- Folha de S. Paulo
Além de alimentar a fábrica de piadas da internet, a carta de Michel Temer a Dilma Rousseff mostrou o nível rasteiro em que se discute o futuro da República. Das 883 palavras do documento, nenhuma trata dos problemas graves que o país enfrenta. Na maior parte do texto, o vice-presidente se limita a remoer mágoas pessoais e reivindicar cargos perdidos por aliados.
Temer se queixa de que Dilma o trata como "vice decorativo". Reclama que perdeu o "protagonismo" do passado. Diz que é visto com "menosprezo" pelos petistas. Em um trecho especialmente infeliz, protesta por não ter sido convidado para uma reunião com o americano Joe Biden.
"É um desabafo que deveria ter feito há muito tempo", dramatiza o vice. As redes sociais não perdoaram o tom lacrimoso da carta. Temer virou alvo de montagens cômicas e chegou a ser rebatizado de "Mimimichel".
Apesar de ter assustado o Planalto, o vice perdeu pontos no Congresso. "Se ele era um vice decorativo, por que desejou manter a aliança em 2014?", questionou o líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani.
No Senado, peemedebistas reclamaram que o vice só demonstrou preocupação com os empregos de amigos do peito, como Eliseu Padilha e Moreira Franco. A oposição também bateu duro. "A carta foi uma demonstração de fisiologismo puro", atacou o tucano Cássio Cunha Lima.
As lamúrias de Temer não combinam com a imagem de estadista que ele tenta projetar. Suas queixas soam pequenas demais para quem busca se credenciar como um líder maduro e capaz de tirar o país da crise.
Temer tropeçou na própria vaidade, mas sua carta serviu para ressaltar um grave defeito de Dilma. Em quase cinco anos na Presidência, ela manteve o mau costume de destratar aliados e desprezou a tarefa de cultivar amizades no Congresso. Esse comportamento arrogante, relatado até por políticos que dizem gostar dela, pode cobrar um preço alto na votação do impeachment.
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