A alíquota menor do que a contribuição anterior, de 0,2% é o ponto de partida, mas pode não ser o de chegada. No mesmo dia do anúncio do pacote, em jantar com governadores, os líderes governistas revelaram sua tática: para obter o apoio dos Estados no Congresso para o tributo, estimulou-os a aumentar a alíquota para 0,38% para que as receitas sejam compartilhadas. No encontro, o ministro Jacques Wagner apresentou explicitamente a sugestão.
Pela carência de recursos e por exemplos do passado, há dúvidas se a CPMF financiará só a Previdência. O dinheiro não é carimbado e a CPMF, no governo FHC, não bancou só a saúde. A Cide, antes de ser zerada, não cumpriu os objetivos para os quais foi criada, entre eles, investimentos na melhoria da malha rodoviária. O dinheiro do Fust teve o mesmo destino e, agora, também 30% das receitas do sistema S, que em tese irão para a Previdência.
Havia a compreensão, até mesmo por conformismo diante da agonia fiscal, de que mais impostos seriam inevitáveis e eram um preço a pagar para se sair da crise, se o governo pelo menos acertasse a mão nos cortes. Veio o de sempre: ficam as despesas, sobem os impostos. No curto prazo, o tapa-buraco anunciado indica que a recessão será mesmo profunda e prolongada.
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