• Com a carta de Temer e a decisão da Câmara, impeachment muda de patamar
- O Estado de S. Paulo
A principal consequência da carta de Michel Temer para Dilma Rousseff é que a guerra do impeachment mudou de patamar e o governo perdeu a sua estratégia política (junto ao Congresso) e de marketing (junto à opinião pública). A guerra não é mais entre a “vítima” Dilma e o “algoz” Eduardo Cunha. Passou a ser entre a presidente da República e o seu vice, coisa de peixe graúdo. Quem é vítima de quem?
O rompimento com seus vices pode ser fatal para os presidentes. O governo Figueiredo começou a ir a pique, levando a ditadura militar junto, quando o vice Aureliano Chaves passou a falar alto, dizer umas boas verdades e arregimentar os dissidentes do regime. E o impeachment de Fernando Collor só virou realidade quando seu vice Itamar Franco virou-lhe as costas e atraiu o consenso nacional.
Logo, todo o cuidado é pouco quando Dilma e o Planalto tratarem a carta de Temer, o partido de Temer e o próprio Temer. “Estou quieto no meu canto, mas não param de insinuar e vazar para a imprensa que não têm confiança em mim, que estou conspirando, que participo de um golpe. Estou cansado disso. Minha carta foi um desabafo”, me disse o vice ontem.
Temer tem sido recebido calorosamente por empresários de diferentes setores, exaustos com a crise econômica, e foi aplaudido de pé na Federação do Comércio de São Paulo no mesmo dia em que enviou a carta para Dilma. Ele, porém, tem um discurso decorado para seus interlocutores: “Não conspiro, não desejo a queda dela, só espero uma solução rápida, para o país sair da crise. E se ela cair? Bem, aí eu cumpro meu dever constitucional”. Ele não vai conspirar a favor nem vai pegar em armas contra o impeachment, vai ficar exatamente como sua função exige: a postos.
Em seu livro “Elementos de Direito Constitucional”, de 1976, já em sua 30ª edição, o professor Temer já dizia a mesma coisa que repetiu em artigo para a imprensa em 1992, diante da possibilidade objetiva da queda Collor: “o julgamento por crime de responsabilidade é político, não jurisdicional”.
Isso significa que o deputado e o senador não votam exclusivamente porque o (ou a) presidente tem conta no exterior, fraudou o fisco ou desviou dinheiro público. Como Temer ensinava antes e mantém agora, os parlamentares se perguntam, também, se é ou não conveniente para o país manter aquele(a) presidente.
Com a vitória da chapa da oposição, ontem, no plenário da Câmara, supõe-se que o “centrão” da base aliada acha que Dilma não convém mais e, se é assim, não custará nada traí-la de novo, na hora “H”. Lembre-se, porém, que a presidente só precisa de 171 votos para se manter no poder, o equivalente a um terço dos deputados. Ela tem isso. Se não tiver, é porque o governo, na prática, já acabou.
O quadro, portanto, continua muito instável, imprevisível. Só uma coisa parece certíssima: Temer não usou nenhuma vez termos como “rompimento”, “desligamento” ou “impeachment”, mas sua carta é cristalinamente rompendo com Dilma e o governo.
Depois de enumerar onze episódios que demonstram desconfiança, deselegância e desapreço de Dilma pelo seu vice e pelo PMDB, Temer conclui: “Sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã”. Leia-se: não tem jeito.
E Temer nem se lembrou de outros desaforos de Dilma, como o estímulo para Gilberto Kassab criar um partido para destronar o PMDB na aliança. Ou como o telefonema do então poderoso Mercadante para o vice, em nome de Dilma, ameaçando demitir todos os ministros do PMDB por causa da votação do Código Florestal.
Sim, Dilma e Temer conversariam ontem à noite, no mais tardar hoje, mas conversar sobre o que? Dizem que não adiantar chorar sobre o leite derramado. Dilma derramou todo o leite, talvez seja muito tarde para chorar. Temer está pronto para “cumprir seu dever constitucional”. Se for o caso...
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