• A estreia de Dilma como articuladora do governo no Congresso foi um banho de água fria. Ouviu de todos os líderes da própria base que as dificuldades para aprovar o ajuste fiscal serão grandes
Correio Braziliense
A grande novidade política em relação ao pacote anunciado pelos ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, é a estreia da presidente Dilma Rousseff como articuladora política do Palácio do Planalto no Congresso. Sem o vice-presidente Michel Temer, que está em missão oficial à Rússia e à Polônia, e um novo ministro da Articulação Política, cargo em extinção, é disto que se trata: ou Dilma consegue negociar a aprovação do pacote ou seu governo, que virou suco, se evapora.
A estreia de Dilma como articuladora do governo no Congresso foi um banho de água fria. Ouviu de todos os líderes da própria base que as dificuldades para aprovar o ajuste fiscal serão muito grandes. Sugeriram que o governo mude o eixo do ajuste do aumento de impostos para o corte de despesas. O governo não tem credibilidade para impor mais sacrifícios à população sem um corte mais profundo de gastos.
O eixo da proposta do governo é a recriação da CPMF, sem a qual o pacote fracassa, mesmo com as demais medidas para aumentar receitas e os cortes de gastos. A recriação do antigo imposto do cheque representaria metade dos R$ 64,9 bilhões de recursos que o governo pretende obter com corte de gastos e aumento de impostos. Dilma ouviu dos próprios líderes governistas que será “difícil” aprovar a volta do imposto sobre movimentação financeira no Congresso. A propósito, foi no Senado que a antiga CPMF foi sepultada, durante o governo Lula, quando o petista ainda gozava de grande popularidade.
O líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), resumiu a situação: “Quando o governo está bem, com base social forte e uma base parlamentar forte, é difícil aprovar uma medida como essa. Imagine num momento como esse, em que estamos passando por dificuldade. Essa dificuldade existe de fato”. A volta da CPMF exige uma mudança na Constituição. Para sua aprovação, em dois turnos, necessita do apoio de 49 senadores e 308 deputados.
Dobrou a meta
Dilma não conta com tanta gente na sua base de sustentação. Para reverter essa situação, já na segunda-feira à noite, depois do anúncio do pacote, Dilma reuniu-se com 17 governadores e iniciou uma negociação para aprovar um aumento de alíquota da nova CPMF ainda maior: de 0,38%, a fim de contemplar estados e municípios com a parcela da arrecadação que exceder 0,2%.
A proposta lembra um dos discursos mais non sense de Dilma, no final de julho, ao lançar o Pronatec Aprendiz, quando se enrolou e mandou esta: “Não vamos colocar meta. Vamos deixar a meta aberta, mas, quando atingirmos a meta, vamos dobrar a meta”. Teriam participado da reunião os governadores dos seguintes estados: Acre, Alagoas, Amazonas, Amapá, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, Sergipe, Tocantins, Rondônia e Roraima.
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), cujo filho governa Alagoas, foi generoso com Dilma, ao cobrar responsabilidade do Congresso em relação ao pacote. Mas não endossou diretamente a proposta de recriação da CPMF: “Os estados estão fazendo um esforço muito grande, melhoraram a eficiência do gasto. Mas os estados precisam ter soluções, e o Congresso Nacional tem responsabilidade com isso”, disse.
Renan cancelou uma viagem oficial à China por sugestão do senador Jader Barbalho (PMDB-PA), para que Dilma Rousseff não ficasse desamparada no Congresso, uma vez que Michel Temer e a maioria dos ministros do PMDB estão no exterior. A ministra da Agricultura, Kátia Abreu (PMDB-TO), que integrava a delegação de Temer, também cancelou a viagem por causa do pacote.
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), porém, abriu as baterias contra a proposta: “A CPMF é insuportável”. Segundo ele, a recriação do imposto vai causar problema na economia: “Tem impacto não só na inflação, mas no conjunto de preços. Ela entra em toda cadeia produtiva simultaneamente, em cascata. Então, ela realmente é perniciosa”, disse.
No Palácio do Planalto, em entrevista coletiva, Dilma falou como quem terceirizou o ajuste fiscal: “O governo não aprova a CPMF, quem aprova é o Congresso”, disse. Esse é o problema. Governo nenhum aprova aumento de tributos sem muito empenho e uma base sólida no parlamento. Se fosse fácil, não se chamaria imposto.
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