- Valor Econômico
• Estudos de Bráulio Borges indicam alta de 3% do PIB em 2017
Ainda é grande a incerteza sobre a intensidade do processo de recuperação da economia brasileira. A percepção de que o fundo do poço da atual recessão, iniciada segundo o Codace (Comitê de Datação de Ciclos Econômicos) no segundo trimestre de 2014, tenha ficado para trás é praticamente consensual, mas persistem dúvidas sobre o início e o ritmo de uma possível retomada. Os economistas estão divididos em seus prognósticos.
Uma medida da incerteza nas previsões está refletida nos números do boletim Focus, do Banco Central (BC), que traz as expectativas de mais de cem instituições. Segundo o último boletim, a mediana das expectativas para o Produto Interno Bruto (PIB) prevê crescimento de 1,30% em 2017. O problema é que há uma dispersão entre as expectativas superior a três pontos percentuais, o dobro da distância média histórica observada entre mínimo e máximo nos levantamentos do Focus.
Inspirado no trabalho do NBER (National Bureau of Economic Research), entidade privada de estudos econômicos que, desde 1920, é responsável por declarar quando a economia americana entra em recessão, o Codace foi criado pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas (FGV). O Ibre, por sua vez, foi o predecessor do IBGE no levantamento de estatísticas sobre a economia brasileira e hoje desempenha o relevante papel de promover o debate no país. Ademais, possui a mais longa série de indicadores de confiança tanto de empresários quanto de consumidores.
Os índices de confiança, que revelam as expectativas dos agentes econômicos, têm mostrado números animadores. Apesar disso, como observa o economista Luiz Guilherme Schymura, diretor do Ibre, ainda não há indícios seguros de fontes mais firmes para a retomada. "Índices como o Indicador Antecedente Composto da Economia [Iace, da FGV e do Conference Board] e o índice de probabilidade de recessão, da consultoria LCA, apontam grande probabilidade de que o 'fundo do poço' da atual recessão já tenha ficado para trás. Por outro lado, o histórico de índices desse tipo sugere que recessões longas e profundas, como a que o Brasil atravessa agora, apresentam mais casos de 'falsos positivos', isto é, indicadores antecedentes que sinalizam uma virada mas voltam a cair, sem que a economia de fato tenha encontrado seu piso", diz Schymura, que trata do assunto na Carta de Conjuntura do Ibre.
Economista-chefe da LCA e pesquisador associado do Ibre, Bráulio Borges acredita na possibilidade de um pequeno crescimento do PIB no terceiro trimestre, quando comparado com o trimestre anterior, em valores dessazonalizados. Se isso se confirmar e houver uma estabilização no último trimestre do ano, a queda do PIB em 2016 ficará abaixo dos 3,18%, a mediana das expectativas do último boletim Focus. O recuo ficaria entre 2,5% e 3% e deixaria para 2017 um carregamento estatístico próximo de zero, inferior, portanto, ao 0,5 ponto percentual negativo embutido nas previsões do Focus.
De 2015 para 2016, para se ter uma ideia, o carregamento estatístico foi de 2,3 pontos percentuais negativos. "Um ponto de consenso entre Borges e outros pesquisadores do IBRE, que têm visão menos otimista quanto à evolução da atividade no próximo ano, é o de que a recuperação do PIB brasileiro vai depender basicamente da demanda interna, em especial do consumo das famílias e da formação bruta de capital fixo [taxa de investimento]", observa Schymura. "A ideia de que o setor externo possa tirar o Brasil da recessão esbarra em fatos como o crescimento muito fraco do comércio mundial nos últimos anos e a participação pequena, de aproximadamente 13%, das exportações de bens e serviços no PIB nacional."
A recuperação da economia brasileira, ao depender da demanda interna, esbarra neste momento numa taxa de desemprego alta e numa igualmente elevada capacidade ociosa da indústria. Borges concluiu, em seus estudos, que o "desemprego demográfico" observado na saída das recessões desde a de 1998 e 1999 explica apenas metade da dinâmica da recuperação do consumo das famílias pós-recessão. Já a ociosidade da indústria explicaria apenas 1/3 da aceleração dos investimentos pós-fundo do poço.
Borges usou o "desemprego demográfico" e não a taxa de desemprego habitual (desocupados como proporção da PEA) porque a primeira medida teria maior capacidade de explicar a evolução do consumo nas saídas de recessões. O economista, de acordo com Schymura, indica que os 'animal spirits' (em tradução livre, os espíritos animais), isto é, a confiança de consumidores e empresas, desempenham papel crucial na recuperação da economia nas recessões analisadas.
"O economista fez outro exercício econométrico, em que dois modelos computam o nível dos índices de expectativa e de situação atual dos indicadores de confiança empresarial e do consumidor, o crescimento anual do consumo das famílias e da FBCF, o nível de ociosidade da economia (média ponderada entre Nível de Utilização da Capacidade Instalada e taxa de ocupação) e a variação dos termos de troca [relação entre preços de exportação e importação] e do comércio global. A conclusão mais relevante do exercício é de que uma melhora dos índices de confiança como a que o Brasil efetivamente experimentou nos últimos meses é compatível, por meio de canais de autopropagação entre confiança e demanda, com uma aceleração de 11 pontos percentuais até o final de 2017 do consumo das famílias, somado ao investimento. Este cenário pressupõe que o choque favorável no sentimento quanto ao futuro não encontre grandes obstáculos e frustrações no meio do caminho", explica o diretor do Ibre.
Nesse cenário - acrescido de outras hipóteses sobre variáveis-chave e levando em conta um aumento das importações decorrente da aceleração da demanda interna, fato que na prática diminui o PIB porque a demanda "vaza" para o exterior -, o PIB tenderia a crescer cerca de 2% na média de 2017. NO último trimestre do próximo ano, a expansão ano contra ano chegaria perto de 3%.
Nos debates do Ibre, uma outra leitura chama a atenção para riscos que reduziriam o ritmo da recuperação: riscos fiscais associados à incerteza política; cenário externo desafiador; desalavancagem das famílias e das empresas; desinflação ainda não consolidada.
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