quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Uma aliança condenada – Editorial / O Estado de S. Paulo

A carta do vice-presidente Michel Temer à presidente Dilma Rousseff – fato político mais relevante desde o início do processo de impeachment –, mais do que revelar detalhes nada surpreendentes do conturbado relacionamento político entre as duas mais altas autoridades na hierarquia do Executivo, evidencia uma das características mais marcantes do petismo e que está fortemente impregnada no temperamento da chefe do governo: a incapacidade de manter com aliados políticos relações de genuína parceria. Os petistas se consideram monopolistas da virtude ungidos com a exclusividade da missão de redimir os fracos e oprimidos. Por essa razão, desconfiam de todos os não petistas, inclusive daqueles a quem precisam se aliar com a intenção de que estejam sempre a seu serviço.

Movida por esse sectarismo que no seu caso pessoal parece irredimível, Dilma Rousseff repetiu com Michel Temer o mesmo erro que cometera no início do ano com Eduardo Cunha. Embalada pela arrogância que é habitual, mas então estava exacerbada pelo sentimento de onipotência proveniente da vitória nas urnas de outubro, Dilma entendeu que era hora de acabar com a pretensão peemedebista de assumir o controle político do Congresso. Encarregou o então chefe da Casa Civil, o notório Aloizio Mercadante, de arquitetar a derrota de Cunha na eleição para a Presidência da Câmara. O resto da história todo mundo conhece.

Muito mais esperto e hábil politicamente, o mentor de Dilma, quando o circo começou a pegar fogo, tratou de convencê-la a botar na articulação política do governo gente da confiança dele, Lula, capaz de evitar o desastre que se anunciava. Ocorre que o entendimento com Michel Temer, a relação presidente-vice, depende quase que exclusivamente do grau de afinidade entre ambos. E nada seria capaz de impedir que Dilma se encarregasse de “azedar” essa relação, na expressão do próprio Temer contida em sua carta.

Soam completamente hipócritas, portanto, as declarações de amor eterno a Temer, com as quais Dilma tenta comprometê-lo na luta contra o impeachment. A essa hipocrisia o vice-presidente deu uma resposta à altura, no parágrafo final da carta: “Sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã”.

A jornalistas com quem esteve em Brasília no início da noite de segunda-feira, ao retornar de São Paulo, Temer explicou que fora convocado por Dilma para uma conversa, mas preferiu enviar a carta para evitar que sua presença em palácio fosse explorada por ministros da área política como uma tomada de posição em relação ao impeachment. Dias atrás Temer desmentira o chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, que lhe atribuíra publicamente declarações de apoio à tese de que o pedido de impeachment não tem fundamento jurídico. Para Temer, esse fundamento “existe, sim”.

A atitude de Michel Temer, tomada com as cautelas políticas que caracterizam seu temperamento conciliador, não significa a explicitação de um rompimento com o governo, mas contém elementos suficientes para deixar claro que, de fato, as relações estão num ponto praticamente sem retorno. O presidente nacional do PMDB se orgulha de ter trabalhado sempre, e com êxito, para manter a unidade dentro da diversidade dos quadros de seu partido e garante que se manterá nessa linha no que diz respeito ao impeachment de Dilma. Está, neste momento, segundo correligionários do seu círculo de relações mais estreitas, “averiguando” o posicionamento das várias correntes partidárias para, na ocasião oportuna, decidir se mantém ou não a aliança com o governo. Esta oportunidade muito provavelmente surgirá no congresso nacional do PMDB agendado para março. Isso, se o processo de impeachment se estender até lá.

De qualquer modo, o que é certo em relação ao desenlace do processo de impeachment de Dilma Rousseff é que, caso o pedido seja negado, a vitória será comemorada pelo PT à moda da casa: com todas as retaliações possíveis. Respalda esse prognóstico o fato de que, na luta contra o impeachment, em vez de apelar à conciliação das forças políticas em nome da recuperação da governabilidade e de um programa de reconstrução nacional, Dilma e o PT têm preferido partir para o ataque, mantendo a retórica do “nós” contra “eles”. Mais um erro político, já que “eles” constituem hoje maioria esmagadora por todo o País.

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